Emmanuel Macron foi eleito presidente em 2017 com o propósito de acabar com a divisão entre direita e esquerda e tornar a França um país mais moderno através do corte de impostos e reformas. Nada disso aconteceu: os extremos, tanto à direita como à esquerda, ganharam terreno, e a economia francesa está em crise, de tal forma que a proposta dum orçamento de austeridade para 2026 levou o primeiro-ministro François Bayrou a anunciar a uma moção de confiança, que será votada esta segunda-feira, 8 de setembro, e presumivelmente chumbada. Mas esta instabilidade já vem de trás, quando o resultado das eleições europeias de junho de 2024, ganhas pelo Reagrupamento Nacional (de extrema-direita), levou Macron a convocar umas legislativas antecipadas nesse mesmo mês, abrindo a porta a uma crise política sem precedentes na V República. Na altura, justificou esta opção dizendo que pedir aos eleitores que escolhessem um novo Parlamento permitiria o “esclarecimento” do panorama político. O esclarecimento chegou, depois de uma primeira volta com vantagem para o RN, através de uma vitória da Nova Frente Popular, união de esquerdas encabeçada pela radical França Insubmissa, deixando o Renascimento e as restantes forças políticas que apoiam Macron sem maioria.O presidente recusou seguir os resultados das legislativas para nomear um governo, insistindo num primeiro-ministro centrista, e, desde então, já vai no seu terceiro. Número que poderá subir após a moção de confiança desta segunda-feira - neste momento, e numa altura em que ainda faltam dois anos para terminar o seu último mandato, Macron já deu posse a seis primeiros-ministros, quatro dos quais na sua segunda presidência. Um número só batido na V República pelos sete chefes de Governo de François Mitterrand, com a diferença que o socialista esteve no Eliseu 14 anos e não 10. Bayrou apanhou o país de surpresa quando anunciou no final de agosto que tinha proposto a votação de uma moção de confiança, na qual estará em causa a viabilidade do governo e do seu orçamento de austeridade. Se Bayrou sair vencedor desta votação estará um passo mais perto de implementar o seu orçamento, apesar da oposição política e pública. Mas este é o cenário mais improvável, já que as forças que apoiam o governo com os seus 220 lugares (e já contando com Os Republicanos) estão longe dos 289 deputados necessários para uma maioria absoluta. Por outro lado, caso o Reagrupamento Nacional, com os seus 123 lugares, se abstivesse - como aconteceu nos anteriores votos de confiança de Bayrou - o primeiro-ministro poderia conquistar alguns grupos mais pequenos e obter uma vitória, mas não há indícios de que isso vá acontecer, já que Marine Le Pen, bem como o restantes partidos da oposição, garantiram que não apoiam o plano do líder do governo.Franceses querem eleiçõesSe perder, Bayrou terá de renunciar ao cargo e a França ficará pela terceira vez no espaço de um ano sem primeiro-ministro. Emmanuel Macron poderá tentar encontrar um sucessor à esquerda ou à direita para consolidar a sua aliança centrista, mas esta pode ser uma escolha difícil. Dentro do seu campo político já começam a ser falados alguns nomes para suceder a Bayrou, todos eles ministros, como Sébastien Lecornu, Catherine Vautrin, Gérald Darmanin e Eric Lombard. Por outro lado, uma aproximação aos socialistas, com 66 deputados, pode dar estabilidade relativa, mas face ao impasse político no Parlamento não seria uma garantia de longevidade, além de não ser do agrado de aliados de Macron.O líder do PS, Olivier Faure, já disse estar “à disposição” do presidente para discutir “as condições” em que a esquerda poderia “ocupar os cargos governamentais”, tendo, segundo os media franceses, dado indicação ao seu círculo mais próximo para aceitarem o cargo de primeiro-ministro se Macron o propuser. A grande questão é que entre a oposição, começando pelo Reagrupamento Nacional, a preferência vai para a dissolução do Parlamento e a convocação de novas eleições, na esperança de conquistar mais deputados. De tal forma que, de acordo com o Le Point, o partido de Jordan Bardella e Marine Le Pen está a ponderar censurar de imediato o sucessor de Bayrou para obrigar o presidente a dissolver o Parlamento. Esta também parece ser a vontade dos franceses. Uma sondagem Ifop para a LCI TV conhecida na semana passada indica que 63% dos eleitores são a favor deste cenário. “Se houvesse outra dissolução, acredito que a raiva popular, na realidade, levaria as pessoas a votar na extrema-direita e na extrema-esquerda”, disse à France 24 Andrew W M Smith, historiador da França moderna na Queen Mary University, em Londres. “Provavelmente veríamos um esvaziamento do centro que substituiria crises por crises.”Este estudo de opinião aponta também para outro possível cenário, com dois terços dos franceses a quererem a demissão de Macron. A que se junta uma outra sondagem da Verian para o Figaro, que mostra que apenas 15% dos franceses dizem confiar no presidente, o nível mais baixo observado desde a sua eleição. “Macron é o caos”, afirmou recentemente o líder do partido de extrema-esquerda França Insubmissa, Jean-Luc Mélenchon, acrescentando que pretendia desencadear um artigo que permitisse ao parlamento destituir o presidente: “Ele precisa de sair.” Uma ideia que é partilhada pelo líder do RN, Jordan Bardella. No entanto, Emmanuel Macron já garantiu por mais do que uma vez que pretende levar o seu mandato até ao fim. “Não via tanta incerteza desde que era estudante em 1968”, declarou ao Politico Eric Chaney, antigo economista-chefe da AXA, referindo-se aos protestos de maio de 1968 que paralisaram a França. “ De repente, não se sabe o que está a acontecer com a sua própria economia, com o seu próprio governo”.Risco económicoA moção de confiança acarreta precisamente também sérios riscos para a economia, trazendo de volta os receios de recessão e crise na segunda maior economia da União Europeia, que já enfrenta um défice de 5,4%. Patrick Martin, presidente do Medef, a maior associação patronal francesa, declarou-se “consternado” com o facto de os políticos franceses não conseguirem ultrapassar as suas divergências em prol do país. “Aqueles que pensam que podem brincar com a economia colocam-nos perante um risco enorme”, desabafou.“Queremos realçar que, de qualquer forma, ambos os cenários [novo primeiro-ministro ou eleições antecipadas] provavelmente significariam um período prolongado de incerteza”, escreveram os analistas do Morgan Stanley numa nota citada pela Reuters. Os até agora seis primeiros-ministros de MacronNuma altura em que ainda faltam dois anos para terminar o seu último mandato, Emmanuel Macron já deu posse a seis primeiros-ministros, quatro dos quais na sua segunda presidência.ÉDOUARD PHILIPPE- 15 de maio de 2017-3 de julho de 2020Foi o primeiro chefe de governo de Macron e o que ocupou o cargo por mais tempo: três anos e 49 dias. Ao fim de dois meses venceu uma moção de confiança, tarefa facilitada pelo facto de gozar de maioria no Parlamento. No seu mandato anunciou planos de reforma laboral e de imigração. Apesar de ser mais popular do que o presidente, demitiu-se após os fracos resultados nas eleições locais do partido no poder. JEAN CASTEX- 3 de julho de 2020-16 de maio de 2022A nomeação de Castex foi vista como “aposta redobrada num caminho amplamente visto como de centro-direita em termos económicos”, como escreveu então o Politico, referindo ainda que “ao escolher uma figura tão pouco conhecida para substituir Édouard Philippe como chefe do governo, Macron indicou que assumirá ainda mais o controlo da formulação de políticas durante os dois anos restantes do seu mandato”. Aceitou renunciar ao cargo após a reeleição de Macron.ÉLISABETH BORNE- 16 de maio de 2022-9 de janeiro de 2024Foi a segunda mulher a chefiar um governo em França e a primeira em 30 anos. Sobreviveu as duas moções de censura, a última apresentada em resposta à aprovação de uma polémica lei pelo presidente que aumentou a idade de reforma de 62 para 64 anos sem a votação da Assembleia Nacional. Depois de apresentar a sua demissão - na sequência de uma crise política em dezembro causada pela difícil aprovação do projeto de lei de imigração e asilo - regressou ao seu lugar de deputada, sendo atualmente ministra da Educação.GABRIEL ATTAL- 9 de janeiro de 2024-5 de setembro de 2024Foi o mais jovem e o primeiro chefe de governo assumidamente homossexual da história francesa, sendo visto como potencial candidato às presidenciais. Nomeou o que foi descrito como o gabinete mais à direita desde que Macron assumiu o cargo. Não concordou com a convocação das legislativas antecipadas de junho e apresentou a demissão devido aos maus resultados do Renascimento. Há um ano, foi eleito líder do partido na Assembleia Nacional e três meses depois secretário-geral.MICHEL BARNIER- 5 de setembro de 2024-13 de dezembro de 2024Barnier foi a pessoa mais velha a assumir o cargo de primeiro-ministro na V República. A 4 de dezembro de 2024, o seu governo foi derrubado por uma moção de censura. No dia seguinte, demitiu-se. O seu mandato como primeiro-ministro é o mais curto até à data na V República: 99 dias.FRANÇOIS BAYROU- 13 de dezembro de 2024-presenteFundador e líder do Movimento Democrático, diz-se que na manhã da sua nomeação, Macron tinha decido não avançar com o seu nome, posição que reviu quando Bayrou ameaçou retirar o apoio do seu partido ao governo. A 3 de fevereiro, aprovou o orçamento para 2025 através de poderes constitucionais especiais, após ignorar uma votação no Parlamento, tendo resistido a duas moções de censura. Em julho revelou um plano rigoroso de 43,8 mil milhões de euros em poupanças para reduzir o défice para 4,6% do PIB em 2026. No final de agosto, em resposta às críticas ao seu projeto de orçamento, anunciou que iria apresentar uma moção de confiança, que será votada esta segunda-feira..Bayrou convoca voto de confiança que oposição vê como uma “demissão”.Macron elogia coragem da proposta de orçamento de Bayrou