O acordo para a legislatura que assinou no dia 20 com os outros dois maiores grupos pró-europeus é visto como um mal menor por alguns dos seus colegas, que receiam que seja quebrado por iniciativas à direita no Parlamento. Como encara este mandato, tanto do Parlamento como o que inicia agora na Comissão? A composição do novo Parlamento Europeu após as eleições mostra a dificuldade de constituir maiorias e a dificuldade de garantir o que tem sido a aliança tradicional entre sociais-democratas, populares e liberais europeus. Neste momento, há duas maiorias possíveis no Parlamento Europeu, uma do Partido Popular Europeu (PPE) com toda a extrema-direita, ou a maioria pró-europeia com os verdes, os liberais e os sociais-democratas. Falando do acordo a que chegámos, penso que é um acordo responsável para dar estabilidade à Europa num momento decisivo. Encontramo-nos num contexto geopolítico muito complexo, com a nova administração norte-americana de Trump que está a pôr em causa as relações transatlânticas, com a guerra de Putin contra a Ucrânia e também com um conflito no Médio Oriente que ainda não foi resolvido. E uma guerra comercial com a China que põe em evidência a necessidade de a Europa ser forte para poder participar na tomada de decisões a nível mundial. Trata-se, portanto, de um exercício de responsabilidade e de uma mensagem clara dos sociais-democratas, que eu, na qualidade de presidente do grupo, transmiti com muita firmeza no debate no Parlamento [na quarta-feira]. Se a senhora presidente [Ursula] von der Leyen e o senhor presidente [Manfred] Weber [presidente do PPE] quiserem respeitar esta aliança tradicional, estamos totalmente dispostos a fazê-lo, com a coragem de negociar, de chegar a acordo e de chegar a um entendimento com base nas diferenças que, naturalmente, existem. Mas se o Partido Popular Europeu jogar um jogo de duplas maiorias consoante as questões, encontrará uma firme oposição do nosso grupo político. O eurodeputado português Paulo Cunha (PSD) advoga que o centro deve tomar a iniciativa e procurar entendimentos com os extremos, quer à esquerda, quer à direita. Não é possível uma aliança com aqueles que querem destruir a Europa e os valores da Europa. Os valores da igualdade e da solidariedade, a Europa que promove a sustentabilidade, a Europa que melhora os salários, a Europa que protege as minorias e promove a igualdade entre homens e mulheres. Esta Europa está em perigo com uma aliança entre o Partido Popular Europeu e a extrema-direita. E é isto que o Partido Popular Europeu deve ter em conta, que este não é o momento para jogos, que este é o momento para defender firmemente o projeto europeu. E será complexo para todos nós, porque temos de negociar a partir de posições políticas diferentes, obviamente, os conservadores, os sociais-democratas, os liberais, os verdes, mas a Europa nasceu e tem continuado a avançar com base na negociação, no acordo e no entendimento daqueles que defendem o projeto europeu. Mas isso é incompatível com aqueles que querem destruir a Europa que conhecemos. Das prioridades que von der Leyen referiu ao apresentar a sua equipa ao Parlamento, qual é a máxima para os Socialistas & Democratas? Os grandes desafios que existem, em primeiro lugar, na ordem internacional, obviamente que tudo o que tem a ver com a paz, a segurança e a defesa é um elemento importante, mas a defesa da cidadania europeia não pode ser vista apenas do ponto de vista da resolução de conflitos militares. Defendemos também a população europeia quando defendemos salários dignos. Defendemos também a cidadania europeia quando trabalhamos pelo acesso à habitação, que hoje é um problema evidente em toda a União Europeia. Defendemos a cidadania europeia quando defendemos o Estado de direito e a democracia. E defendemos a cidadania europeia quando defendemos uma agenda verde para garantir o futuro do nosso planeta. Agenda verde que foi um pouco esquecida nas linhas programáticas da Comissão... [Na quarta-feira], a presidente von der Leyen fez uma referência à agenda verde, sublinhando, em primeiro lugar, tudo o que foi feito durante a última legislatura, em grande parte graças ao trabalho dos sociais-democratas. Mas também manteve o seu compromisso de não baixar as ambições da agenda verde, porque a Europa tem de ser uma referência mundial neste domínio. O custo da inação em relação às alterações climáticas já é muito maior nas suas consequências do que não fazer nada. Hoje já estamos a pagar as consequências de não agirmos contra as alterações climáticas. Portugal é um exemplo claro disso com os incêndios, mas também as inundações no resto da Europa, em Espanha, na Polónia, na Áustria. Hoje já é claro que a inação tem um custo, pelo que não podemos dar-nos ao luxo de não agir e de não garantir um planeta para as gerações futuras. A direita populista e extremista continua a crescer. Os resultados da primeira volta das presidenciais na Roménia foram um terramoto político. Nada se aprendeu com as campanhas do Brexit e a primeira eleição de Trump? Como contrariar as mensagens extremistas? Não é fácil, obviamente. Penso que todos temos de fazer uma autocrítica, pois não estamos a ser capazes de transmitir ao público o perigo que a extrema-direita representa. Mas estamos num mundo em que as redes sociais assumiram uma importância tão vital que é possível alterar um resultado eleitoral em três dias. E, de facto, há uma investigação sobre uma possível interferência no processo eleitoral romeno. Mas não é fácil atacar um movimento de extrema-direita e populista que atua desta forma, criando mentiras, gerando medos, gerando ódio entre grupos de pessoas diferentes. E acredito que a melhor forma de lutar contra a extrema-direita é fazer políticas que promovam a igualdade entre as pessoas e criem oportunidades. A extrema-direita alimenta-se das desigualdades, das preocupações, do medo. Por conseguinte, o que temos de fazer é governar em resposta a estes problemas, para que os cidadãos compreendam perfeitamente que não podemos resolver problemas complexos com as soluções fáceis apresentadas pela extrema-direita, que também estão cheias de mentiras. Mas agora também é um problema ético, porque a vitória de Trump cria uma nova realidade. Sim, estou totalmente de acordo. Mas penso que também temos de compreender o contexto em que se realizaram as eleições nos EUA. Do lado de fora, estamos todos muito surpreendidos com o facto de alguém que foi acusado pelos tribunais, que foi destituído [pela Câmara dos Representantes], que vomita mensagens de ódio e mentiras da forma como Trump o faz, ter vencido uma eleição. Parece-nos tão estranho e tão difícil, mas ao mesmo tempo temos de compreender o momento e a situação de uma população norte-americana que está a sofrer os efeitos da inflação, do declínio económico. Além disso, como digo, acabaram por ser servidos e alimentados com isto, com as preocupações, com as desigualdades, com as dificuldades das pessoas em fazer face às despesas e esperar que alguém venha resolver todos os problemas de uma forma fácil. Charles Michel terminou o seu mandato sob críticas quase unânimes, que vão desde a sua falta de contacto com o Parlamento até à sua má relação com von der Leyen. Acha que António Costa tem o perfil adequado para a presidência do Conselho? Não tenho dúvidas de que António Costa vai dar uma volta de 180 graus em relação ao que foram os últimos cinco anos. António Costa é um homem respeitado, com excelentes capacidades de negociação, com capacidade para criar consensos. Estamos a falar de um antigo primeiro-ministro socialista que foi apoiado no Conselho por mais de 17 primeiros-ministros do Partido Popular Europeu. Isso diz muito sobre a pessoa. António é um europeísta convicto, um homem altamente respeitado por todos os círculos políticos e que também conhece este Parlamento e sabe a importância de estabelecer laços com o Parlamento. Iniciará oficialmente o seu trabalho este fim de semana, mas já temos trabalhado com ele na agenda deste Parlamento e isso mostra que vai fazer um trabalho extraordinário como presidente do Conselho. O mais importante nessa função é estabelecer consensos? É uma parte importante. Obviamente, enquanto presidente do Conselho, terá tarefas fundamentais antes de cada reunião dos primeiros-ministros no Conselho e, por conseguinte, a capacidade de negociar, de compreender e de criar consensos é um elemento fundamental para que a Europa possa continuar a avançar com diversidade e diferenças, mas com objetivos comuns e um roteiro comum. .Quando conheceu Costa? Conheci-o quando ele era eurodeputado. Eu era uma eurodeputada recém-chegada e muito jovem e não tive muito contacto com ele nessa altura, mas obviamente depois, especialmente quando assumi a presidência do Grupo Socialista & Democrata há quase cinco anos e meio, quando ele já era primeiro-ministro de Portugal, trabalhámos em conjunto. Por exemplo, na presidência do Semestre Europeu, onde trabalhámos muito juntos, e depois também ao nível do Partido dos Socialistas Europeus, de que ambas as organizações fazem parte, quer nas relações bilaterais entre o PSOE e o PS, quer ao nível do Grupo Socialista. É evidente que trabalhámos juntos. Por exemplo, na presidência do Semestre Europeu, onde houve um grande nível de colaboração, e depois também ao nível do Partido dos Socialistas Europeus, obviamente do qual ambas as organizações fazem parte, tanto nas relações bilaterais entre o PSOE e o Partido Socialista como no Grupo dos Socialistas & Democratas..Uma assistente social a cuidar dos socialistas.Iratxe García. (JAN VAN DE VEL © UNIÃO EUROPEIA).Nascida no País Basco há 50 anos, Iratxe García viveu em Laguna del Duero, perto de Valladolid, onde se formou como assistente social. Foi também aí que iniciou o percurso político, primeiro na juventude do Partido Socialista Operário Espanhol, mais tarde como eleita local, e entre 2000 e 2004 como deputada. Nesse ano mudou-se para Bruxelas, onde se mantém desde então. Em 2019, como chefe da delegação do PSOE, passa a presidir ao grupo dos Socialistas & Democratas, o segundo maior do Parlamento Europeu. Sinal do grau de intervenção nos trabalhos, numa contagem feita pelo Politico, foi a eurodeputada que mais palavras proferiu no anterior mandato. .Comissão e Conselho iniciam funções.Na quarta-feira, Ursula von der Leyen apresentou no hemiciclo de Estrasburgo - a sede do Parlamento Europeu - as 10 mulheres e os 16 homens com quem vai trabalhar, bem como as linhas gerais de atuação, e recebeu a aprovação de 54% dos eurodeputados. Foi o ponto final num capítulo marcado por um atribulado processo de escolha de comissários, mas que teve o condão, para já, de se obter uma plataforma de entendimento entre as três maiores famílias políticas europeias. Os verdes, também pró-europeus, mas que ficaram de fora do acordo firmado em Budapeste, foram de alguma forma recompensados com a nomeação do antigo eurodeputado Philippe Lamberts para conselheiro da presidente da Comissão. No entanto, à esquerda do PPE teme-se que o seu presidente, Manfred Weber, se vire para a extrema-direita à primeira ocasião. O último passo para o segundo quinquénio de von der Leyen iniciar funções, agora com um colégio de comissários mais à direita, foi dado na sexta-feira, com a nomeação oficial por parte do Conselho Europeu. Um órgão que também muda hoje de líder, com a entrada em funções de António Costa..Em Estrasburgo.O jornalista viajou a convite do Parlamento Europeu