A fúria dentro do Partido Democrata contra os oito senadores que votaram ao lado dos republicanos para acabar com o mais longo shutdown da história dos EUA é apenas o último exemplo da mudança de estratégia que a formação tem vindo a adotar para lidar com o presidente Donald Trump e com os republicanos. Depois do “quando eles descem, nós subimos para um plano mais elevado”, a frase da ex-primeira-dama Michelle Obama que marcou a convenção democrata de 2016, o tempo agora é mais para “combater o fogo com o fogo” para “garantir que os democratas mantenham o poder para fazer as mudanças necessárias”, como defendeu Mallory McMorrow, candidata a senadora no Michigan nas intercalares de 2026.Na noite de segunda para terça-feira, o Senado voltou a aprovar um texto que garante o financiamento do Governo Federal até 30 de janeiro, dando mais um passo para pôr fim ao mais longo shutdown da história dos EUA. Ao 41.º dia de paralisação do Executivo, sete senadores democratas e um independente juntaram-se aos republicanos para garantir os 60 votos que desbloquearam uma situação que além de ter mandado 1,4 milhões de funcionários federais para uma licença sem vencimento e os considerados essenciais estarem a trabalhar sem receber, causou também o caos nos aeroportos, com 2400 voos cancelados e mais de 9000 atrasados só na segunda-feira. Os republicanos saudaram o acordo. “O presidente é a favor. Se o presidente é a favor, penso que será aprovado na Câmara dos Representantes. Penso que é um bom acordo para o país”, reagiu o senador Lindsey Graham. O texto tem agora de ser debatido (já a partir desta quarta-feira) e aprovado pela Câmara dos Representantes, onde basta uma maioria simples para passar, mas os republicanos têm uma vantagem de apenas seis eleitos. Cada voto conta, portanto. A palavra final caberá ao presidente Donald Trump, que já deu a entender que irá assinar o texto. E se Tim Kaine, da Virgínia, um dos senadores que votaram com os republicanos (a única exceção neste partido foi o libertário Rand Paul), garantiu que os funcionários federais que representa “agradecem” por terem concordado com o acordo, a verdade é que os democratas pouco ou nada conseguiram com esta cedência. O texto não inclui a prorrogação dos subsídios da lei dos cuidados de saúde (Obamacare), que expiram no final do ano e cujo fim pode aumentar os custos com saúde para milhões de norte-americanos, fazendo apenas referência ao acordo para um voto em dezembro sobre este assunto. Ora se John Thune, líder da maioria republicana no Senado, disse que irá agendar o voto para a segunda semana de dezembro, Mike Johnson, o speaker da Câmara, deixou claro que não tem intenções de a levar a votação. O que esta votação veio mostrar foi as divisões dentro do Partido Democrata, com muitos a apelarem mesmo à demissão de Chuck Schumer, o líder da minoria no Senado, apesar de este ter votado contra o texto. As críticas vão todas no mesmo sentido: o partido não pode ceder aos republicanos e, nesta nova era da segunda Administração Trump, precisa de mudar de estratégia para combater o presidente. Um dos rostos desta nova estratégia mais musculada dos democratas é Gavin Newsom. O governador da Califórnia considerou “patética” a atitude dos senadores que romperam fileiras, afirmando que eles “tolamente decidiram que estamos a jogar pelas regras antigas” e não se ajustaram à nova realidade.Este novo Partido Democrata “impiedosamente pragmático”, como lhe chama o Washington Post, “em vez de tentar defender as normas enquanto Trump as destrói” decidiu “lutar contra Trump com táticas que antes despreza”, escreve o jornal. Uma dessas táticas foi o redesenho dos distritos eleitorais. Newsom foi um dos governadores que decidiu seguir o exemplo do que os republicanos já tinham feito noutros estados e alterar as linhas dos distritos (o chamado gerrymandering), no caso dele para favorecer os democratas, com vista às intercalares. Perante o sucesso de Newsom, Virgínia, Ilinóis e Maryland deverão ser os próximos. O Washington Post aponta ainda outra mudança de atitude nos democratas. Antes muito rápidos a deixar cair um candidato que estivesse envolvido num escândalo, os democratas têm agora mantido o apoio a figuras controversas. E dá o exemplo de Jay Jones, cujos SMS violentos de há anos atrás vieram a público poucas semanas antes do dia das eleições, e que ultrapassou a controvérsia para se tornar no próximo procurador-geral da Virgínia, ou Graham Platner, veterano de guerra e criador de ostras, que ficou na corrida a uma das duas vagas no Senado do Maine, apesar de ter alterado recentemente uma tatuagem no peito que se assemelhava a um símbolo nazi. A própria Michelle Obama reconheceu que a dinâmica mudou. Questionada no podcast All the Smoke se os democratas ainda têm “de subir”, admitiu: “A verdadeira resposta é não”. “Subir mais alto é ser estratégico, e esse é realmente o meu ponto”, disse..AOC será o Trump dos democratas?