Cerca de 15,6 milhões de chilenos vão este domingo, 16 de novembro, às urnas para escolher o sucessor do presidente Gabriel Boric, que não pode concorrer a um segundo mandato consecutivo.A favorita é a candidata única da coligação de esquerda no poder, a comunista Jeannette Jara, que enfrenta sete adversários, incluindo três de direita que estão na luta pelo segundo lugar: o veterano da extrema-direita José Antonio Kast, o ainda mais radical Johanes Kaiser e a conservadora mais tradicional Evelyn Matthei.A decisão sobre quem deverá ser o próximo inquilino do Palácio La Moneda deverá ficar para a segunda volta, prevista para a 14 de dezembro, já que nenhum dos candidatos deverá conseguir chegar aos 50% dos votos. Jara, da coligação Unidade pelo Chile, tem cerca de 25% nas sondagens, com Kast à volta dos 19%, Mathei com 13% e Kaiser com 12%.Kast (que concorre pela terceira vez e já ficou em segundo nas eleições de 2021) parece ser o mais bem colocado para o duelo de dezembro, mas há sondagens que não excluem a possibilidade de uma surpresa. Tanto Kast como Kaiser recusaram ir às primárias do Chile Vamos, que Mathei venceu. Daí esta divisão entre as várias direitas na primeira volta.Na segunda volta, Jara surge atrás de qualquer um deles nas sondagens – espera-se que o eleitorado de direita se una contra a comunista, que também sofre com a impopularidade de Boric (cerca de 60% dos eleitores desaprovam do atual Governo).Mas, este ano há um pormenor que deixa tudo em aberto. Esta será a primeira eleição presidencial desde 2012 em que o voto é obrigatório (e a inscrição é automática para os maiores de 18 anos). Na primeira volta em 2021 a abstenção foi de 53%, estimando-se que cinco milhões de eleitores vão agora votar "forçados".Aqueles que não forem às urnas arriscam ter que pagar uma multa (entre cerca de 32 euros e quase 97). Conjugado com o alto número de indecisos (11%), isto abre uma incógnita para as empresas de sondagens, depois de múltiplos processos eleitorais e referendos desde a revolta social de 2019 (violentos protestos que exigiram reformas estruturais).Além das eleições presidenciais, para escolher o sucessor de Boric (que tomará posse em março do próximo ano), o Chile elege a totalidade dos 155 lugares na Câmara de Deputados e 23 dos 50 lugares do Senado.A coligação de esquerda tem a minoria em ambas as câmaras e tudo indica que isso não se vai alterar. Caso a direita vença também as presidenciais, será a primeira vez que controla tudo desde a queda da ditadura de Pinochet, em 1990. Precisará contudo de uma maioria de dois terços (89 deputados e 29 senadores) para fazer alterações constitucionais.Balanço de Boric.Quando tomou posse em 2022, com 36 anos, Boric tornou-se no presidente mais jovem do Chile, prometeu muitas reformas, mas só conseguiu avanços sociais modestos e esbarrou em falta de soluções para muitos problemas. E dois falhados processos para reescrever a Constituição, que acabaram por marcar os dois primeiros anos de mandato..Víctor Manuel Avilés: "Seria suicídio para qualquer força política no Chile voltar a falar de um processo constituinte". Além de problemas de corrupção no seu Governo, que afetaram a sua imagem, acabou por não ter capacidade de responder a temas considerados mais urgentes, como a insegurança ou até a resposta aos grandes incêndios de fevereiro de 2024 em Valparaíso.Na coluna de coisas positivas, a reforma das pensões (herdada ainda dos tempos de Pinochet) ou a redução da jornada laboral de 45 horas semanais para 44, que chegará às 40 em abril de 2028. Também a lei contra a violência de género.Apesar de não poder concorrer a um segundo mandato consecutivo, analistas acreditam que poderá voltar a tentar de novo voltar ao Palácio La Moneda daqui a quatro anos..Boric. De líder estudantil a presidente do Chile em dez anos.Temas de campanhaSegurançaA insegurança é, para 48% dos chilenos, o principal problema do Chile, não sendo por isso de estranhar que a segurança tenha sido um dos temas mais importantes nesta campanha. Todos os candidatos prometeram basicamente o mesmo: reforçar a polícia e construir novas prisões.Jara promete um investimento de 700 milhões e o fim do segredo bancário, para seguir o rasto do dinheiro do crime organizado transnacional. Já Kast quer penas mais duras e Matthei ter maior presença policial nas ruas. Kaiser quer o regresso do serviço militar obrigatório, além de ser a favor do regresso da pena de morte.No ano passado, segundo dados citados pela agência Associated Press, 40% das casas foram atacadas e quase 30% dos chilenos foram vítimas de algum tipo de crime, gerando mais sensação de insegurança.Com seis homicídios por cem mil habitantes em 2023 (um número que quase triplicou na última década), o Chile continua a ser um dos países mais seguros da América Latina (onde a média é 15 por cem mil). Contudo, tem registado um aumento dos casos de rapto, extorsão ou assassínios por encomenda, assim como simples roubos de telemóveis, ligados ao crime organizado transnacional – o venezuelano Tren de Aragua já atua no país, por exemplo.ImigraçãoNo seguimento da insegurança, associada a grupos criminosos transnacionais, veio também o debate sobre imigração que os candidatos da direita aproveitaram durante a campanha.Matthei defende criminalisar penalmente a entrada irregular no país e quer criar uma Polícia Militar de Fronteira. Kast quer aumentar os voos de repatriamento de ilegais, enquanto Kaiser aposta na expulsão massiva de estrangeiros em situação irregular (metendo-os primeiro num campo de refugiados para os confinar até serem deportados). Jara quer um censo obrigatório para contabilizar o número de estrangeiros, mas aposta em programas de integração laboral.Segundo os dados existentes, o número de migrantes duplicou em sete anos (especialmente devido ao aumento da chegada de venezuelanos, que fugiam à crise no seu país), representando 8,8% da população total em 2024. São 1,6 milhões de pessoas nascidas no estrangeiro que vivem no Chile, um país com 20 milhões de habitantes.Economia:A recuperação económica depois das revoltas sociais de 2019 e principalmente da pandemia de covid-19 não foi tão rápida quanto o desejado, apesar de os dados macroeconómicos serem positivos quando comparados com o resto da região.A comunista Jara defende a continuidade da polícia económica de Boric, com o aumento do salário mínimo e mais direitos para os trabalhadores.À direita, a ideia comum é um corte nos impostos. Kast quer uma redução fiscal radical de seis mil milhões de dólares no prazo de 18 meses, não tendo propriamente explicado como isso vai acontecer – apesar de ter falado, por exemplo, na eliminação do imposto imobiliário.Já Matthei propõe reduzir oito mil milhões de dólares, mas durante o mandato de quatro anos, baixando por exemplo os impostos para as empresas de 27% para 23%. Kaiser vai mais longe e fala em 20%, defendendo reduzir o papel do Estado na Economia.Candidatos: entre a comunista e os "herdeiros" de PinochetHá oito candidatos às eleições presidenciais, sendo que só quatro parecem ter possibilidade de estar entre os dois que vão à segunda volta.Jeannette Jara (Partido Comunista):.A comunista de 51 anos, ex-ministra do Trabalho, venceu as primárias da esquerda e centro-esquerda de julho, representando a coligação que levou Gabriel Boric ao poder há quatro anos. É a aposta na continuidade, com o lema "um Chile que cumpre". Nas sondagens surge como favorita para vencer a primeira volta, mas na segunda volta, face a um candidato único à direita, o cenário é mais complicado. Apesar de comunista, tem-se destacado por algumas divergências em relação à direção do partido, tendo nomeadament dito que em Cuba e Venezuela não há democracia. É divorciada e tem um filho.José Antonio Kast (Partido Republicano) .O ex-deputado de 59 anos acredita que à terceira é de vez e que chegará finalmente ao Palácio La Moneda, após duas tentativas falhadas em 2017 e 2021 (nesta última vez perdeu só na segunda volta para Boric). Não ajudou o passado da família: o seu pai era um tenente alemão que pertenceu ao partido nazi e fugiu para o Chile após a II Guerra Mundial e o seu irmão foi ministro de Augusto Pinochet. O advogado ultracatólico, que há quatro anos defendia abertamente o legado da ditadura militar, promete "recuperar" o Chile e "derrotar o medo". É casado e tem nove filhos. Evelyn Matthei (União Democrática Independente) .Outra política veterana, antiga deputada, senadora, autarca de Providencia e ministra do Trabalho, perdeu em 2013 a segunda volta das presidenciais para a socialista Michelle Bachelet. A economista é candidata da aliança de centro-direita Chile Vamos, representando a direita mais tradicional (que tem alternado no poder com o centro-esquerda). O seu lema é: "Chile, uma única equipa". É filha de um antigo membro da junta militar de Pinochet, o primeiro a admitir a derrota no plebiscito de 1988. É casada e tem três filhos.Johannes Kaiser (Partido Nacional Libertário) .O deputado de 49 anos, que se tornou famoso no YouTube, pode ser a surpresa na segunda volta. Promete "mão dura e economia livre" para o Chile, com a deportação em massa dos imigrantes ilegais e o fecho da fronteira com a Bolívia. A maioria das sondagens colocam-no em terceiro lugar, mas algumas dizem que poderá ficar em segundo este domingo (16 de novembro), à frente do antigo aliado Kast. Foi pelo Partido Republicano deste último que foi eleito deputado há quatro anos, acabando contudo por romper com ele – considera-o a "extrema-direita menos corajosa". Descendente de alemães que fugiram dos nazis, estudou tanto na Alemanha quanto na Áustria (não terá acabado nenhum dos cursos). É casado e tem três filhos (dois deles de anteriores relações).Outros Franco Parisi, conhecido como o "economista do povo", é o candidato do Partido da Gente. Tem 58 anos e foi terceiro nas eleições de 2021, apoiando Katz na segunda volta.O antigo deputado socialista Marco Enríquez-Ominami, de 52 anos, tenta chegar à presidência pela quinta vez, depois de já ter concorrido em 2009, 2013, 2017 e 2021. Ficou em terceiro nas duas primeiras tentativas.O secretário-geral do Partido Comunista Chileno (Ação Proletária), dissidente do Partido Comunista do Chile de Jara, também vai a votos novamente. Eduardo Artés, de 74 anos, já tentou em 2017 e 2021.O único estreante deste grupo é Harold Mayne-Nicholls, de 64 anos, antigo jornalista com uma história como dirigente desportivo (foi presidente da Federação de Futebol do Chile e da Associação Nacional de Futebol Profissional)..Chile pode eleger hoje primeiro Presidente próximo do ditador Pinochet