Como descreveria o Japão em meados do século XIX, quando os Tokugawa foram obrigados a abrir o país ao Ocidente, depois de dois séculos em que, reagindo à influência do cristianismo, praticamente se isolara do mundo?Portugal e Japão têm uma relação muito especial. Por volta de 1600, os comerciantes portugueses, e os missionários espanhóis, portugueses, italianos, etc, estavam muito presentes no Japão. Os japoneses pensavam que algumas destas pessoas tinham causado problemas, talvez interferindo na política ou convertendo pessoas ao cristianismo. Por isso, mesmo se não queriam isolar completamente o Japão - pois ainda mantinham comércio com a China, a Coreia e também com a Holanda -, queriam controlar as suas fronteiras, e conseguiram isso com bastante sucesso durante 250 anos. Assim, em meados do século XIX, não estavam muito bem informados sobre o que se passava na Europa e nos Estados Unidos. Quando os americanos chegaram, na década de 1850, algumas pessoas no Japão ficaram muito chocadas ao verem aqueles enormes navios a vapor. O Japão não possuía tecnologia a vapor. Existiam armas muito poderosas nos navios, na posse dos soldados americanos, e os japoneses também não possuíam armamento semelhante. Portanto, penso que aquele momento, em meados do século XIX, aquele momento de choque fez com que os samurais de mais alta patente do Japão se apercebessem da necessidade de uma mudança radical no país. Acredito que o choque sentido foi muito grave. Isto causou mesmo uma guerra civil no Japão na década de 1860, e os vencedores desta guerra foram jovens japoneses que queriam modernizar o país, obter tecnologia e armamento; portanto, foi um momento de enorme transformação para o Japão.Derrubados os Tokugawa, aconteceu a Revolução Meiji. A palavra revolução deve-se ao facto de ser uma mudança política, económica e também social; foi uma revolução em todos os sentidos?Sim, sim, acho que sim. Assim, no final do Período Meiji, quando o imperador Meiji morreu, em 1912, tinha havido uma revolução política, porque os samurais desapareceram, o governo passou a ser escolhido por japoneses comuns - apenas homens, nessa altura, e apenas se tivessem um determinado rendimento, mas ainda assim escolhidos democraticamente. Portanto, é uma revolução política. É uma revolução económica porque, em 1912, o Japão já negociava com o mundo todo. O Japão era uma potência industrial. Possuía fábricas, bancos, tribunais, correios e lojas. No final deste período, assemelhava-se muito mais à Europa e aos Estados Unidos. Portanto, acho que também houve uma revolução económica. E sim, houve uma revolução social, concordo consigo, porque nesse período, o Período Meiji, qualquer pessoa no Japão podia escolher o trabalho que queria fazer. Podiam obter uma educação. No passado, a maioria das pessoas não tinha acesso à Educação. Antigamente, se nascesse numa determinada aldeia, provavelmente ficaria por lá. Provavelmente não teria a oportunidade de viajar ou exercer uma profissão diferente. Estas coisas mudaram radicalmente no final do Período Meiji. Portanto, penso que, em todos os três aspetos, foi uma revolução, mas rapidamente acrescentaria que algumas pessoas também lhe chamaram restauração. O que eu acho que os líderes Meiji fizeram, de forma muito inteligente, foi iniciar uma revolução, mas divulgá-la como uma restauração, porque usaram o imperador como figura central para todas as suas ações, para que parecesse menos radical e menos assustadora para as pessoas.Durante o Período Meiji, houve um momento , 1905, em que o Japão derrotou a Rússia. Foi uma notícia incrível em todo o mundo, pois, de repente, um país asiático estava a derrotar uma grande potência europeia. Foi neste momento que o Japão descobriu que podia ser uma verdadeira potência no panorama mundial?Sim. Na verdade, acho que houve dois momentos importantes. Um deles foi 10 anos antes, em 1895, quando os japoneses ganharam a guerra contra a China. Para os japoneses, durante séculos, a China foi a irmã mais velha. Era o país que admiravam política e culturalmente. Por isso, derrotar a China numa guerra foi um momento histórico. Depois, como disse, 10 anos mais tarde, para o Japão, os países que realmente importavam eram todos os países Ocidentais, incluindo a Rússia. Derrotar a Rússia, uma potência imperial, numa guerra, foi um momento crucial. Penso que, para os japoneses, isto demonstrou que todos os esforços de modernização que tinham feito, tanto na economia como no Exército e na Marinha, tinham sido um sucesso. Porque a única forma de provar se as suas reformas, especialmente as militares, eram bem-sucedidas passava por ganhar uma guerra. E foi exatamente isso que aconteceu em 1905. E talvez, resumidamente, outra coisa que acho que aconteceu em 1905 foi que países como a Grã-Bretanha, que tinham interesse no Japão, mas talvez não o levassem tão a sério, de repente, depois de este derrotar a Rússia, uma potência europeia, também uma potência branca - porque naquela época a questão racial era muito importante -, países como a Grã-Bretanha passaram a levar o Japão muito mais a sério. . O Japão participou na Primeira Guerra Mundial, sendo aliado da Grã-Bretanha e da França. Mas, na década de 1930, tornou-se subitamente um país mais imperialista. E, por fim, aliou-se às Potências do Eixo, nomeadamente à Alemanha Nazi , e atacou os Estados Unidos em 1941 . Foi um erro de cálculo dos governantes japoneses nessa altura? É uma boa pergunta. Talvez a minha resposta tenha duas partes. Pode dizer-se que o Japão já era uma potência imperial muito antes disso. Em 1895, anexou Taiwan, depois de derrotar a China. E, no início do século XX, anexou a Coreia. Assim, pouco a pouco, o Japão foi-se tornando uma potência imperial. E os líderes japoneses do Período Meiji, como viam as grandes potências da época, como a Grã-Bretanha, a França e a Rússia, serem todas potências imperiais, desejavam o mesmo para o Japão. Portanto, era algo bastante normal essa ambição. Mas penso, tem razão, que algo diferente acontece nos anos 1930, que é o facto de os jovens japoneses em particular, e os jovens soldados japoneses ainda mais em particular, que não se lembram de que o Japão costumava ser um país fraco, estarem preocupados com a China e com a União Soviética. E querem que o Japão domine a Ásia Oriental, para garantir que a União Soviética e a China não representam uma ameaça para o Japão. E acho que são arrogantes. E acho que, além disso, são extremamente nacionalistas. E militares como aqueles conseguem gradualmente tomar o controlo do governo no Japão e da opinião pública, com a mensagem de que, a menos que o Japão se comporte de forma agressiva no Leste Asiático, correm o risco de serem intimidados por outros países. Penso que é essa a grande mudança que acontece na década de 1930 no Japão.Enfim, olhando para o passado, é óbvio que atacar Pearl Harbor foi um grande erro. Mas quando se observa a derrota do Japão na Segunda Guerra Mundial e a ocupação americana pós-1945, por vezes diz-se que foi uma espécie de ocupação benigna, porque possibilitou aos japoneses e aos americanos construírem uma aliança sólida que dura até hoje. Um dos segredos desta ocupação foi manter Hirohito, o imperador Showa, no poder formalmente?Sim, acho que é verdade. Porque havia alguns, entre os Aliados, que queriam levar o imperador a julgamento e talvez executá-lo como criminoso de guerra. Mas o que os americanos queriam do Japão era um aliado estável e fiável na Ásia Oriental. E estavam particularmente preocupados com a ascensão do comunismo, incluindo na China. Portanto, para que o Japão fosse um aliado estável, o imperador era muito importante como figura representativa e como símbolo. Penso que os americanos pensaram então, e concordo com eles, que se tivessem executado o imperador, seria muito mais difícil convencerem o povo japonês de que a ocupação era para benefício do Japão. Caso contrário, pareceria apenas um castigo e não um processo de reconstrução do Japão. Por isso, penso que foi uma política sensata por parte dos Estados Unidos. Este novo Japão pós-1945, a tornar-se uma sólida democracia, a reconstruir a economia com fulgor, foi algo surpreendente para si enquanto historiador?De certa forma, sim. Porque as histórias sobre a violência dos soldados japoneses durante a Segunda Guerra Mundial são tão assustadoras e perturbadoras que é surpreendente ver o Japão tornar-se subitamente tão pacífico e cooperante. E os historiadores, creio, têm sempre dificuldade em explicar isso. Uma explicação possível é que, no Japão, talvez de forma semelhante à Alemanha na Segunda Guerra Mundial, a liderança autoritária era tão forte que conseguiu controlar a população de forma eficaz. Assim, quando essa liderança cai, os verdadeiros desejos do povo podem finalmente vir ao de cima. E isto mesmo depois da guerra, quando tantos japoneses perderam familiares, perderam as suas casas, em bombardeamentos americanos. E também houve Hiroxima e Nagasáqui. O que as pessoas realmente queriam era paz e liberdade, e que o Japão não se envolvesse mais nos assuntos de outros países. Depois, do ponto de vista psicológico, torna-se possível compreender por que é que as pessoas no Japão aceitaram o pacifismo da forma como o fizeram. E no Japão agora, embora muitos japoneses estejam preocupados com a ascensão da China, ainda há uma parte muito forte da opinião pública que quer manter este pacifismo do pós-guerra.Houve, nos últimos anos, alguns momentos de crise com a China, e mais recentemente até, com a nova primeira-ministra, surgiu uma situação de crise bastante séria, em relação ao apoio a Taiwan num eventual conflito. O Japão considera a China uma ameaça real?Sim, penso que havia a esperança, talvez há uns dez anos, de que a China e o Japão pudessem ser não só fortes parceiros comerciais, o que de facto são, mas mais do que isso. A China e o Japão realizam atualmente cerca de 300 mil milhões de dólares em comércio bilateral anualmente. Portanto, existe uma relação económica muito importante. Mas, há uma década, creio que havia a expectativa de que a China e o Japão também pudessem ser parceiros políticos na Ásia Oriental, que quase pudessem governar a região em conjunto com os países mais pequenos. Acho que isso parece agora muito improvável. Creio que o que as pessoas no Japão pensam agora é que a China, por si só, irá controlar a Ásia. Talvez não como potência imperial, mas certamente com o seu poderio militar e económico a dominar o resto da Ásia. Assim, para a opinião pública no Japão, é cada vez mais aceitável que o Japão gaste mais em Defesa e que as forças de autodefesa japonesas tenham um pouco mais de liberdade sobre a forma como podem operar. E penso que foi isso que preocupou os chineses recentemente, quando a primeira-ministra Sanae Takaichi fez os seus comentários sobre Taiwan. Na China, não querem realmente que os japoneses deem qualquer tipo de apoio moral aos ativistas pró-independência em Taiwan. Querem, obviamente, que o Japão se mantenha afastado dos assuntos da China com Taiwan. Sim, penso que hoje no Japão, se observar a opinião pública e o apoio a Takaichi, as pessoas aceitam cada vez mais que o pacifismo ficou no passado, que já não é opção realista para o Japão. Não querem iniciar nenhuma guerra, mas querem ter a certeza de que podem enfrentar a China, se necessário.Vimos recentemente a visita de Donald Trump ao Japão e como se mostrou muito amigável com Takaichi. Esta aliança com os Estados Unidos ainda é essencial para a segurança do Japão?Definitivamente, sim. Acho interessante que o mentor político de Takaichi tenha sido Shinzo Abe, o primeiro-ministro japonês que ocupou o cargo durante um longo período e tinha uma ótima relação com Trump. Costumavam jogar golfe juntos, por exemplo. E é curioso que, quando Trump foi ao Japão, um dos presentes que Takaichi lhe deu foi um taco de golfe que era de Abe. Portanto, acho que a primeira-ministra quer mesmo manter essa relação com os Estados Unidos. A verdade é que os japoneses, por si só, não têm a tecnologia militar, nem um Exército suficientemente grande para se defenderem. Por isso, precisam que os Estados Unidos continuem interessados na Ásia Oriental. Isso está relacionado com a forma como Trump pensa que os japoneses precisam de contribuir mais para a sua própria defesa, gastando mais. Penso que os japoneses estão dispostos a fazê-lo, se necessário, mas precisam definitivamente que os americanos se mantenham por perto.Uma questão final, sobre o soft power japonês. Todas estas marcas, dos carros aos videojogos, passando pelo manga e pelo anime, são importantes para a visibilidade do Japão no mundo?Sim, definitivamente. Penso que se recuássemos até ao final da década de 1940 e início da década de 1950 e perguntássemos às pessoas, talvez na Grã-Bretanha ou nos Estados Unidos, sobre as suas impressões do Japão, elas diriam que eram bárbaros, cruéis e violentos, e talvez nem sequer tivessem alma. Isto porque as memórias de como era combater os japoneses na Birmânia ou no Pacífico eram muito presentes. Assim, penso que o soft power tem sido um grande sucesso para o Japão e, mais recentemente, também no turismo. Muitos britânicos vão ao Japão hoje em dia e regressam dizendo coisas como: “O Japão é um lugar pacífico, claro, e as pessoas são educadas. Preocupam-se umas com as outras mais do que as pessoas na Grã-Bretanha.” O soft power em termos de religião, templos, Quioto, é excelente, tudo alta cultura. E o soft power em termos de manga, anime, música e moda também é muito, muito forte. E curiosamente, penso que isto não acontece apenas no Ocidente, mas também na China. É interessante notar que, neste caso concreto com Takaichi, uma das medidas de resposta tomadas pelos dirigentes chineses foi o adiamento do lançamento de alguns filmes japoneses. Cancelaram também alguns concertos de música japonesa. Estão a tentar contrariar o soft power japonês na China, pois este soft power é uma das formas pelas quais o Japão conquista a simpatia dos chineses, o que é crucial, uma vez que o sistema educativo chinês é fortemente influenciado pela narrativa antijaponesa do passado. Até a indústria cinematográfica chinesa produz muitos filmes antijaponeses sobre a época da Segunda Guerra Mundial. Portanto, em termos de opinião pública chinesa, o soft power japonês é crucial. E espero bem que, uma vez resolvido os problemas com Takaichi, o soft power japonês na China possa ser restaurado. .Imperador japonês é historiador e conhece bem o que é Portugal.A “primeira” japonesa