A “primeira” japonesa

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As fotos de família das próximas cimeiras do G20 e do G7 vão ter uma presença feminina reforçada, pois o Japão tem agora Sanae Takaichi como primeira-ministra, a primeira mulher a ocupar o cargo. É importante sublinhar que a líder escolhida pelo PLD para suceder a Shigeru Ishiba, tanto na chefia do partido como no governo, é vista como uma governante na linha de Shinzo Abe, o antigo primeiro-ministro conhecido pela vontade de revolucionar a economia e rever o célebre artigo 9.º da Constituição, que limita as capacidades militares do Japão, um legado da derrota na Segunda Guerra Mundial. Várias vezes ministra, já em anteriores ocasiões Takaichi tinha tentado a liderança do grande partido conservador japonês, que governa quase sem interrupções desde há 70 anos.

A questão da presença feminina na foto de família nas grandes cimeiras não é de somenos, pois estamos ainda, em boa medida, na fase das “primeiras”. Giorgia Meloni é a primeira mulher a chefiar o governo italiano, Claudia Sheinbaum é a primeira presidente do México, e agora Takaishi é a primeira primeira-ministra do Japão. E, tendo em conta que a UE integra o G20, também Ursula von der Leyen é a primeira mulher a presidir à Comissão Europeia.

Claro que os casos de mulheres no primeiro plano político vão crescendo de ano para ano. Provavelmente, quando há mais de 30 anos escrevi pela primeira vez sobre mulheres na política, e ignorando as rainhas, referia Sirimavo Bandaranaike, no Sri Lanka, como a pioneira das chefes de governo (1960), e Estela Perón, na Argentina, como a primeira presidente (1973), depois lembrava a britânica Margaret Thatcher e a islandesa Vigdís Finnbogadóttir, também a israelita Golda Meir e a indiana Indira Gandhi. E certamente que alertei que várias destas mulheres, que se destacaram muitas vezes como governantes, tinham acedido ao poder por pertencerem a dinastias políticas, como Bandaranaike (viúva de um primeiro-ministro), Péron (viúva de um presidente de quem era a vice) ou Indira (filha de um primeiro-ministro). Golda e Thatcher, sem dúvida, eram então os casos em democracia mais meritórios de ascensão política no feminino.

Hoje um artigo sobre mulheres que foram chefes de Estado ou de governo pode referir imensos nomes, da alemã Angela Merkel à brasileira Dilma Rousseff, da paquistanesa Benazir Bhutto à indonésia Megawati Sukarnoputri (mais dois casos de herdeiras políticas), da irlandesa Mary Robinson à argentina Cristina Kirchner (foi primeira-dama antes de ser presidente), da turca Tansu Ciller à liberiana Ellen Johnson Sirleaf, da tunisina Najla Bouden à filipina Gloria Macapagal-Arroyo (também de uma dinastia política). Até se pode sublinhar que depois de Thatcher, o Reino Unido já teve mais duas primeiras-ministras, Theresa May e a efémera Liz Truss. E que a França, depois de Édith Cresson nos anos 1990 teve recentemente, nomeada por Emmanuel Macron, outra primeira-ministra, Élisabeth Borne, mas quem exerce verdadeiro poder é o presidente e até hoje nenhuma mulher foi capaz de conquistar o Palácio do Eliseu.

Países como os Estados Unidos nunca tiveram uma mulher presidente (Hillary Clinton em 2016 esteve quase, quase, mas Kamala Harris, em 2024, nem por isso) nem a Rússia, nem a China. Ainda está por noticiar a tal “primeira” nestes três gigantes. E Portugal, já agora, apesar de Maria de Lurdes Pintasilgo ter sido nomeada primeira-ministra pelo presidente Ramalho Eanes no final dos anos 1970 (foi logo a seguir a Thatcher chegar ao poder), nunca esteve perto de eleger uma mulher presidente ou primeira-ministra.

E por falar em eleições, é esse agora o grande teste que falta a Takaichi. Mas antes destas acontecerem, a nova primeira-ministra terá de unir o partido, garantir estabilidade na governação e devolver o dinamismo a um país que continua a ser uma das grandes economias mundiais. Mas já fez história. O Japão já tem a sua “primeira”.

Diretor adjunto do Diário de Notícias

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