A minha primeira pergunta é sobre a Polónia. Sei que é também cidadã polaca. E que é casada com o ministro dos Negócios Estrangeiros polaco, que ainda recentemente proferiu duras palavras contra a Rússia . Porque é que a Polónia está hoje tão preocupada com a Rússia? É por causa de uma longa história de conflitos ou é efetivamente por causa do presente?Ambos. A Polónia tem a experiência de ser ocupada pelos russos. Na verdade, a ocupação russa da Polónia após a Segunda Guerra Mundial foi muito semelhante à ocupação russa da Ucrânia de hoje. Escrevi sobre esta ocupação num livro. E muitas das táticas eram as mesmas. Sabe, o uso de campos de concentração, deportação, pressão política, tomada de escolas e universidades. Tudo o que foi feito na Polónia em 1944 e 1945 está a acontecer agora na Ucrânia. E, portanto, os polacos têm essa memória, e é suficientemente recente, da ocupação russa, da ocupação soviética, mas era de língua russa. E podem ver agora a mesma coisa a acontecer na Ucrânia. E, claro, a Polónia também tem uma história, uma tradição e uma relação muito antiga e longa com a Ucrânia. Por isso, os polacos compreendem muito bem a equação da Ucrânia como precursora de uma invasão da Polónia. Perceberam que isso poderia acontecer. Mas não são os únicos na Europa que perceberam isso.Quando olhamos para a Polónia nos anos recentes, o aumento do orçamento militar é impressionante. Também nos Países Bálticos isso acontece. Estes países estão a reagir contra a Rússia, gastando muito dinheiro para se defenderem, mas, ao mesmo tempo, esperam sobretudo atrair a simpatia dos EUA em caso de agressão? É importante que enviem uma mensagem aos EUA? De que estão preocupados com a Rússia e investem em defesa?Talvez isso faça parte do cálculo, mas uma parte mais importante do cálculo é que pensam que podem precisar de usar essas armas. Não estão apenas a comprar armas para mostrar que estão a gastar dinheiro. Estão a fazer isso porque talvez precisem de se defender. E devo dizer que, além da Polónia e dos Bálticos, há outros países que estão também fazer isso de forma séria e importante, veja-se os países escandinavos, a Suécia, a Dinamarca, a Noruega, veja-se também a Finlândia. São países que entendem que a Rússia está próxima e que a Rússia já tem vindo a fazer guerra híbrida dentro das suas fronteiras. Na Polónia, tivemos um ataque incendiário que sabemos ter sido levado a cabo por agentes russos. Os países bálticos já sofreram múltiplas incursões no seu espaço aéreo ou diferentes tipos de sabotagem. A Escandinávia também. E, portanto, entendem que isso representa uma ameaça real. Portanto, não é para exibição, não é uma performance, é real.Referiu os países escandinavos, os nórdicos em geral. Para si, foi uma surpresa quando a Suécia e a Finlândia se candidataram a membros da NATO após tantos anos de neutralidade?Não fiquei nada surpreendida. Penso que, para países como estes, a guerra na Ucrânia foi um verdadeiro ponto de viragem. Compreenderam que a guerra na Ucrânia significava que os russos estavam a levar a sério a invasão de vizinhos. E lembre-se, a Finlândia é vizinha da Rússia. Tem uma longa fronteira com a Rússia. E existe também uma fronteira da Noruega com a Rússia. E todos partilham o Mar Báltico com a Rússia, pelo que a consideram uma ameaça real.Três anos após o início desta guerra na Ucrânia, os ucranianos ainda resistem. E para muitas pessoas, é realmente uma surpresa como conseguem lutar contra esta grande potência que continua a ser a Rússia. Mas, ao mesmo tempo, é difícil imaginar um futuro de paz sem algum tipo de cedência à Rússia. Será ainda possível uma vitória total da Ucrânia, dependendo do apoio dos EUA e da Europa?Penso que ainda é possível imaginar uma vitória da Ucrânia. E, mais importante, lembre-se: a Rússia perde guerras. A Rússia perdeu a Guerra da Crimeia. A Rússia perdeu a Guerra do Japão em 1905. A Rússia perdeu efetivamente a Primeira Guerra Mundial. A Rússia perdeu a guerra contra a Polónia em 1920, a Guerra Polaco-Bolchevique. A Rússia perdeu a Guerra Fria. A Rússia perdeu a Guerra no Afeganistão. Perde frequentemente guerras, e muitas vezes, quando perde guerras, há uma mudança política depois. Por isso, as mudanças políticas na Rússia acontecem quase sempre por causa das derrotas militares. Por isso, é bem provável, de facto, que, a dada altura, esta guerra se torne demasiado para Moscovo. Dirão: “por que estamos a lutar? Já tivemos um milhão de mortos ou feridos. Estamos a perder milhões de dólares todos os anos e não estamos a ganhar”. E finalmente a guerra tornar-se-á insustentável.Um dos seus livros anteriores, com o título A Cortina de Ferro, é sobre a presença soviética na Europa de Leste após a Segunda Guerra Mundial. Como explica que alguns dos antigos países dessa Cortina de Ferro, como a Hungria, demonstrem algum tipo de simpatia pela Rússia? Ou é mais pragmatismo do que simpatia?Acho que é mais corrupção do que simpatia. Viktor Orbán, em particular, decidiu a dada altura que, devido ao seu comportamento e outros motivos, receberia menos dinheiro da União Europeia e começaria a procurar outras fontes de recursos. Isto é, financiamento para o seu partido e para os oligarcas que dependem do Estado húngaro. Portanto, acho que é mais influenciado pelo dinheiro do que por outra coisa. E, já agora, é cada vez menos popular na Hungria. É uma das razões pelas quais ele é impopular. Acho que os húngaros se sentem desconfortáveis com esta relação..Acha que é também algum tipo de influência russa que está a tentar afetar, por exemplo, a política romena?Claro. Os russos interessam-se pela política de todos os países. Não são necessariamente os influenciadores mais importantes na política, mas certamente vão a jogo em todo o lado. Apoiam partidos de extrema-esquerda. Apoiam partidos de extrema-direita. Apoiam movimentos separatistas. Por vezes, fazem-no com guerra de informação. Por vezes, usam dinheiro. Por vezes, têm formas de manipular. Normalmente têm mais do que uma tática. E também têm influência económica. Tentam usar a sua indústria de petróleo e gás também como forma de obter influência política. Mas sobretudo pensam muito sobre como moldar narrativas e como moldar o debate político noutros países.Sobre a Rússia, quando olha para Vladimir Putin, ele é apenas mais um líder na lógica dos líderes soviéticos, ou é um tipo de líder realmente novo, misturando algumas tradições czaristas com a experiência soviética que tem?O mais importante nele é que ele é diferente. Mais uma vez, a grande diferença entre ele e os líderes soviéticos é o seu interesse pelo dinheiro, pela riqueza, pelos seus palácios e por tudo o resto. E a rede de pessoas ricas que construiu à sua volta. É bastante diferente de como a União Soviética era governada, porque ele tem interesses diferentes no mundo. Portanto, trata-se de cleptocracias, e não dos antigos sistemas comunistas totalitários. E isso, creio, torna-os bastante diferentes. É verdade, no entanto, que os militares russos, e em particular o Ministério do Interior russo, conhecem a sua própria história e as tácticas que utilizaram no passado, e estão a utilizá-las novamente. Portanto, mais uma vez, a ocupação dos territórios na Ucrânia está a ser conduzida exatamente da mesma forma que os territórios ocupados na Polónia estavam a ser conduzidos em 1945. Portanto, eles têm um manual. Sabem o que é uma ocupação. Sabem o que é uma mudança de regime. Eles sabem como fazê-la. E estão a fazer muitas das mesmas coisas. Portanto, nesse sentido, há uma ligação com o passado. Mas também é importante compreender as diferenças entre o regime e o passado.O seu livro mais recente é sobre autocracia. Mas há razão para acreditar que a Rússia será sempre um regime autocrático? É possível imaginar a sociedade russa a lutar por uma democracia de tipo ocidental?Não há nenhuma razão genética para que a Rússia tenha de ser uma ditadura. E há uma longa tradição de dissidência, incluindo a dissidência liberal, na Rússia. E, sabe, pode muito bem chegar um momento em que os russos se virem para os seus dissidentes e tentem mais uma vez ser uma sociedade mais aberta. Acho que é perfeitamente possível.Concorda quando as pessoas dizem que a popularidade de Putin se deve aos anos Ieltsin, quando a Rússia era mais democrática, mas também era vista como uma potência fraca? Há algumas más recordações desses tempos mais liberais dos anos 90 que justificam o apoio dos russos ao presidente Putin?O verdadeiro problema não era a Rússia ser fraca. O verdadeiro problema era que, nos anos 90, a Rússia estava a recuperar da catástrofe da economia soviética. E foi uma época de grande desorganização e confusão. E muitas pessoas perderam estatuto ou perderam dinheiro. E a ascensão de Putin, em primeiro lugar, coincidiu com a subida dos preços do petróleo. E coincidiu também com o crescimento e a estabilização da economia. E depois, sabe, quando as pessoas se lembram dos anos 90, lembram-se mais deste caos económico, penso eu, mais do que de qualquer outra coisa.Insistindo no tema das autocracias no seu último livro, a China é uma autocracia. E é aliada da Rússia, outra autocracia identificada no Autocracia, Inc. Mas, quando olhamos para a história, estas duas potências, as grandes potências da Eurásia, é mesmo possível que sejam verdadeiras parceiras ou estão condenadas a competir entre si?Elas são concorrentes. Quer dizer, é evidente que são concorrentes. E é claro que há coisas em que não estão de acordo. E há um facto interessante: nos mapas chineses, recentemente, mudaram o nome de Vladivostok para o antigo nome chinês, porque era um porto chinês no início do século XIX. Se eu fosse russo a viver em Vladivostok, estaria preocupado com isso. Quer dizer, têm conflitos territoriais. Têm muitas, muitas coisas com as quais poderiam discordar. E, claro, a China é agora uma economia muito maior e mais importante do que a Rússia. A Rússia é muito dependente da China. Mesmo assim pode ver que há espaço para o conflito. Quando escrevi sobre autocracia, não quis dizer que se trata de uma aliança, que se assemelha a uma aliança como a União Europeia, países com ideologias e ideias semelhantes a trabalharem juntos em amizade. Não, não é nada disso. São países que trabalham em conjunto com base nos seus interesses. E, neste momento, o interesse deles é que estejam alinhados. Mas pode, claro, imaginar uma época em que isso não aconteceria.Quando olhamos para os EUA como tradicionais aliados da Europa, acha que Donald Trump está mesmo a mudar a equação ou os laços transatlânticos são realmente fortes e não dependem de um momento presidencial, de dado presidente?Deixe-me dizer algo ambíguo. Por um lado, sim, acho que ele mudou algumas coisas para sempre. E não creio que algum dia regressemos a um mundo em que a Europa e a América confiem uma na outra como confiaram durante muito tempo. Trump demonstrou que há uma parte importante da sociedade americana que não gosta ou não se preocupa com a Europa. Demonstrou que é possível reunir uma equipa de diplomatas e membros da administração que não gostam da Europa. Se observar as coisas que o seu vice-presidente ou o seu secretário da Defesa disseram, isso é bastante claro. Está aliado a empresas tecnológicas que possivelmente estão interessadas em mudar a política europeia, e estão certamente interessadas em utilizar todo o poder político que possuem para impedir qualquer tipo de regulação. E, portanto, estas são coisas permanentes agora. Estes elementos da estrutura política americana estarão sempre lá. E é muito importante que os europeus compreendam isso. Isto é diferente. Os europeus precisam de pensar sobre que tipo de tecnologia querem, que tipo de redes sociais europeias querem, que tipo de tecnologia europeia querem. Precisam de refletir sobre que tipo de segurança europeia querem e quais são os interesses económicos da Europa. E quanto mais a Europa o conseguir fazer, mais bem-sucedida será. É claro que existem laços profundos. Há laços profundos a nível militar. Existem laços profundos a nível económico e a nível pessoal. Tudo isto continuará a existir e podemos esperar que, talvez no futuro, um presidente americano diferente tenha uma atitude diferente. Mas os europeus já foram avisados duas vezes de que há uma parte muito importante da América que já não os considera aliados. E quanto mais cedo todos se habituarem a isso e começarem a aceitar, melhor para todos.