Na manhã de 7 de janeiro de 2015, a redação do jornal satírico Charlie Hebdo, em Paris, foi invadida pelos irmãos Chérif e Said Kouachi. Procuravam o diretor, Charb, para o matar, cumprindo o desígnio da Al-Qaeda da Península Arábica. A operação terrorista saldou-se na morte de 12 pessoas, entre os quais cinco cartoonistas e dois polícias, e 11 feridos. Nos dois dias seguintes, um associado dos Kouachi, Amedy Coulibaly, mata uma polícia municipal e depois quatro homens judeus num supermercado. Era o início de um annus horribilis de atentados de inspiração islamista. Dez anos depois, a França volta a prestar homenagem às vítimas, com Emmanuel Macron a insistir na construção de um museu do terrorismo, e o governo a concluir que a ameaça terrorista se mantém tão atual como antes.As famílias das vítimas desejavam uma cerimónia sóbria e a vontade foi cumprida. Coroas de flores foram depositadas junto à antiga redação, ao local onde o tenente Ahmed Merabet foi alvejado, e junto do supermercado Hypercacher, ao que se seguiu um minuto de silêncio, o toque de corneta fúnebre e o hino francês. “É um momento doloroso. Nem sequer sei se já comecei o meu luto, talvez o esteja a começar hoje”, disse a filha do cartoonista Wolinski, Elsa, à France 2. O chefe de Estado francês esteve nos locais ao lado da presidente da Câmara de Paris, Anne Hidalgo, tendo também participado o novo primeiro-ministro François Bayrou e grande parte dos governantes, eleitos parisienses e o presidente à época, François Hollande. .“Tenho também presente uma imagem, a dos sobreviventes que encontrei nas horas que se seguiram e que me disseram apenas uma coisa: que os terroristas não iriam ganhar.”François Hollande. “Nunca mais me esqueci dessas imagens”, disse Hollande ao recordar-se da visita que fez ao local, em entrevista à rádio pública ici (ex-France Bleu). “Tenho também presente uma imagem, a dos sobreviventes que encontrei nas horas que se seguiram e que me disseram apenas uma coisa: que os terroristas não iriam ganhar.” Hollande preocupava-se, à época, com um possível recuo na liberdade de expressão e do laicismo, pedra angular na república francesa. Mas as ruas de Paris receberam no dia 11 de janeiro quatro milhões de pessoas, incluindo de chefes de governo e de Estado sob o lema Je suis Charlie (eu sou Charlie), “um choque e um sobressalto” que o antigo presidente francês exalta. A edição seguinte do semanário, com uma tiragem de oito milhões de exemplares, ficou para a história: sob o título “Tudo é perdoado”, uma imagem de Maomé a empunhar um cartaz com a mensagem Je suis Charlie. Dez anos volvidos, Hollande denuncia “uma espécie de aceitação da situação”, referência aos atentados que se sucederam e ao medo instalado na sociedade. “Isso não é um bom sinal”, afirmou, tendo apelado para que “não se ceda a estas forças fanáticas”..Von der Leyen pede luta incansável contra terrorismo nos 10 anos dos atentados contra o Charlie Hebdo. O ministro do Interior, Bruno Retailleau, face aos recentes atentados por atropelamento em Magdeburgo (Alemanha) e Nova Orleães (EUA), enviou na segunda-feira uma circular às chefias da polícia para reforçarem a segurança dos “grandes ajuntamentos”. Em entrevista ao Le Parisien, o ministro recorda que é graças aos serviços de segurança que não se regista tantos atentados islamistas como em 2015 (em novembro daquele ano deram-se os ataques em vários pontos de Paris) e em 2016 (entre outros, o atropelamento em Nice). Só no ano passado, disse Retailleau, foram evitados nove atentados, “três dos quais em específico nos Jogos Olímpicos”. Em conclusão, “a batalha contra o totalitarismo islâmico está longe de estar vencida”, tendo deixado a advertência: “É evidente que amanhã a França pode ser novamente atingida.”.76%Percentagem de franceses que considera a liberdade de expressão e de caricaturar um direito fundamental.. O último ataque islamista em solo europeu decorreu em outubro de 2023, em Bruxelas, quando um atirador leal ao Estado Islâmico matou dois cidadãos suecos. Para o especialista em islamismo Lorenzo Vidino, diretor do Programa sobre Extremismo na Universidade George Washington, a questão não é se mas quando se dará um novo atentado, ao lembrar que o Estado Islâmico e a Al-Qaeda têm lançado ameaças contra a Europa devido à guerra em Gaza. “Não há dúvida de que o Estado Islâmico tem a capacidade e a intenção de efetuar ataques na Europa”, disse à Euronews.Silencioso como a cerimónia exigia, Emmanuel Macron fez saber pelos meios de comunicação que o Museu-Memorial do Terrorismo, projeto anunciado por si em 2018, e abandonado pelo anterior primeiro-ministro, Michel Barnier, devido aos seus custos (95 milhões de euros), vai ser retomado. As associações de vítimas mostraram-se indignadas com a decisão de Barnier, contudo esta foi vista com agrado pelos dirigentes de instituições ligadas à resistência ao nazismo e ao Holocausto: é que no local escolhido, o forte de Mont-Valérien, a oeste de Paris, tropas alemãs executaram resistentes à ocupação e teme-se que o memorial ao terrorismo apague aquela história da II Guerra Mundial.Se a decisão de Macron for concretizada, o museu -- a funcionar em parceria com outros similares -- irá abrir em 2027 .Três quartos pelo direito à caricatura Está na capa do mais recente número do Charlie Hebdo e não é piada: 76% dos franceses consideram a liberdade de expressão, incluindo a caricatura, uma liberdade fundamental, quando em 2012 o o número se fixava em 58%. Além disso, então 47% dizia que o semanário satírico não devia publicar caricaturas de Maomé, quando hoje só 24% o defende. A lei francesa de 1881 sobre a liberdade de imprensa (que permite a crítica e a sátira das religiões) tem hoje 62% de apoiantes, contra 50% em 2012. Refira-se que 59% dos inquiridos diz ter lido artigos ou desenhos do Charlie Hebdo no último ano (apesar de as vendas em quiosque terem caído para uma média de 20 mil cópias). Estes dados resultam de uma sondagem da Fundação Jean-Jaurés com a empresa de sondagens Ifop.