Depois de em novembro ter sido condenada à morte, à revelia, por um tribunal do Bangladesh por crimes contra a Humanidade por ter ordenado a repressão violenta dos protestos liderados por estudantes em 2024, que levariam à fuga para a Índia após 15 anos no poder, os cinco anos de prisão a que um juiz agora condenou Sheikh Hasina por corrupção podem parecer coisa de somenos. Mas o mais surpreendente talvez seja que entre as 16 outras pessoas condenadas no caso da atribuição fraudulenta de um terreno num projeto do governo se encontre uma deputada britânica. Tulip Siddiq representa a circunscrição de Hampstead e Kilburn no Parlamento britânico desde 2015. Mas a deputada trabalhista é também sobrinha de Sheikh Hasina e, portanto, neta de Sheikh Mujibur Rahman, fundador do Bangladesh e seu primeiro presidente. Nascida em 1982 em Londres, onde os pais, a também política Sheikh Rehana, irmã de Hasina, e o académico Shafique Ahmed Siddique se conheceram, Tulip Siddiq foi condenada por ter procurado influenciar a tia a atribuir o tal terreno à sua família. Além do tempo de prisão, o juiz do tribunal de Daca também multou as três principais arguidas - Rehana (condenada a sete anos), Hasina e Tulip - a pagar 813 dólares cada uma e ordenou o cancelamento da atribuição do lote a Rehana. A acusação pedia prisão perpétua para as três e admite recorrer. Para Tulip Siddiq, a sentença foi “profundamente injusta”. A deputada sempre negou as acusações e considerou o processo como “falhado e ridículo do início ao fim”. Siddiq garantiu à BBC não ter recebido “qualquer intimação, não há qualquer acusação formal, não recebi qualquer correspondência sobre elas - não sou difícil de encontrar, sou uma parlamentar.”. Tendo contratado advogados tanto no Reino Unido como no Bangladesh, Siddiq afirmou que nunca pediu um passaporte ou cartão de identidade do Bangladesh e que os documentos publicados pelas autoridades em Daca eram falsos. “Sinto-me como se estivesse num pesadelo kafkiano”, acrescentou, lamentando que “a única razão pela qual sei que estou a ser condenada é porque o li nos jornais.” E denunciou um julgamento pelos media. Esta não é a primeira vez que a relação com a tia causa problemas a Tulip Siddiq. Apesar de ter nascido em Londres e de garantir que apenas teve o passaporte do Bangladesh - a que tem direito por ambos os pais serem de lá - até aos 18 anos, não tendo pedido a renovação, Siddiq sempre foi próxima da tia nos anos em que esta esteve no poder pela segunda vez, de 2009 a 2024 (já fora primeira-ministra uma primeira vez entre 1996 e 2001). E em 2013 esteve mesmo presente em Moscovo quando a tia assinou um acordo nuclear com Vladimir Putin. Siddiq garantiu que estava a fazer turismo e que apenas compareceu “socialmente”. Em janeiro, Siddiq acabou por se demitir de secretária de Estado das Finanças devido às suas ligações financeiras com a tia. A deputada foi alvo de uma investigação de Laurie Magnus, conselheiro para as normas ministeriais, sobre o uso de propriedades que lhe foram concedidas a ela e à sua família por apoiantes do regime de Hasina. Magnus considerou que Siddiq não infringiu nenhuma regra ao usar as casas e não encontrou nenhuma evidência que sugerisse que os bens tivessem sido obtidos por meios ilegítimos. Mas acrescentou ser “lamentável que não estivesse mais atenta aos riscos potenciais à sua reputação” decorrentes dos seus laços familiares e da sua função no governo. Siddiq acabou por ceder à pressão e demitir-se de secretária de Estado. Apesar de denunciar esta sentença e outras contra a tia como perseguição política da parte do atual governo do Bangladesh, liderado pelo prémio Nobel da Paz Mohammed Yunus, Siddiq dificilmente pode negar as ligações à Liga Awami, o partido de que o avô foi um dos fundadores e a que Hasina pertence. No início dos anos 2000, enquanto fazia campanha para ser eleita pela circunscrição de Camden, Siddiq trabalhou para a Liga Awami e até apareceu na BBC como porta-voz do partido da tia. E depois do regresso de Hasina ao poder no Bangladesh, a carreira de Siddiq descolou no Reino Unido. Foi eleita vereadora de Camden em 2010 e depois deputada por Hampstead e Kilburn em 2015. Mas, segundo a Spectator, continuou a discursar em comícios da Liga Awami enquanto servia como deputada britânica.Apesar da condenação no Bangladesh, a probabilidade de Siddiq ser extraditada é mínima, uma vez que não existe acordo nesse sentido entre os dois países. Mas não só não poderá viajar para o país natal dos pais como pode ver afetadas eventuais viagens a países aliados de Bangladesh. Já para não falar no dano que faz à sua imagem pública..Sheikh Hasina, a "dama de ferro" do Bangladesh que não resistiu à ira popular