Contrariar o isolamento e a solidão dos mais velhos. Covid só aumentou o desafio

Com uma das populações mais envelhecidas do mundo, Portugal enfrenta o desafio extra de, em tempos incertos, lhes proporcionar ocupações. E esperança.

Em plena segunda vaga de casos de infeção com covid-19 em Portugal e na Europa, as autoridades sanitárias e políticas tentam encontrar uma via entre medidas drásticas como as vividas entre março e maio e um laxismo que alguns, poucos, dirigentes internacionais e adeptos de teorias da conspiração defendem. Com mais ou menos restrições, a vida social e familiar dos indivíduos vai continuar afetada, formando mais uma camada de preocupação, a ponto de já ter sido identificada a "fadiga da pandemia" por parte dos psicólogos.

"A perspetiva de que não existe uma solução a curto prazo, que já estivemos tantos meses de constrangimentos nas nossas vidas e que vamos ter um futuro semelhante, deixa-nos a todos muito saturados", reconhece Renata Benavente, psicóloga clínica e membro da direção da Ordem dos Psicólogos Portugueses.

O que é um problema universal torna-se mais agudo entre os idosos. Estão no grupo de maior risco de saúde física, mas a perda de meses sem vida social ativa colocam-nos igualmente na linha da frente do grupo de risco de saúde psicológica. Conscientes dos efeitos negativos do isolamento e da solidão para a saúde, e de que o "impacto é maior entre os cidadãos seniores", a Ordem dos Psicólogos Portugueses alerta para a importância do combate àqueles estados.

Os "processos demenciais", por exemplo, estão associados à solidão, e são "uma patologia que tem vindo a aumentar".

"A população idosa, estando em situação que não implica atividade laboral, está por essa via com menos oportunidades de ter contactos sociais. Há que estimular as relações e reduzir os sentimentos de solidão por outras vias", diz Renata Benavente, salientando a relevância das universidades seniores. No entanto, dada a pandemia, urge procurar alternativas.

"As pessoas idosas devem tentar converter este tempo sem grande ocupação em algo positivo e que lhes dê satisfação. Cada um irá encontrar as atividades que para si têm significado. Para uns pode ser ler um livro ou ver um filme, para outros pode ser iniciar uma atividade de artesanato ou pintar, por exemplo. Evitar o aborrecimento, estimular a motricidade e produzir algo, um quadro que foi pintado ou um objeto que foi construído pode ter um significado importante", nota. Isto sem descurar o exercício físico e a alimentação correta.

Entre os grupos seniores, há que distinguir os que levavam até agora uma vida muito ativa e os que já estão mais dependentes. No primeiro caso, não são poucos os que prestavam apoio às famílias nos cuidados aos netos e que agora deixaram de o fazer ou estão na iminência. "Estas rotinas, este apoio trazia um significado grande às suas vidas. E perder isto é doloroso", comenta a psicóloga e docente.

A uns grupos e a outros, dada a exigência da minimização de contactos presenciais, é premente "um trabalho de literacia digital junto das pessoas idosas", mas "também dos profissionais que deles cuidam".

Aos familiares de quem está em lares e residências assistidas, urge "reforçar os contactos" por parte da família alargada para contrariar a solidão e o sentimento de abandono, "um aspeto muito preocupante e muito negativo".

"Um dos principais conselhos é manter a esperança", diz, dirigindo-se aos mais velhos. "Já viveram outras situações difíceis nas suas vidas, de perdas, de dificuldades, e portanto pensem que esta será uma dificuldade diferente de todas as outras, com as suas especificidades, mas que será possível manter o sentimento de esperança. É muito importante", sublinha. Para quem não vive no mesmo agregado, há que reforçar os laços familiares. "Ainda que sem a presença física direta, é possível receber um vídeo de um neto a fazer uma coisa engraçada, é possível contactar com os filhos, as noras, os genros, que também estarão a sofrer pelo facto de não poderem estar juntos."

E com o Natal no horizonte, uma "época com uma carga simbólica muito forte", não se antevê o reencontro das famílias alargadas. "Para as pessoas idosas a residir em instituições poderá ser mais difícil", diz, uma vez que provavelmente não terão a oportunidade de se deslocarem a casa dos familiares. "A única hipótese de minimizar o sofrimento dessas pessoas será as instituições replicarem um pouco o espírito da família", alvitra.

Mais Notícias

Outros Conteúdos GMG