O prolongamento em cerca de três semanas, quando comparado com os outros ciclos de ensino não sujeitos a exame (5.º, 6.º, 7.º, 8.º e 10.º anos), do calendário escolar do 1.º ciclo e do pré-escolar, até 30 de junho, voltou a fazer surgir a contestação ao calendário das escolas quando se inicia o ano letivo 2025/26 e que se manterá até 2028.Foi no ano letivo 2020/2021 que os mais pequenos viram o seu tempo escolar estender-se devido à pandemia de COVID-19, com um despacho que adicionou aulas na pausa de Carnaval, nas férias da Páscoa e que prolongou o seu fim até 8 de julho. Desde então, mantiveram-se como os últimos alunos a entrar nas “férias de verão”. E vão continuar a ser porque o calendário aprovado em 2024 é para manter quatro anos. O Ministério da Educação, Ciência e Inovação (MECI) justificou a decisão dizendo poder, desta forma, dar previsibilidade e permitir às escolas e às famílias organizarem-se antecipadamente. “Não concordo com a medida, como não concordei, mesmo no tempo da pandemia. À época, o prolongamento do calendário deveu-se, diziam, à recuperação das aprendizagens. Só por si a medida revela um enorme desfasamento da realidade, quer das escolas portuguesas quer das necessidades das crianças dessa idade. No entanto, a medida foi aceite”, recorda ao DN Alberto Veronesi, professor de 1.º ciclo e diretor do Agrupamento de Escolas de Santa Maria dos Olivais, Lisboa. O responsável critica a manutenção de uma decisão avançada como provisória em 2021 que, entretanto, se transformou em “regra”, sem a existência de “uma análise mais aprofundada sobre os prós e os contras de manter as crianças mais novas do sistema educativo na escola até tão tarde”. “Do que sei, não há evidência científica que suporte a medida, pelo que o não quererem recuar deve-se, sobretudo, ao facto da falência do estado social. Para muitas famílias, a escola funciona como um local de cuidados e supervisão, independentemente das aprendizagens”, afirma. O diretor escolar acredita tratar-se da “única solução para os pais continuarem a trabalhar”, isto porque, “as alternativas são residuais ou demasiado dispendiosas”. “Só vejo que possa ser isso, porque questões pedagógicas, considerando o clima português e as condições da maioria das escolas em Portugal, não pode ser”, conclui. Alberto Veronesi, o impacto desse prolongamento é nefasto para as crianças e tem “um impacto direto no processo de ensino-aprendizagem”, em idades em que os alunos “possuem uma capacidade de atenção mais limitada e são mais suscetíveis à fadiga mental e física”. “O cérebro infantil, ainda em desenvolvimento, não consegue processar e reter informação de forma eficiente quando está exausto. É assim que os alunos, já para não falar dos professores, chegam a esse período do ano letivo. Esse prolongamento não acrescenta valor a ninguém, nem alunos, nem professores”, garante. Opinião partilhada por Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP). O responsável não encontra justificação para o prolongamento do ano letivo do 1.º ciclo e afirma não haver vantagens pedagógicas na medida. “É um tempo desperdiçado e que nada acrescenta ao percurso escolar dos alunos”, salienta. O representante dos diretores apela à revisão do calendário escolar que, diz, devia ser idêntico ao do 2.º ciclo.Crianças com irmãos mais velhos ‘sofrem mais’Filinto Lima lamenta ainda as dificuldades na dinâmica familiar provocadas pelos calendários desfasados, “com as famílias a ter de gerir uns filhos em casa e outros nas escolas, bem como irmãos mais novos que vêm os mais velhos sem escola quando eles têm ainda de ir”. Será precisamente esta a situação dos filhos de Joana Gonçalves, mãe de dois meninos (um no pré-escolar e outro no 1.º ciclo) e uma menina que entra este ano no 2.º ciclo. Tiago Freitas, de 5 anos, e João Freitas, de 9, vão terminar o ano letivo a 30 de junho. Já a pequena Maria Freitas, a 12 de junho. “Será ainda mais difícil conseguir que as crianças mais pequenas vão para a escola com entusiasmo”, confessa. A encarregada de educação também não tem dúvidas da falta de aproveitamento escolar efetivo nas últimas semanas de junho. “O prolongamento do ano letivo nestas idades é contraproducente, as crianças chegam a esta fase do ano muito cansadas. Poderia fazer sentido prolongar o ano letivo, mas com atividades não letivas, que estimulassem outras valências igualmente importantes, como atividade física e a componente emocional”, frisa. A experiência dos anos anteriores é a prova de que “em termos de aprendizagem” não há benefícios. “As crianças estão demasiado cansadas para conseguirem adquirir conhecimentos. Os momentos de avaliação (testes) nesta altura do ano são, no caso dos meus filhos, verdadeiros momentos de tortura”, conclui. Uma “tortura” na reta final de um ano letivo que o psicólogo (do ramo educacional), Alfredo Leite, diz ser a “inversão da lógica do desenvolvimento humano”. “Quanto mais nova é a criança, maior a necessidade de tempo para assimilar o que aprendeu e recuperar forças. O que se vê nessas últimas semanas é sobretudo gestão de birras, desmotivação e inquietação. Em vez de consolidar aprendizagens, os professores gastam energia para segurar a atenção de alunos que já desligaram”, explica. Para o especialista, “o que estas idades precisam no verão não é de mais fichas nem de testes, mas de movimento, natureza, criatividade e convivência”. “Porque não transformar esse tempo em semanas de projetos, oficinas de artes, leitura ao ar livre, jogos de grupo e contacto com a comunidade?”, questiona. Isso, sublinha, “permitiria às famílias manter um espaço seguro para os filhos, sem forçar os professores a insistir em conteúdos quando já não há capacidade de absorção”. Alfredo Leite alerta ainda para as consequências emocionais para as crianças com irmãos mais velhos, a gozar um período de férias mais cedo”. “A sensação de injustiça não só mina a motivação como cria uma associação negativa com a escola. Pequenas diferenças como estas pesam muito no olhar que a criança constrói sobre o aprender”, afirma.“Autarquias devem assumir um papel central”A Missão Escola Pública (MEP) – um movimento apartidário de professores – quer o término da manutenção do calendário escolar do 1.º ciclo até ao final de junho já este ano letivo. Cristina Mota, porta-voz da MEP diz tratar-se do “perpetuar uma situação insustentável” com “milhares de crianças e professores permanecem em salas de aula que, em algumas regiões do país, chegam a atingir temperaturas de 40 graus”. E para que as famílias não enfrentem dificuldades na gestão da vida familiar e laboral, Cristina Mota pede para que seja assegurado “um conjunto de atividades orientadas por técnicos diplomados, garantindo que as crianças têm respostas educativas e culturais de qualidade durante esse período”. “É neste ponto que as autarquias devem assumir um papel central. Todos os municípios dispõem de equipamentos e recursos – instalações desportivas, piscinas, teatros, museus, transportes – que podem ser mobilizados para atividades de caráter lúdico-pedagógico. Os professores, pelo conhecimento privilegiado dos seus alunos, podem colaborar na planificação, mas a dinamização das atividades deve caber a equipas especializadas”, explica.O calendário escolar do 1.º ciclo, salienta Cristina Mota, “deve respeitar o bem-estar das crianças e dos professores, articulando o papel da escola com o dever do Estado em garantir respostas sociais e culturais que apoiem as famílias”.FENPROF quer calendário letivo do harmonizado com os restantes ciclosA FENPROF reitera a posição contrária ao prolongamento do ano letivo para o pré-escolar e 1.º ciclo. A plataforma sindical diz não haver “qualquer justificação pedagógica” para esta continuidade que, sustenta, se limita a “sobrecarregar as crianças e os docentes destes níveis de ensino com tempo excessivo de atividades letivas”. “Tal discrepância levanta sérias preocupações, também porque se trata de uma altura em que se registam temperaturas elevadas, pouco compatíveis com as condições físicas das escolas e com o bem-estar de crianças tão pequenas, e porque este prolongamento do tempo escolar serve apenas o interesse de manter as crianças ocupadas, resolvendo problemas de ordem social e de resposta às necessidades das famílias, sem fins verdadeiramente escolares”, sublinha. No seu site oficial, a FENPROF salienta ainda as desigualdades provocadas pela diferenciação no calendário letivo entre os ciclos de ensino. “Agrava desigualdades e desconsidera as necessidades, em primeiro lugar, destas crianças, mas também dos profissionais que com elas trabalham”, pode ler-se. Para o sindicato, “as crianças necessitam que respeitem o seu ritmo de aprendizagem e o direito a brincar, proporcionando novas soluções de tempo lúdico e de espaços atrativos para brincadeira livre e a socialização”. A FENPROF exige “que se proceda à harmonização do calendário escolar, garantindo que o final das atividades letivas no 1.º ciclo e na Educação Pré-Escolar ocorra simultaneamente com os restantes ciclos do ensino básico”. .Comunidade escolar não aprova proposta de calendário.Alunos estrangeiros nas escolas aumentam 12%. São mais 17 mil num ano