Sessenta milhões de pessoas em quarentena. A atividade económica praticamente parada numa província que representa 4,5% do produto interno bruto chinês. Feriados prolongados. Viagens canceladas. Pontos turísticos encerrados, cinemas fechados, centros comerciais vazios. Por estes dias, a segunda maior economia do mundo tenta conter a propagação do coronavírus, um novo tipo de vírus da gripe que já contagiou mais de 7700 pessoas e matou 170..Que impacto pode ter este surto na economia chinesa e, por decorrência, a nível global? O Fundo Monetário Internacional (FMI) veio ontem pronunciar-se, afirmando que as consequências do coronavírus para a economia mundial dependem sobretudo da duração da epidemia. O organismo diz estar a acompanhar e a "examinar os indicadores económicos em tempo real", mas restringe para já os efeitos à economia chinesa.."Se as cadeias de abastecimento mundiais forem sistematicamente afetadas ou se os mercados financeiros mundiais forem consideravelmente atingidos por uma incerteza crescente, então o impacto será mais significativo", sublinhou o porta-voz do FMI, Gerry Rice, apontando a possibilidade de um efeito de contágio em toda a Ásia. "Há muita incerteza. O impacto geral na economia chinesa vai depender do tempo necessário para se atingir o ponto de inflexão" na propagação do vírus, sublinhou..Nesta quinta-feira à noite, o novo coronavírus foi declarado pela Organização de Saúde Mundial (OMS) como uma "emergência de saúde pública internacional"..Numa análise às consequências económicas que o coronavírus pode representar para o mundo, a revista The Economist sublinha que, nesta altura, o principal fator de preocupação é menos a severidade do vírus e mais as medidas de contenção que a China está a tomar para conter a propagação, e o período de tempo em que se manterão em vigor. Ou seja, para já, e no que à economia diz respeito, o problema ainda não está tanto na doença, está nos efeitos das medidas tomadas pela China para tentar travar a propagação do vírus..A segunda maior economia do mundo em stand by.A China declarou quarentena em toda a província de Hubei, que tem como capital a cidade de Wuhan, onde eclodiu o surto de coronavírus. São 60 milhões de pessoas retidas em casa, numa província onde praticamente só circulam bens alimentares e produtos farmacêuticos. A atividade económica em Hubei representa 4,5% do produto interno bruto da China..Mas as medidas restritivas adotadas pelas autoridades chinesas já ultrapassaram muito as fronteiras de Hubei. O surto de coronavírus eclodiu pouco antes do Ano Novo Lunar chinês, a comemoração que movimenta mais pessoas no mundo - no ano passado foram realizadas três mil milhões de viagens internas em território chinês e sete milhões de chineses voaram para fora do país. O feriado do Ano Novo Lunar, que em condições normais se estenderia até esta sexta-feira, já foi prolongado até 2 de fevereiro, numa tentativa de desencorajar o regresso imediato dos milhões de pessoas que, ainda assim, mantiveram as viagens. O prolongamento do feriado manteve fechadas as bolsas de Hong Kong, Xangai e Shenzen, que assim permanecerão até 3 de fevereiro. Pese embora todas as consequências para atividades como o turismo ou os transportes, e o pesadelo que representa esta migração em massa do ponto de vista da propagação da doença, a coincidência com um período de menor atividade económica no país acaba por poupar efeitos imediatos mais pesados à economia chinesa..Mas há atividades económicas que se ressentem particularmente. De acordo com a The Economist a esmagadora maioria dos 11 mil cinemas do país - que habitualmente veem crescer as receitas nesta altura do ano - estão fechados. O turismo interno, que costuma recolher nesta altura 8% dos proveitos anuais, também se irá ressentir, embora ainda não sejam conhecidos números da quebra. O mesmo acontece com a entrada de turistas na China, que estará também a sofrer uma queda..Na quarta-feira, a British Airways suspendeu os voos diretos do Reino Unido para a China. Lufthansa, Air France, Air Asia ou a AirIndia também suspenderam ou diminuíram consideravelmente as ligações ao território chinês, numa altura em que a generalidade dos países está a desaconselhar viagens para a China. Grandes empresas internacionais também estão a tomar medidas face à propagação do coronavírus. A Google fechou os escritórios na China, Hong Kong e Taiwan e suspendeu as viagens de funcionários para aqueles países, tal como a Amazon, o Facebook e a Microsoft. A General Motors e aToyota também anunciaram que vão manter as fábricas na China fechadas pelo menos até 9 de fevereiro. A Starbucks fechou cerca de metade dos 4300 estabelecimentos que tem na China..O turismo é um dos setores que têm muito a perder com uma crise de saúde pública prolongada. A República Popular da China é o maior "exportador" de turistas do mundo, e essa é uma realidade particularmente sensível para os países asiáticos, que constituem o principal destino dos viajantes chineses. Segundo a agência Reuters, a autoridade de turismo da Tailândia já antecipou uma quebra de dois milhões de turistas chineses no país - foram 11 milhões no ano passado..Em 2017, o setor do turismo representou para a China proveitos na ordem dos 695 mil milhões de euros - três vezes o PIB português.."Se persistir temos um problema grave " com "efeitos macroeconómicos pesados".Para o economista Paulo Soares de Pinho, professor da Nova Business School of Economics, é cedo para antecipar consequências do surto de coronavírus, até porque há duas incógnitas essenciais em cima da mesa - perceber exatamente qual é a gravidade deste vírus e quanto tempo demorará a ser contido. "Se se concluir que é mais grave do que está agora a prever e se persistir no tempo então temos um problema grave que pode ter efeitos macroeconómicos pesados", diz o economista ao DN..Face ao que aconteceu e ao que se sabe até agora, Paulo Soares de Pinho não tem dúvidas de que toda esta situação terá impacto sobre o PIB chinês. "Há partes da economia chinesa que simplesmente pararam. O turismo, a hotelaria, a aviação a cancelar voos. Isto vai ter implicações, a China vai ter uma perda de produto", diz o economista, mas acrescentando que se a propagação for contida com brevidade dificilmente terá uma implicação significativa na economia mundial..Há alguns precedentes que podem ajudar a olhar para o momento presente. Em 2003, a epidemia de SARS (síndrome respiratória aguda grave), que provocou centenas de mortes, levou a uma desaceleração da economia chinesa entre 11,1% e 9,1% entre o primeiro e o segundo trimestres. Mas a economia recuperou rapidamente e, no cômputo geral do ano, a China cresceu 10%..De acordo com as previsões do Fundo Monetário Internacional (FMI) a China deverá crescer 6% neste ano. Em 2019, o país cresceu 6,1%, o pior registo desde 1990. Queda no consumo, desemprego em crescimento e problemas com o sistema bancário são algumas das fragilidades apontadas à economia chinesa, que enfrenta ainda um problema de maior alcance a longo prazo. Apesar do fim da política do filho único, em 2015, no ano passado o país registou uma taxa de natalidade de 1,05%, um recorde negativo que ensombra o potencial de crescimento nas próximas décadas, face ao envelhecimento da população e ao previsível défice de trabalhadores jovens qualificados..Mas há outro fator a considerar. A The Economist sublinha que, em 2003, a China era responsável por 4% do PIB global. No ano passado foi responsável por 16%.