Pena de morte. Portugal deu o exemplo à Europa

A ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, escreve sobre a carta de Victor Hugo a elogiar a abolição da pena de morte em Portugal.
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"Está, pois, a pena de morte abolida nesse nobre Portugal, pequeno povo que tem uma tão grande história! (...) Felicito o vosso Parlamento, os vossos filósofos. Felicito a vossa Nação. Portugal dá o exemplo à Europa. Desfrutai de antemão essa imensa glória. A Europa imitará Portugal. Morte à morte! Guerra à guerra! Ódio ao ódio! Vida à vida! A liberdade é uma cidade imensa da qual todos nós somos cidadãos. Aperto-vos a mão como um meu compatriota na humanidade, e saúdo o vosso generoso e eminente espírito." Sem Twitter, mas com paixão, foi neste tom entusiástico e laudatório que, em julho de 1867, Victor Hugo, exilado na pequena ilha de Guernesey, escreveu a Eduardo Coelho, fundador do Diário de Notícias, ao tomar conhecimento da aprovação do texto da Carta de Lei de 1 de julho que aboliu a pena de morte para os crimes comuns.

Precursor na abolição da pena de morte, Portugal inscreveu na história do século XIX um marco civilizacional, assumindo a vanguarda do movimento abolicionista e repudiando a aplicação da pena capital, primeiro em 1852, com a abolição da pena de morte para crimes políticos, e 15 anos mais tarde, a
1 de julho de 1867, abolindo a pena capital para os crimes comuns.

A iniciativa portuguesa constituiu uma retumbante vitória dos ideais humanistas e encheu de júbilo "os homens generosos de todas as nações" que Victor Hugo, no seu O Último Dia de Um Condenado, exortara a unirem esforços "para deitar abaixo a árvore patibular".

O Último Dia de Um Condenado, publicado em 1829, constitui um vigoroso libelo contra a pena de morte. Nele Victor Hugo descreve as inquietações e os tormentos de um condenado, desde o momento em que conhece a sentença, até à sua execução, dissecando, com perturbadora lucidez, os dilemas éticos associados à aplicação da pena capital.

O abolicionismo, que conheceu então uma grande vitória, não alcançou, ainda hoje, um consenso universal, já que, pese embora a afirmação da inviolabilidade da vida humana em muitos textos de direito internacional humanitário, não só existem ainda Estados que praticam a pena de morte como episodicamente despontam, aqui e ali, pulsões autoritárias, reclamando o regresso de um Estado que mata.

E isso apesar de terem passado mais de dois séculos desde a data em que o jurista italiano Cesare Bonesana, marquês de Beccaria, grande admirador de Rousseau e Montesquieu, no seu tratado Dei delitti e delle pene, através de uma reflexão filosófica rigorosa e radical, elaborou um argumentário teórico em que pôs em evidência a contrariedade entre a pena de morte e a natureza e os fins das penas.

"Se eu provar que a sociedade ao matar um dos seus membros não faz nada que seja necessário e útil aos seus interesses, terei ganho a causa da humanidade." Com estas palavras, singelas mas assertivas, Cesare Bonesana abriu, em 1764, um infindável debate, a que infelizmente o Século das Luzes não logrou pôr termo.

Depois dele, múltiplos compêndios de direitos humanos proclamaram a inviolabilidade da vida.

Muitas mulheres e homens generosos de todas as nações do mundo puseram em evidência que "quando o cutelo cai, o crime muda de lado", como escreveu Jean-Loup Dabadie, e insistiram e insistirão que a justiça não mata. Que o Estado não pode afirmar um comportamento semelhante ao do assassino.

Em 2015 a Comissão Europeia distinguiu a Carta de Lei, de 1 de Julho de 1867, como "Marca do Património Europeu". Saibamos estar à altura do que essa distinção representa.

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