25 de novembro e 1 de dezembro: desafios do futuro

A ideia de construção de democracia deve ser valorizada. Hoje o perigo está no populismo e na crise económica e social, gerando descontentamentos que podem ser explosivos.
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A tensão que paira nesta foto faz parte da memória de muitos portugueses que viveram intensamente os anos quentes que se seguiram à revolução de abril de 1974. Um ano e meio após a rendição de Marcello Caetano, no Largo do Carmo, uma fação mais radical das Forças Armadas, apoiada pelo Partido Comunista, preparava uma ditadura do proletariado, com o controlo de todos os setores da economia, num período que ficou conhecido por gonçalvismo.

A 25 de novembro de 1975, Ramalho Eanes e o comando Jaime Neves avançaram então com um contragolpe que acabou por travar o avanço do comunismo, consolidar a democracia e acelerar a Constituição de 1976 e as primeiras eleições presidenciais nesse ano. O primeiro Presidente eleito da III República foi Ramalho Eanes, o símbolo dessa revolução pacífica - que poderia ter resultado numa guerra civil.

Nesta semana, o PCP anunciou a viabilização do Orçamento do Estado do governo socialista de António Costa. Revelou a decisão, curiosamente, no dia 25 de novembro, 45 anos depois de o PCP ter sido afastado do poder. Em 2020, ironicamente, o governo rosa ficou refém do vermelho PCP, quando traçou uma linha vermelha com o laranja PSD e teve de negociar até com Os Verdes - braço ecologista do partido de Álvaro Cunhal que, em 1975, foi travado em Rio Maior. A foto também ilustra esse momento em que a estrada para norte foi cortada. Agora, o desafio é unir.

De fora da solução OE 2021 fica o Bloco, por razões táticas, mas convém não subestimar a tendência anárquica e trotskista do Bloco de Esquerda, se remontarmos às raízes ideológicas de 1974/75 e dos partidos (UDP, PSR, etc.) que estão coligados sob a liderança de mulheres como Catarina Martins e as irmãs Mortágua.

Jaime Neves (o comando operacional) e Ernesto Melo Antunes (o ideólogo estratega), já desaparecidos, foram atores principais do reforço da democracia há 45 anos, mas Eanes é o símbolo vivo do processo democrático em curso, desde abril de 1974.

Essa ideia de construção permanente da democracia é algo que devemos valorizar cada vez mais. Hoje, a ameaça não está num congresso do PCP, mesmo que possamos ter dúvidas sobre a sua realização em pandemia. O perigo está no populismo de extrema-direita e esquerda e na crise económica e social que se agrava com a pandemia, gerando descontentamentos que podem ser explosivos, se o poder vigente for fraco ou incapaz de lidar com o protesto de pessoas que vão para rua, sem cravos na mão, mas com fome e muitas dívidas. Tudo indica que é só o princípio...

Se celebramos a renovação do sistema democrático a 25 de novembro, temos também de recordar a Restauração da Independência a 1 de dezembro de 1640. O ideal da soberania e da liberdade de um povo é comum nestas datas, apesar dos séculos de distância. Hoje, o inimigo não é espanhol. O inimigo é invisível e tem um nome - covid-19 - e é contra ele que temos de combater e unir as nossas forças.

Nesta véspera do 1.º de Dezembro, quando olhamos para o monumento dos Restauradores (no centro de Lisboa, onde há cada vez mais mendigos), devemos vislumbrar outros inimigos à espreita: empresas a fechar, pessoas sem emprego, dívida pública a disparar, défice orçamental a derrapar, burocracia a não ajudar e o dinheiro europeu a não chegar.

No início de dezembro de 2020, estão ainda frescas as feridas da última grande crise financeira de 2008 e 2009 que levou ao pedido de ajuda, em abril de 2011, pela terceira vez, ao FMI. Hoje, voltamos a precisar de dinheiro como de pão para a boca.

Além da pandemia, enfrentamos uma crise económica e social que pode evoluir para nova crise financeira. Resta saber se, daqui a poucos anos, não teremos de recorrer de novo a financiamento externo, até porque a bazuca europeia pode, afinal, disparar apenas pólvora seca. E, neste caso, todos esperamos que o ansiado dinheiro de Bruxelas não seja "só fumaça", como afirmou Pinheiro de Azevedo, nos agitados anos do PREC (Processo Revolucionário em Curso), durante uma manifestação no Terreiro do Paço. Ironicamente, é a mesma praça onde o povo saiu à rua em 1640 e atirou da varanda Miguel de Vasconcelos, o homem de Espanha que mandava em Portugal. Será que o povo vai voltar a sair à rua?

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