Ernesto Melo Antunes
O ex-presidente Ramalho Eanes disse, de Melo Antunes, na apresentação do livro sobre este militar: «Foi o mais coerente e talvez o mais importante dos actores do processo revolucionário português». Eanes reporta-se ao período sequente ao 25 de Abril, que derrubou o regime autoritário do Estado Novo e terminou com as guerras de África. Ernesto Melo Antunes, major no activo no dia 25 de Abril, foi o teórico do Movimento das Forças Armadas, redigiu ou elaborou a base dos textos essenciais do MFA, desde o Programa até ao Documento dos Nove. Quando Eanes, ele próprio um «capitão de Abril» e primeiro Presidente da República eleito, fala da «coerência» de Melo Antunes, tem em linha de conta o contributo teórico e prático deste militar, de 1974 a 1982. Mas podia reter um período mais vasto - e Eanes teria isso também em mente. O que vai da luta contra a ditadura, nos anos 60, até aos anos 90. Toda uma vida. Cujos valores de referência eram, afinal, os de uma boa parte da geração que se opôs ao salazarismo e ao marcelismo. Que acreditava na democracia, rejeitava o capitalismo e se opunha às guerras coloniais. Era o pulsar dos democratas e dos homens de formação marxista. Nascidos no tempo da Guerra Fria, do anticolonialismo, do antiamericanismo, da utopia comunista. Melo Antunes não era comunista, nem acreditava «nos amanhãs que cantam». Era um marxista que acreditava num socialismo democrático, se opunha ao totalitarismo comunista e se situava, em termos de política internacional para Portugal, mais próximo do não alinhamento do que da pertença a um bloco. Foi contestado, após o 25 de Abril - e tentado, por diversas forças políticas de esquerda. Permaneceu ele próprio. E, na questão da democracia, esteve sempre do lado certo: no que derrubou a ditadura e no que impediu a tentativa comunista de levar a jovem democracia portuguesa para nova aventura antidemocrática. A nossa democracia deve-lhe muito. Deve-lhe quase tudo.
JOSÉ MANUEL BARROSO