Tancos: investigação contraria Costa. Há suspeita de terrorismo e crime organizado
O Ministério Público (MP) está a investigar suspeitas de criminalidade organizada e terrorismo no caso do furto aos paióis, mas o primeiro-ministro disse que "esse cenário não se coloca", alegando informações das "autoridades nacionais".
"Esse cenário felizmente não se coloca porque logo no dia a seguir à constatação do furto, as autoridades nacionais e, em particular, a secretária-geral do Sistema de Segurança Interna, reuniram a Unidade de Coordenação Antiterrorista que identificou que o furto nada tinha que ver com qualquer ligação a criminalidade organizada, muito menos a atividade de terrorismo", afirmou o primeiro-ministro na sessão pública sobre os três anos do governo.
António Costa respondia a uma longa pergunta (pode ser vista aqui, ao minuto 104) de um estudante de Relações Internacionais, que queria saber se o roubo do material militar de Tancos e o facto de ainda haver material que não foi recuperado (munições, granadas e explosivos) não poderia levar a que Portugal pudesse ser visto "como um país facilitador de movimentos terroristas", tendo em conta que a ONU já alertou para o facto de "a má gestão de paióis nacionais alimenta diretamente o crime organizado e o terrorismo, através do comércio ilícito de armas e munições".
Estas declarações públicas, feitas na segunda-feira, vêm contrariar a linha de investigação de um inquérito, em segredo de justiça, que está, precisamente, a investigar "suspeitas da prática dos crimes de associação criminosa, tráfico de armas internacional e terrorismo internacional".
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Esta linha de investigação foi, aliás, confirmada nesta terça-feira, com o anúncio da Procuradoria-Geral da República (PGR), segundo o qual o inquérito à recuperação do material de guerra furtado, que estava no Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa, tinha sido junto ao inquérito do furto, ficando ambos sob direção do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), que é a unidade do MP que investiga a criminalidade organizada e o terrorismo.
Fontes judiciais e da oposição parlamentar não esconderam a sua surpresa com o deslize de Costa. O presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, António Ventinhas, sublinha que "só quem poderá aferir que crimes estiveram em causa é o MP no final da investigação".
O PSD considera "no mínimo estranho que o primeiro-ministro tenha prestado aquelas declarações quando tem dito que nada sabe sobre Tancos". O vice-presidente da bancada, Carlos Peixoto, assinala "duas inquietações: primeira, como pode o primeiro-ministro saber de uma coisa que está em segredo de justiça? Segunda, como sabe quando sempre disse que não sabia de nada?".
Já o coordenador do CDS na Comissão de Defesa Nacional, João Rebelo, garante, "apesar da gravidade das declarações", já não ficar "assim tão surpreendido". "Nesta matéria de Tancos, o governo socialista faz-me lembrar aquele ditado 'cada cavadela a sua minhoca'."
"Recomendamos vivamente ao Sr. primeiro-ministro que, quando ainda decorre uma investigação criminal que não descarta qualquer tipo de suspeita, não se pronuncie sobre a mesma, pois corre o risco de parecer uma pressão", salienta o deputado.
Costa remete para Segurança Interna
Confrontado pelo DN, o gabinete de António Costa afirma que as suas palavras foram "citações de declarações públicas da secretária-geral do Sistema de Segurança Interna (SSI), autoridade em quem confia na informação que lhe é dada". O SSI decidiu não elevar o nível de ameaça em território nacional quando o furto foi conhecido, apesar da investigação do MP admitir aqueles crimes graves.
Sobre este tema, a secretária-geral do SSI, a procuradora Helena Fazenda, fez declarações públicas na sua última audição no Parlamento, mas sem se referir diretamente aos crimes que estariam ou não em causa. Fazenda disse haver "vários cenários e linhas de investigação que têm de ser exploradas".
A magistrada deixou, no entanto, implícito que não haveria crimes dessa natureza envolvidos, quando explicou que o nível de ameaça não tinha sido elevado porque, na UCAT, "o que foi e o que é transmitido" por parte da investigação não revelou qualquer "dado objetivo que, de facto, determine a alteração" do nível de ameaça "ou que seja suscetível de pôr em causa o enquadramento da segurança interna".