O número de dias muitos quentes, de grande desconforto térmico, com valores superiores a 35 graus Célsius, aumentou entre cinco e dez dias por década nos últimos 40 anos em Portugal. Mas este não é um sintoma isolado. Os chamados dias de verão, em que a temperatura máxima é superior a 25 graus Celsius, seguem exatamente a mesma tendência, que se mostra mais acentuada no norte e no centro do país. Lisboa, por exemplo, ganhou mais 11 dias de verão por década desde 1976, o que, feitas as contas, soma mais seis semanas de verão em relação há 40 anos. As alterações climáticas são reais e já estão a acontecer.."Isto não é um sinal ténue, é uma mudança de clima persistente e real", afirma ao DN Álvaro Silva, climatologista do IPMA, sublinhando que os dados observados "estão em linha com o que os modelos climáticos já estimavam há 10 ou 15 anos". Ou seja, o aumento da temperatura e a diminuição da chuva, com todos os impactos negativos que isso implica na agricultura, nas florestas, com o aumento do risco de incêndios, ou na saúde, com ondas de calor mais intensas, sobretudo perigosas para idosos e crianças..Nesta tendência de aquecimento da temperatura os números são claros. Desde 1976, as máximas sofreram um aumento de 0,4 graus Célsius por década, somando um aumento total de 1,6 graus nos últimos 40 anos. Nas mínimas esse valor não é tão drástico (mais 0,16 graus por década), pelo que o aumento da temperatura média foi de 0,3 graus por década, somando agora mais 1,2 graus Celsius no território continental em relação a 1976..Em dias estivais ganhos, Lisboa soma mais seis semanas ao todo em relação há 40 anos, mas Bragança, com mais oito dias por década (mais 32 dias em quatro décadas), não anda longe desta marca. No sul do país, esta tendência foi menos acentuada. Em Beja, o ganho de dias estivais por década foi de cinco (mais 20 dias desde 1976)..Há ainda outros sinais a juntar a estes, como mostram os dados do IPMA. Dos dez anos mais quentes registados desde 1931, oito ocorreram depois de 1990. O ano mais quente desde essa data foi 1997, seguindo-se 2017. E, se quisermos falar em décadas, não restam dúvidas: as últimas quatro décadas foram, destacadas, as mais quentes desde 1931..Menos chuva, secas mais severas.O climatologista Álvaro Silva não tem dúvidas: "Estamos em presença de alterações climáticas." As tendências mostram que "as temperaturas de verão se antecipam na primavera e se prolongam depois pelo outono", o que significa que "o período estival está agora mais extenso e que as estações intermédias estão a desaparecer", sublinha o especialista do IPMA..As mudanças, no entanto, não estão apenas na temperatura. Outra faceta muito clara - e preocupante - das alterações no clima em Portugal é a da diminuição da precipitação. Os últimos 20 anos, sobretudo, "foram particularmente pouco chuvosos, com um decréscimo visível dos valores da precipitação nas últimas quatro décadas", diz IPMA..Os anos mais secos desde 1931 foram 2005, 2007 e 2017. Nas últimas oito décadas a diminuição da precipitação foi de 20 milímetros por década, com esse ritmo a acentuar-se mais recentemente..Embora as chuvas outonais mostrem uma tendência contrária (aumentaram cerca de 4 mm por década entre 1931 e 2018), isso não chega para compensar as perdas na primavera (menos 10 mm por década desde 1931) e sobretudo no inverno (menos 12 mm por década)..O ritmo destas perdas acelerou entretanto no último meio século. Desde 1960 que se observa uma redução da precipitação de inverno da ordem dos 40 mm por década, o que perfaz menos 200 mm em 50 anos. E é neste contexto de diminuição da chuva e do aumento da temperatura que as secas ganham os contornos de severidade daquela que se verificou em 2017, que foi a mais grave desde 1931.."Com as temperaturas mais altas estamos a perder mais água por evaporação para atmosfera e há um défice crescente de água", explica Álvaro Silva..Tal como os modelos climáticos já previam aquilo a hoje estamos a assistir, os cenários traçados para o futuro "mostram que este tipo de tendências vão manter-se nas próximas décadas, e que até poderão agravar-se se as emissões de gases com efeito estufa não diminuírem", adianta Álvaro Silva..De resto, estes são dados que "estão em linha com as alterações que se verificam a nível global, com um aumento da temperatura generalizado no planeta, e tudo leva a crer que os cenários mais otimistas, de não se exceder um aumento global de 1,5 graus Célsius, em consonância com o Acordo de Paris, já serão muito difíceis de atingir", estima Álvaro Silva..Depois da estabilização das emissões de gases com efeito estufa entre 2014 e 2016, elas voltaram a aumentar (em 1,6%) em 2017 e novamente em 2018. E a sua concentração na atmosfera seguiu idêntico padrão, ao atingir um novo pico, em 2017, de 405,5 ppm (partículas por milhão na atmosfera). É preciso recuar três milhões de anos para observar um valor desta magnitude.