Quais são as suas melhores memórias dos mergulhos no mar dos Açores?.[Risos.] Há muita coisa... Os Açores são icónicos! Assim, acho que estar na água com as baleias e com todas aquelas espécies. Quando pensamos nos Açores, pensamos em todas as espécies que migram por ali, as baleias, os golfinhos, todos os mamíferos que usam aquela área. É um caminho migratório especial para todas as espécies que andam para cima e para baixo no Atlântico. Como é sabido, os Açores estão em cima da junção de três grandes placas oceânicas - a do Atlântico do Norte, a europeia e a africana -, são divididos pela maior cordilheira do mundo - a Dorsal Mesoatlântica - e todos aqueles animais passam por ali. Entre isso e todo o trabalho no fundo do mar que tem sido lá feito, é difícil escolher uma coisa, mas percebemos como os Açores são um lugar tão especial, onde estão situados e como são importantes, não apenas pela mitologia da região, mas obviamente pelas pessoas. São pessoas que estão lá há muito tempo e confiam no mar, que faz parte da sua forma de estar, a mentalidade daquelas pessoas que veem Portugal como um todo. Então, não há só uma memória especial, são muitas memórias especiais..Quem vive em ilhas é forçosamente desperto para a necessidade de proteger os mares?.Eu próprio vivo no Havai, numa ilha, e a maior parte da minha vida tem sido passada em ilhas, por isso compreendo bem como o oceano é importante para as pessoas, todos os oceanos são. E é essa a impressão que tenho dos Açores, a de que estão num oceano que é realmente importante e sabem perfeitamente disso..Acha que para o futuro dos Açores, e para o deste tipo de ilhas em geral, a proteção do ambiente pode ser uma coisa boa não só em termos de proteção da natureza, como também uma nova maneira de construir o futuro - o turismo, o conservacionismo, como forma de vida alternativa?.Absolutamente. Não podemos ter pessoas saudáveis sem um oceano saudável. Não tem a ver apenas com a proteção do oceano por si próprio, tem a ver com a proteção do oceano para que este possa fornecer os serviços de que todos precisamos, amamos e queremos para existir. Há a teoria de que se nós delimitarmos algumas zonas e não pescarmos aí, estamos basicamente a mudar todo o modelo de como as coisas funcionam, mas, na verdade, a proteção não protege apenas a biodiversidade, como também melhora a pesca. Se tivermos áreas onde não há pesca, os peixes serão maiores na zona, produzirão mais descendência, que avançará para as zonas de pesca. Portanto, ao delimitarmos zonas interditas à pesca, podemos, na verdade, melhorar a pesca. É um pouco contraintuitivo para as pessoas, mas as pessoas percebem que quando damos aos animais uma hipótese de descansarem e de se reproduzirem, iremos ter maior quantidade de indivíduos. Portanto, concordo que temos de pensar em soluções baseadas na natureza para os nossos problemas, e proteger o ambiente é a nossa melhor maneira de o fazer - vai, decididamente, impulsionar o turismo, melhorar a vitalidade do arquipélago ao ter um oceano mais saudável, além de que também vai melhorar a pesca..Teve oportunidade de mergulhar noutros sítios de Portugal: na Madeira ou no continente? Sim. Na realidade, a minha primeira experiência em Portugal foi nas ilhas Selvagens, um lugar espantoso, e fizemos também muito trabalho em redor da Madeira. O contraste entre a Madeira e as Selvagens foi espantoso. Encontrámos aí um ecossistema verdadeiramente saudável. Na Madeira,onde os mares têm sofrido com demasiada pesca, há umas poucas zonas protegidas que se estão a sair muito bem e que são um bom modelo para experimentar noutros sítios. Também estive nas águas do Algarve e também me levaram à Arrábida, que é igualmente uma zona muito bonita. Quero passar mais tempo em Portugal, porque sou também grande adepto de surf..Já esteve na Nazaré, famosa pelas ondas gigantes?.Não, não. Talvez na próxima vez..Sabe que onde vive, o Havai, que é uma espécie de ilhas míticas para nós na Europa, há uma enorme população de origem portuguesa, sobretudo da Madeira?.Sim, os descendentes de portugueses são muito numerosos nas ilhas e até o famoso ukulele vem da Madeira. [Risos.].As ilhas do Havai também estão bem protegidas em termos ambientais?.Ainda temos um longo caminho a percorrer. As ilhas do noroeste do Havai, com uma área marítima de um milhão de quilómetros quadrados, são uma das maiores áreas de conservação da natureza no mundo e estão protegidas. Têm vindo a prosperar, com muitos tubarões, até com focas-monges, ameaçadas de extinção - há três espécies de focas-monges, a caribenha, que está extinta, a mediterrânica, da qual penso que existem alguns espécimes nas Desertas, e as das ilhas do noroeste do Havai. Nas ilhas principais só temos uma pequena parte protegida, uma percentagem muito pequena de áreas fortemente protegidas. Mas também há muitas organizações comunitárias que usam o conhecimento tradicional polinésio de como os recursos eram geridos no passado em relação a, por exemplo, quando pescar e quando não pescar. Esse conhecimento tradicional tem estado perdido em muitos lugares. Tenho a certeza de que os Açores, e Portugal, têm uma longa história desse conhecimento antigo do mar. Penso que tentar revitalizar isso é uma forma importante de ajudar a melhorar a saúde de muitos ecossistemas. É uma abordagem em que se usam os conhecimentos do passado para se ter um melhor futuro..É possível dizer-se que a Europa está à frente do resto do mundo em termos da proteção dos oceanos ou conseguem-se encontrar exemplos como o dos Açores noutros continentes?.Penso que, na verdade, os países europeus estão atrás de muitas outras partes do mundo. O Reino Unido tem o chamado Programa Blue Belt, através do qual estão a tentar proteger as suas possessões ultramarinas - Tristão da Cunha, arquipélago de Chagos, ilhas Pitcairn, etc. -, mas na Europa propriamente dita a proteção é limitada. O objetivo desta iniciativa Blue Azores (Oceano Azul) é atingir uma proteção de 15%, e aí serão líderes na Europa e marcarão o caminho a prosseguir. As aspirações são de 30% de proteção em 2030. É uma iniciativa global à qual estão a aderir muitos países, e penso que na recente Cimeira do G7 eles concordaram com uma maior proteção dos oceanos. A verdade é que temos vindo a abusar dos oceanos ao longo do tempo e, sem uma proteção significativa, eles não vão sobreviver e nós também não, porque se não tivermos oceanos saudáveis também não teremos pessoas saudáveis. Acho que o que os Açores estão a fazer é um grande progresso e que vocês podem ser líderes e mostrar o caminho ao resto da Europa..leonidio.ferreira@dn.pt