"Presidência portuguesa da UE pode contar com a parceria da Alemanha"

<strong>Wilhelm Hofmeister</strong>. O representante da Fundação Konrad Adenauer, que tem o nome do primeiro chanceler da República Federal da Alemanha e está ligada aos democratas cristãos, será um dos oradores no dia 24 da conferência Presidência da UE: Experiência Alemã <em>vs.</em> Expectativa Portuguesa, organizada pelo<a href="https://institutosacarneiro.pt/" target="_blank"> Instituto Francisco Sá Carneiro.</a>
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É possível fazer já em novembro um balanço da presidência semestral alemã da União Europeia (UE) e do que foi conseguido?
Um semestre é pouco tempo para realizar tudo, uma vez que a Alemanha, como todos os Estados, tinha uma agenda ambiciosa. E claro que a Alemanha tinha articulado essa agenda no início com os outros Estados que assumem rotativamente a presidência da UE antes e depois dela, mas isso é uma coisa, outra é a realidade política que altera sempre a agenda. Neste contexto, a Alemanha preparou os objetivos para as diferentes áreas para os trabalhar com os parceiros europeus nestes meses de julho a dezembro de 2020, mas desde o início que a agenda tem sido completamente alterada devido à pandemia que mudou simultaneamente a agenda também de todos os outros Estados membros. Assim, a superação da pandemia passou a ser, e tem sido, o objetivo principal neste momento, sabendo-se que a Alemanha sozinha não a consegue, obviamente, superar. Devemos enfrentar esta pandemia em comum, sabendo que a UE não tinha nenhuma competência na área da saúde pública e já conseguiu dados mais concretos para entregar competências à Comissão Europeia nesta área. É um avanço, mas ainda não é algo muito concreto, por enquanto é em geral. Portanto, a pandemia tem sido um dos aspetos principais a marcar o semestre, e outro, muito relacionado com isso, é o acordo sobre as ajudas financeiras. A Alemanha teve realmente um papel importante no acordo que se alcançou em julho entre os 27 Estados membros para a recuperação económica dos efeitos da pandemia de covid-19. Neste contexto, a própria Alemanha mostrou uma posição que, penso, é muito clara na questão do endividamento comum para enfrentar a crise. A Alemanha aceitou esse plano de recuperação, mas há alguns Estados que não estão de acordo com as condições para os países mais necessitados. Também há que dar prioridade, mantendo a agenda inicial, a outras áreas, como o combate às alterações climáticas, a digitalização e o fortalecimento da competitividade europeia.

Foi uma coincidência positiva para a Europa a crise da covid-19 tivesse começado com a presidência da maior economia e do país mais influente na UE, ou seja, acabou por ser, neste momento difícil, uma coincidência que beneficiou todos?
Acho que foi uma coincidência que ajudou neste momento em que existe tanta necessidade de uma solidariedade e de mudar alguns conceitos básicos. A Alemanha, no âmbito da sua presidência, pôde ajudar e desempenhar o papel de árbitro. Alguns Estados podiam querer tomar uma posição mais individual ou nacional, e sobretudo mais restrita, mas a Alemanha como árbitro contribui para criar mais consenso, e aí acho que ajudou. A Alemanha também esteve disposta a mudar as suas posições políticas, e quando um país como a Alemanha mostra disponibilidade para mudar e para assumir custos enormes, pois é o Estado que mais compromissos financeiros assume, isso ajuda a que os outros aceitem os compromissos adicionais. Assim, acho que foi uma coincidência positiva.

Do ponto de vista da Alemanha, esta decisão de apostar nestes fundos de ajuda económica é algo que une a CDU/CSU e o SPD, mas é fruto também de um consenso mais amplo ou só a nível dos partidos do Governo?
Há um consenso. O mais complicado é o acordo sobre os instrumentos, os mecanismos, mas verdes e liberais estiveram de acordo em que a Alemanha tinha de mostrar mais solidariedade. Posso dizer que as forças políticas, que representam mais ou menos o centro político da Alemanha, estiveram de acordo.

Como comenta esta crise gerada pela Hungria e, de certa forma, também pela Polónia sobre a aplicação dos fundos, relacionando-a com as críticas ao respeito pelo Estado de direito de que são alvo constante?
A aprovação dos fundos foi uma prioridade da presidência alemã, mas neste momento é muito complicado chegar lá. Temos de deixar muito claras as nossas posições, mas nós, na Alemanha, estamos otimistas e pensamos que no fim todos vão aceitar, porque seria um problema muito sério se a UE não chegasse a um acordo a respeito do Estado de direito. Acho que, provavelmente, no final a chanceler vai pegar no telefone e falar com os seus colegas da Polónia e da Hungria e tentar convencê-los de que têm de estar de acordo. Suponho que não vão rejeitar tudo o que diz respeito ao acordo financeiro.

A presidência portuguesa, que se inicia a 1 de janeiro, estará também muito condicionada por esta questão dos fundos e pela recuperação económica por causa da covid?
Durante a presidência de Portugal, previsivelmente, não se vai resolver a crise da pandemia e todos os problemas relacionados. Vamos continuar neste sistema dos três países - a presidência passada, a presidência futura e a presidência atual - em que todos terão uma colaboração estreita com Portugal, tal como já acontece.

Uma solução final para a saída do Reino Unido, o famoso Brexit, está ainda a ser negociada. A Alemanha está otimista quanto aos resultados que deverão avançar até ao final do ano?
A Alemanha está interessada num acordo com a Grã-Bretanha, mas não toma uma iniciativa própria porque quer preservar a unidade da União e respeita a competência da equipa da negociação. O Brexit não faz parte dos objetivos da presidência da Alemanha.

A presidência portuguesa, a quarta desde a adesão em 1986, vai ser de muita parceria com a Alemanha?
Claro, claro, sem dúvida, haverá parceria, e muita. Portugal pode colaborar com a Alemanha, e não só porque a Alemanha continuará a fazer parte do grupo dos três países que têm a presidência neste período (a troika inclui a Eslovénia, que assumirá em julho de 2021). Podemos também falar de muitas parcerias noutros aspetos: na política agrária, na política florestal, nas infraestruturas e tudo isso. Há temas que são muito complicados para a UE em geral, por exemplo, a questão migratória, que não é um tema muito difícil para Portugal, mas que para a Alemanha e para outros Estados europeus é um problema sério. Portugal, ao assumir a presidência, tem de ajudar nesse tema tão especial que é a migração. Digamos que a situação da UE é muito complicada por causa desse tema também.

A personalidade da chanceler Angela Merkel, que toda a gente achava que estava de saída após quatro mandatos, foi decisiva na forma determinada como a Europa enfrentou esta crise?
Penso que sim. A chanceler é uma pessoa muito concentrada no trabalho e que motiva os outros para levarem o trabalho muito a sério. Nesse sentido, acho que ajudou muito. Penso que a chanceler tem sido excecional na colaboração com os países que mais precisavam, além de que, com a sua posição política bem alicerçada, podia assumir responsabilidades com o apoio parlamentar e popular.

A presidência portuguesa vai coincidir com um novo presidente dos Estados Unidos. Pensa que a relação entre Europa e EUA vai mudar muito com Joe Biden?
Não vamos voltar aos tempos passados. O presidente Biden vai ter relações especiais com os europeus na Defesa e noutras áreas. Biden é uma pessoa que tem muita confiança e vai colaborar com os europeus em áreas como a política climática. Talvez também procure a nossa ajuda nas relações políticas com a China, que é um tema muito delicado para os europeus. Portugal, com a presidência europeia, vai representar a Europa no início do mandato do novo presidente dos Estados Unidos. Isso é mais um desafio.

No dia 24 de novembro, o Instituto Francisco Sá Carneiro organiza a conferência Presidência da UE: Experiência Alemã vs. Expectativa Portuguesa. Com transmissão em direto no Facebook, a parir das 18.00, conta com a participação de Maria da Graça Carvalho, eurodeputada e presidente do Instituto, de Wilhelm Hofmeister, diretor da Fundação Konrad Adenauer, e de Leonídio Paulo Ferreira, diretor adjunto do DN. A moderação fica a cargo de João Montenegro, vice-presidente do Instituto, e Francisco Sousa Soares, do conselho de administração, encerra os trabalhos.

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