Sociedade
23 julho 2021 às 22h13

Casamentos: Cansados de adiar, voltaram à festa mas com muito menos convidados

Negócios de eventos recuperam mas muito devagar devido à variante Delta do SARS-CoV-2, sobretudo onde apenas podem ocupar 25 % do espaço. Empresários e noivos tentam adaptar-se às exigências.

Céu Neves

Ruben e Marta são pessoas decididas e nem a pandemia os fez desistir do sonho de um casamento com toda a família. Mas não se livraram de uma grande ansiedade, sem saberem o que a evolução da doença iria alterar. Casaram há quatro semanas e "correu melhor" do que esperavam. É o que está a acontecer com muitos outros casais, decididos a não adiar a festa.

Este ano, os adiamentos são inferiores a 2020, mas as festas contam com menos convidados quando comparadas com as de 2019, referem os empresários. Os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) confirmam.

"Casamos em Quarteira (Loulé). Na altura, a ocupação não podia ser superior a 50 % da ocupação, mas mesmo que fosse 25 %, como agora, teríamos mantido. Sou da Figueira da Foz e vieram pessoas do centro e norte do país, também da Suíça, já tinham os quartos marcados. Até ao último momento, houve muita incerteza, mas ninguém falhou", conta Ruben Santos, 34 anos, engenheiro civil, que casou com Marta Santos, 25, lojista, no dia 26 de junho.

O pedido de casamento foi em outubro e começaram logo a organizar a festa: a quinta, fotógrafo, flores, etc. Acabaram por realizar a cerimónia como previsto e com 120 convidados. A diferença é que tiveram de fazer testes à covid-19, de usar máscara e com apenas seis pessoas na mesma mesa. E até houve direito à lua de mel no estrangeiro, na República Dominicana. Pelo meio, compraram casa, em Faro, onde habitam.

"O nosso maior problema foi perceber se a lotação do espaço permitida seria de 100 %, 50 % ou 25 %, mas a quinta tinha 350 lugares no interior e havia a possibilidade de meter mesas no exterior. Depois, o mais complicado foi estarmos muito afastados". Toda a ansiedade se desvaneceu no dia do casamento. "Repetíamos tudo de novo", garante Ruben Santos.

Casaram na Quinta dos Netos, propriedade de Rute Reis, que tenta sobreviver à pandemia: "A área dos eventos está muito complicada. Temos mais cerimónias este ano que em 2020, que se arrastaram quando surgiu a pandemia. Praticamente não há novos eventos. As pessoas estão receosas".

Em 2019, realizaram cerca de 50 casamentos na quinta; em 2020, "praticamente nada" - a quebra de faturação foi de 90 %. Este ano tem corrido aos soluços. "O cenário muda todos os dias, há alguns adiamentos, outros com tão pouca gente que é como se não os fizéssemos, mas quem marcou tem mantido a cerimónia", explica.

Tinham iniciado o ano com novas esperanças, mas a situação regrediu com o aparecimento de uma nova variante do vírus. Além de que a dimensão das festas é substancialmente inferior a 2019, quanto tinham em média 150/170 pessoas. Passaram para um terço. Rute Reis prevê faturar 30 % do que conseguiu há dois anos. "Nesta altura, são mais batizados e com poucas pessoas, é um almoço alargado, temos de apanhar o que aparece".

Faziam muitos casamentos de emigrantes, também de estrangeiros. Os que mantêm as cerimónias são "as pessoas da terra". Não se deslocam do exterior, nem estão obrigados a cumprir quarentena.

Destaquedestaque18 457 casamentos em 2020

"É frustrante, andamos numa ansiedade todas as semanas, como se fosse fácil fechar a porta de um dia para o outro. As pessoas marcam um casamento com um ou dois anos de antecedência e as regras mudam de uma semana para a outra. Deviam ser anunciadas com mais antecedência e serem mais claras. Temos dúvidas e não sabemos onde as esclarecer", lamenta. Mas mantém a esperança: "Se não tivesse, teria fechado em 2012".

Os últimos dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) indicam que a celebração de casamentos recuperou em maio e abril. Em maio, celebraram-se 2602 casamentos, mais 88,4% do que em abril (1381), o mês que mais se aproximou de 2019 (1767). No ano passado realizaram-se 117 em abril e 745 em maio (3081 em 2019).

Há dois meses as perspetivas eram mais animadoras, as infeções por SARS-CoV-2 eram bastante inferiores ao que acontece atualmente e Portugal seguia a passos largos para o desconfinamento.

Com a multiplicação de casos de covid-19 houve retrocessos, logo mais restrições. Regressou-se ao estado de calamidade e os concelhos em risco elevado ou muito elevado (são atualmente 116) de contágio vivem sob medidas de restrição mais fortes, nomeadamente na realização de casamentos e batizados.

"Temos tido alguns adiamentos, muitos mantêm-se mas com uma lista mais reduzida de convidados. Há menos cancelamentos do que em 2020, mas o país parou a partir de março desse ano", explica James Tojal, diretor de eventos da Quinta Vale da Carva, no Gradil, em Mafra, um concelho às portas de Lisboa e que costuma ser a escolha de noivos da capital. É um dos que estão com risco muito elevado, significa que apenas 25 % do espaço pode ser ocupado e há limitação da circulação entre as 23.00 e as 05.00.

A quinta tem espaço para 700 pessoas, o que dá 175 convidados , só que as pessoas têm medo de participar em grandes eventos. "Esperávamos ter um melhor ano mas não vamos atirar a toalha ao chão. Estamos a cumprir as exigências, o problema é que está tudo muito instável. O que é verdade hoje, não é amanhã", lamenta James Tojal.

As quebras foram de 80 % em 2020. Este ano, é grande a incerteza. "Há um mês e meio, estávamos a recuperar. Agora, está a ser mais difícil". Os eventos deste ano transitaram de 2020 e houve quem adiasse para 2022, 2023 e 2024.

Susana Alves, 43 anos, e Nuno Gonçalves, 46, técnico de matérias perigosas, viram a lista de convidados diminuir à medida que se aproximava a data de casamento. "Tínhamos cerca de 100 pessoas, alguns disseram logo que não vinham e, nas últimas duas a três semanas, desistiram uns 30, pessoas que vivem no norte e Alentejo", conta a Susana.

O casal mora na Amadora e casaram no dia 10 de julho, na Quinta do Profeta, em Belas, Sintra, ambos concelhos de risco muito elevado. Só podia ter 25% da lotação, mas esse nem foi o maior problema. "Levámos 50 convidados e dava para muito mais".

O casal está junto há 25 anos, têm um filho de 10. Não quiseram adiar a cerimónia mais uma vez. "Decidimos casar e logo num ano em que surgiu uma pandemia. Estava marcado para dia 25 de julho de 2020, escolhemos uma nova data e estava tudo a correr bem até piorar nas últimas semanas. Não quisemos voltar a adiar". Não se arrepende: "Fizemos os testes, tudo negativo. Vieram as pessoas que foi possível e foi espetacular, bem organizado. Adorei a quinta, tudo". Estão, agora, em lua de mel no Gerês.

O fotógrafo da festa de Susana e Nuno foi Fernando Baptista, dono da Fotografia StopTime, profissional há 20 anos, em Portugal e no estrangeiro. "Este ano até estamos com problemas de agenda, a ter casamentos sobrepostos e não fazemos mais que um evento por dia. A maioria veio do ano passado, que foi um ano perdido", explica. Essa faturação nunca será recuperada e as receitas este ano não se comparam a 2019. Eram casamentos de 150 pessoas, passaram a metade. Argumenta: "Deixámos de ter os grandes eventos, andamos todos a correr atrás do prejuízo. E as pessoas estão sempre a alterar as coisas, estamos todos dependentes das decisões do Governo". Tem uma certeza: "Quem conseguir passar esta fase, vai vingar".

O Grupo Fonte do Paraíso, em Vale de Pinheiro, Mafra, tem quintas com uma capacidade entre 300 e 1200 lugares. "Uma ocupação de apenas 25% significa muito menos pessoas mas os casamentos estão a ser mais pequenos, as pessoas têm receio. Sobretudo agora, que as coisas estão a ficar piores, começam a ficar desestabilizadas" explica Gabriel Custódio, o proprietário. Acrescenta: "Desta vez não há tantos cancelamentos, mas o facto de não puderem circular depois das 23.00 também limita muito".

As restrições para casamentos e batizados, ou eventos similares, são diferentes da restauração. Além de que já lhes eram exigidos testes negativos à covid e certificados de vacinação ou de recuperação da doença antes do alargamento desta obrigação. Quanto ao horário do fim destes eventos há dúvidas: há quem entenda que deve ser às 23.00, outros que poderão avançar pela noite. "Não estamos sujeitos ao mesmo horário que os restaurantes, mas penso que estamos abrangidos pela proibição de circulação [entre as 23.00 e as 05.00]", diz Gabriel Custódio. Mas, sublinha, "pedi licenças especiais de ruído [entre as 23.00 e as 07.00], exigido para estes eventos, e concederam".

E os convidados estão abrangidos pelo recolher obrigatório quando se trata de regressar a casa?

"O problema é que existe uma informação baralhada, não dizem todos a mesma coisa. E só temos conhecimento da alteração das regras em cima da hora. Perguntei à GNR se tínhamos de obedecer ao horário dos restaurantes e disseram que não", critica o empresário.

O que algumas empresas estão a fazer é prolongar a festa até às 05.00, quando já é permitida a circulação nos concelhos de risco elevado e muito elevado. "Os horários são um problema, por falta de esclarecimento. Defendemos que os eventos têm outros horários e, até agora, não recebemos indicações em contrário. Entende-se que podem circular depois das 23.00 para regressar a casa, ou, então, saem às 05.00", explica Ana Filipe Couto, do Páteo Velho, uma empresa de catering. Não têm tido muitos cancelamentos este ano, até porque as quintas que servem situam-se em concelhos onde a lotação pode ir até aos 50%. "As pessoas adaptaram-se, o que não é fácil. Há noivos que já alteraram as datas três vezes".

Destaquedestaque32 595 casamentos em 2019

Gabriel Custódio conta que este ano já realizaram festas para 200 pessoas, mas a média tem sido 50/60, menos de metade de antes da pandemia. Ainda assim, pensam recuperar face a 2020 e que as quebras se fiquem pelos 50/60%, comparativamente a 2019.

A menor dimensão dos eventos é um dos problemas apontados por todos os que trabalham na área. As quintas da Bichinha e de São Gonçalo, em Alenquer, concelho também muito procurado por quem mora em Lisboa, têm o verão completo. Os dois espaços têm dimensões diferentes e dão margem de manobra para Fernanda Filipe gerir os eventos consoante o número de convidados. "As pessoas não estão a adiar, só se forem obrigadas. Estão na predisposição de avançar. E nós estamos sempre a recear que o concelho passe para risco muito elevado e em vez dos atuais 50% da lotação passe a 25%", explica. O que se veio a confirmar.

Oitenta por cento das celebrações nas duas quintas transitaram do ano passado e as listas de participantes passaram para metade. A média, agora, são 80 pessoas, diz a empresária. O ano passado realizaram 10 % das cerimónias previstas, com uma média de 70 pessoas por festa. E há celebrações que continuam a ser desmarcadas, nomeadamente as de casais estrangeiros. "Pensávamos que íamos recuperar em 2021 e estamos a recuperar, mas muito pouco comparativamente ao que prevíamos, antes do aparecimento da variante Delta". "Num concelho com risco muito elevado será ainda mais difícil gerir a situação. Será muito difícil muito difícil continuar a trabalhar", conclui.