Depois de Blackbird- A Despedida, de Roger Michell e ao mesmo tempo que Supernova, de Harry Macqueen, chega-nos outro filme sobre uma doença fatal, O Amigo de Sempre, de Gabriella Cowperthwaite, ficção baseada num artigo real no qual um jornalista conta a forma como perdeu a mulher para um cancro cruel e como o melhor amigo do casal foi o apoio constante em todo o processo de doença..O filme esteve presente na edição de 2019 do Festival de Toronto e dividiu público e crítica. Há quem o acusasse de "cancer-porn" na maneira sentimentalona como aborda o tema da doença, mas houve também quem o venerasse pela dureza da abordagem. E foi precisamente na metrópole de Ontário que o DN chegou à fala com dois dos protagonistas: Dakota Johnson, a vítima, e Jason Segel, o amigo inseparável e sem medo de acender a vela. Casey Affleck, o marido, não esteve presente. A atriz da saga 50 Sombras e o comediante das comédias de trintões estiveram juntos e em sintonia.."Se muitos pensavam que tínhamos de fazer terapia depois deste filme, eu já tinha consultas muito antes... Enfim, este é um filme que nos obriga a lidar com a nossa mortalidade e que nos obriga igualmente a enfrentar muita coisa. Mas, para ser honesto, senti-me muito revigorado e refrescado depois desta rodagem. É uma lição sobre acreditarmos na convicção das nossas ideias! Ensina-nos coisas como, por exemplo, ser melhor amigo. Se conseguirmos tentar imitar 10% dessa sensação já era muito bom", começa por quebrar o gelo Jason Segel, aqui num papel contraciclo daquilo que tem feito (foi em comédias como Os Marretas ou Um Azar do Caraças que ganhou notoriedade global). Por outro lado, Dakota garante que não ficou afetada por interpretar esta jovem mãe a definhar com um cancro terminal: "Antes pelo contrário, senti-me edificada! Foi um papel que me deixou curvada de maneira muito saudável. Fez-me querer ser mais vulnerável e estar mais ligada às pessoas. Our Friend é um filme que reforçou a minha maneira de estar na vida e a aprender a amar o outro". Segue-se um silêncio que não é bem desconfortável mas que é grave. Jason ouve a colega e fica sem o seu habitual sorriso brincalhão..Para a filha de Don Johnson e Melanie Griffith este melodrama é uma tentativa de mostrar à indústria que não quer ser vista como um mero "símbolo sexual", sobretudo após a trilogia das sombras de Grey. Ao aceitar dar vida a esta mulher em rota para a morte aceitou também mudança total da sua imagem: o papel pedia perda de peso, olheiras e perda de cabelo. Trata-se de uma Dakota longe daquilo que se conhecia, embora a atriz reconheça que não quis fazer composição pura e dura, sobretudo porque a personagem que interpreta era real, a mulher do autor do artigo que inspirou esta história. "Gostei muito de interpretar esta mulher. Uma mulher autêntica que não finge nada, muito honesta...", revela. Mas terá sido tão doloroso como parece? "Não e também não me custou ver daquela maneira. É preciso não esquecer que todos os dias olho-me para o espelho sem maquilhagem. Seja como for, quando me vejo num filme é sempre uma sensação estranha, prefiro sempre olhar para os outros. Não sei se voltarei a ver este filme... Tento sempre resistir ao meu trabalho, penso sempre que poderia ter feito melhor", responde de forma tímida. Aliás, Dakota fala baixíssimo e sempre a exibir um sorriso algo triste. É realmente daqueles casos que ao vivo se apaga....Jason Segel pega no mesmo tema: "mas todos nós temos problemas quando ouvimos uma gravação da nossa voz, pensamos sempre que estamos a ser idiotas ou coisa do género. Muitos atores ficam sempre com a sensação de que tudo o que fazem é errado...A imagem que fazemos de nós próprios não corresponde à nossa verdadeira imagem. No meu caso tenho sorte: a imagem que faço de mim é bastante pior que a minha verdadeira imagem. Quando me vejo num cinema fico sempre aliviado: sinto-me sempre mais cool, até me acho bonito!!". Mais a sério, Dakota prossegue: "Mesmo assim, estou orgulhosa do meu trabalho e daquilo que tenho feito nesta indústria. Sinto sempre que um ator não tem muito controlo do seu trabalho. Sinto muito orgulho deste filme e nos últimos anos tenho tido muita sorte ao encontrar filmes que têm falado profundamente ao meu coração. Fazer este filme não foi nada fácil..."..Curiosamente, a personagem de Jason tem momentos em que experimenta o humor stand-up. Para um ator conotado com a comédia, o ângulo da abordagem foi bastante concreto: "Quis que este tipo tivesse piadas medíocres! Essas piadas foram escritas por mim e quando vi o filme com público isso foi doloroso e eu nunca me sinto mal a ver-me... Agora a sério, divertimo-nos muito com essa cena". "Sim, mas ficaste um pouco em pânico", lembra Dakota. Jason dá-lhe razão e revela que teve um momento em que não conseguiu parar de rir. Rica ironia de um melodrama que é feito para não nos fazer parar de chorar. Por falar em chorar, há uma cena em que a personagem de Dakota canta. Para a atriz esse foi o momento catártico: "De repente, percebi que o meu maior pavor é cantar em público e não consegui. Chegou a cena e bloqueei. O meu corpo parou. Resultado: fugir. Depois deu-me para rir e acabei a chorar. Enfim, hilariante... Foi um autêntico ataque de pânico, entrei num blackout". Jason confirma: "Ela foi parar à rua, fugiu mesmo!". "Antes de conseguir controlar o meu corpo os meus pés tomaram conta de mim e tinha um professor de canto e tudo!", segreda. Fará se não tivesse....Nesta fase de apagar a imagem de namorada de Mr. Grey, Dakota vai estar em breve em destaque em The Lost Daughter, a adaptação de A Filha Perdida, de Elena Ferrante, por Maggie Gyllenhaal, onde contracena com a grande Olivia Colman. Aos poucos, está mesmo a conseguir cortar com uma certa imagem....Por seu turno, Jason também parece querer mostrar versatilidade: está quase a chegar The Sky is Everywhere, de Josephine Decker, pequeno filme "indie" para dar pontos de prestígio. Os seus dias de comédia podem ficar em "stand-by"..dnot@dn.pt