Tancos. Autoridades espanholas surpreendidas com ligações à ETA

Suspeitos do assalto terão dito ao MP que a encomenda tinha vindo de um grupo espanhol com ligações à ETA, organização terrorista que já tinha anunciado o fim da sua atividade na altura do roubo. Em entrevista, o analista Diogo Noivo considera mesmo "pouco plausível".
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As autoridades espanholas ficaram surpreendidas com a notícia de que o assalto a Tancos possa ter sido encomendado por um grupo ligado à organização terrorista ETA, ou por possíveis dissidentes mais radicais descontentes com a decisão de dissolução do grupo, anunciada oficialmente em abril deste ano. E pediram esclarecimentos a Portugal.

Pelo menos um dos suspeitos terá confessado aos procuradores do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), que dirigem esta investigação, que o furto terá tido aquela origem. Terá sido esta revelação que levou o Ministério Público (MP) a manter o crime de terrorismo internacional, a par de tráfico de armas e estupefacientes, em relação aos nove detidos desta semana.

Isto apesar de o juiz de instrução só ter mantido essa indiciação em relação, apenas, a um dos cinco a quem decretou prisão preventiva: o ex-militar (que tinha ingressado neste ano na GNR) e que na altura do roubo prestava serviço, como furriel contratado pelo Exército, e que terá dado aos ladrões as informações sobre como quebrar a segurança dos paióis.

O MP e a Polícia Judiciária estão a investigar a pista da possível ligação à ETA, embora sem terem ainda provas consistentes. Terá também sido pedida informação a Espanha, através de uma carta rogatória. No entanto, segundo assinalaram ao DN fontes que acompanham esta matéria em ambos os países, as autoridades espanholas "não tinham, até esse momento, indicações de atividade de grupos ligados, direta ou indiretamente, à ETA". A ser verdade, afiançam: "Portugal terá dado um contributo valioso à segurança espanhola, alertando para um risco que estaria, ao que se sabe, fora dos radares das polícias e dos serviços de informações."

Os paióis de Tancos foram assaltados na noite de 28 de junho de 2017. Foram furtadas munições de 9mm, granadas, explosivos, lança-foguetes. Em outubro, a Polícia Judiciária Militar (PJM) anunciou a recuperação do material, com exceção das munições - uma operação que o MP alega ter sido encenada com um dos suspeitos do roubo e que levou à detenção desse arguido, de militares da GNR e da PJM, incluindo o diretor desta polícia, que está em prisão preventiva desde setembro.

Encomenda "pouco plausível"

Diogo Noivo, analista de risco político, perito em terrorismo basco e mestre em Segurança e Defesa pela Universidade de Madrid que tem investigado a atividade da ETA nos últimos anos, mostra-se também renitente em relação a esta ligação e considera, em entrevista ao DN, "pouco plausível" que tenha sido a origem da encomenda do assalto.

É provável que o roubo em Tancos fosse feito a pedido da ETA?

No momento em que ocorre o roubo em Tancos a ETA estava embrenhada num debate interno sobre como dissolver a organização sem perder a face no plano político. Foram cerca de quatro décadas de violência sem conseguir nenhum dos objetivos a que se propunha. Note-se que o debate era como dissolver a organização e não se se devia ou não pôr fim à ETA. É pouco plausível que a ETA tenha encomendado o roubo em Tancos.

Pode haver elementos dissidentes, mais radicais, descontentes com o fim da atividade que quisessem ainda fazer alguns atentados?

Não é invulgar que no momento em que uma organização terrorista assume a sua dissolução uma parte da militância, insatisfeita com a decisão, opte por criar grupos que deem continuidade à violência. Foi o que sucedeu no caso do IRA, organização com a qual a ETA tinha fortes laços. Não há, porém, qualquer notícia de que isto tenha acontecido no caso basco.

Até agora os detidos estavam referenciados apenas pelo tráfico de droga e de armas. Havia ligações entre a ETA e este género de grupos de crime organizado?

Eram várias as ligações da ETA a outras formas de crime organizado. Com o tráfico de droga, a organização teve uma relação dúplice: assassinou três dezenas de traficantes porque estes "corrompiam a juventude basca", mas o consumo de haxixe na organização era normal, sobretudo por parte dos militantes mais jovens e de alguns dirigentes. Além do mais, importa lembrar que existiram contactos entre a ETA e as FARC colombianas.

Qual poderia ser a utilização do tipo de material que foi roubado?

Assassínios seletivos, roubos e atentados bombistas, práticas comuns na história da ETA. Contudo, e vale o que vale, o tipo de material roubado em Tancos não corresponde exatamente ao tipo de material habitualmente usado pelo terrorismo etarra.

Além de eventuais grupos de dissidentes da ETA, haverá outros grupos em Espanha que poderiam ter interesse neste material?

Em Espanha, como em qualquer país, há várias formas de crime organizado e, como tal, existe mercado para este tipo de material. A título de exemplo, recorde-se que os terroristas responsáveis pelos atentados de 11 de março de 2004, em Madrid, adquiriram explosivos através de um grupo asturiano de traficantes de estupefacientes, gente sem relação ou compromisso com atividade jihadista.

Há ligações conhecidas entre operacionais mais radicais em Espanha e grupos criminosos em Portugal?

O crime organizado é transfronteiriço. São conhecidos casos de associação - pontual ou estratégica - entre crime organizado em Portugal e em Espanha. No caso da ETA, essa ligação também existiu, embora seja um lado da história pouco estudado.

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