Na campanha para as presidenciais ucranianas, Volodymyr Zelensky foi acusado de ser tão inexperiente que não teria capacidade de fazer frente à Rússia. Na tomada de posse nesta segunda-feira, o ex-humorista defendeu que a sua primeira prioridade é conseguir um cessar-fogo em Donbass, controlada por separatistas pró-russos, e recuperar a Crimeia, anexada por Moscovo em 2014, mostrando-se "disposto a tudo" até a "perder a minha popularidade e o meu cargo para restabelecer a paz"..Mas afinal qual é a relação de Zelensky - que por falta de apoio no Parlamento anunciou a convocação de legislativas antecipadas logo no discurso da posse - com a Rússia do veterano Vladimir Putin? Ainda na campanha, questionado por um jornalista da RBC sobre se este era um inimigo, o candidato de 41 anos respondeu: "É claro que é." E num debate com Porochenko lembrou que nunca tinha falado com o presidente russo na vida, lembrando que o mesmo não podia dizer-se do adversário.."Putin sonha com um presidente ucraniano fraco, flexível, tenro, sorridente, inexperiente, ideologicamente amorfo e politicamente indeciso. Será que vamos realmente dar-lhe essa oportunidade", lançou o adversário de Zelensky, Petro Porochenko, que nos últimos cinco anos foi uma pedra no sapato dos russos e se apresentava à reeleição como o único capaz de fazer frente a Moscovo..Quando Zelensky foi eleito presidente há um mês, numa segunda volta em que teve mais de 70% dos votos, o primeiro-ministro russo, Dmitri Medvedev, disse esperar que os dois países pudessem embarcar num diálogo construtivo, apesar da retórica anti-Rússia do futuro chefe de Estado..Qualquer negociação, disse Zelensky no discurso da tomada de posse, tem de começar com o regresso dos prisioneiros de guerra ucranianos que foram capturados. Nos últimos cinco anos, um conflito na região de Donbass esteve na origem de quase 13 mil mortos. Kiev e o Ocidente (incluindo União Europeia e EUA unidos nas sanções contra Moscovo) acusam a Rússia de apoiar os separatistas pró-russos, mas o Kremlin nega-o..No início de 2015, foram assinados os acordos de Minsk, que reduziram os combates mas não acabaram com o conflito nem permitiram uma solução política para o problema..O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, disse nesta sexta-feira que Putin espera "os primeiros sucessos nas normalizações das relações entre a Ucrânia e a Rússia" para o felicitar pelo cargo. Putin já não tinha congratulado Zelensky pela eleição. E tinha lançado desafios à Ucrânia. O presidente da Rússia decidiu facilitar a obtenção da cidadania russa por parte dos ucranianos que vivem no leste do país, nas mãos dos separatistas pró-russos..Zelansky respondeu no Facebook dizendo que as autoridades russas não deviam "perder o seu tempo a tentar seduzir os cidadãos ucranianos com passaportes russos". Acreditando que ainda possa haver alguns "sob a influência da propaganda" ou que "o farão em nome do dinheiro ou a tentar fugir a investigações criminais", o presidente eleito disse que podia dar a Putin "uma lista de cidadãos ucranianos que em breve vão considerar muito desconfortável viver num país que roubaram cinicamente, abusando dos seus cargos"..Depois, continuou o ataque à Rússia: "Estamos bem cientes do que um passaporte russo garante. O direito a ser detido num protesto pacífico. O direito a não ter eleições livres e justas. O direito a esquecer completamente os direitos humanos e as liberdades." Pelo contrário, disse que a cidadania ucraniana significava liberdade, dignidade e honra, acrescentando que estava disponível para garantir "asilo e assistência a qualquer um" que "sofra às mãos de regimes autoritários e corruptos", a começar pelos russos..Putin respondeu: "Se na Ucrânia começarem a distribuir passaportes aos russos e na Rússia nós distribuímos aos ucranianos, então, mais cedo ou mais tarde, vamos chegar ao resultado esperado: todos teremos a mesma cidadania.".Apesar dos ataques à Rússia, na mesma declaração que partilhou também em russo nas redes sociais, Zelensky defendeu que era o tempo de negociar, esperando que Putin também esteja disposto a isso. "Espero que a Rússia esteja mais inclinada a falar do que a disparar.".Noutra ocasião, Zelensky falou da relação entre Ucrânia e Rússia e o que tinham em comum os dois países. "Depois da anexação da Crimeia e da agressão em Donbass, só há uma coisa em comum - a fronteira. 2295 quilómetros e 400 metros em comum. E a Rússia deve devolver o controlo de cada milímetro do lado ucraniano. Só depois podemos procurar as coisas em comum", escreveu no Facebook..Na realidade, ainda não são claros quais são os planos de Zelensky em matéria de política internacional, nomeadamente no que diz respeito à Rússia. Certo é que disse que para recuperar os "territórios perdidos" estava disposto a tudo. "Posso assegurar que estou disposto a tudo para que os nossos heróis não continuem a morrer. Não tenho medo de tomar decisões complexas. Estou disposto a perder a minha popularidade e, se for necessário, o meu cargo para estabelecer a paz", declarou..Apesar do que Porochenko dizia, a inexperiência de Zelensky não significa que se vá tornar uma "marioneta" dos russos. Além de exigir que Moscovo entregue o controlo da Crimeia e deixe de apoiar os separatistas em Donbass, Zelensky diz ainda que vai continuar o caminho de integração da Ucrânia na Europa, incluindo uma adesão à União Europeia e à NATO..Outra prioridade de Zelensky é a luta contra a corrupção - foram as suas promessas neste sentido que atraíram muitos eleitores. "A corrupção enfraquece o Estado ucraniano e a Rússia explora isso. Se Zelensky puder travar a corrupção, incluindo a influência política externa dos oligarcas do país, vai cortar o nível de influência da Rússia", escreveu um ex-embaixador dos EUA na Ucrânia, Steven Pifer, num artigo no The Washington Post. "Putin e o Kremlin dificilmente querem como vizinho uma Ucrânia que derrotou a corrupção e expandiu a economia ao mesmo tempo que cumpriu com as normas democráticas; isso pode levar os russos a questionar o seu próprio sistema."