Com uma lareira de design contemporâneo e uma pintura religiosa atrás de si, e ao lado uma mesa com um bule de chá, o tradicional bolo de Páscoa eslavo (kulich) e ovos pintados, Putin disse que "este ano a Páscoa é celebrada com restrições forçadas".."Todos os níveis de poder estão a trabalhar em bom ritmo, de forma organizada e responsável. A situação está sob controlo total. A nossa sociedade está unida diante de uma ameaça comum", declarou numa mensagem de vídeo no dia em que o país comemorava a Páscoa Ortodoxa..Uma semana antes o homem que lidera a Rússia há 20 anos, como presidente ou como primeiro-ministro, criticara o "desleixo" da gestão de governadores e disse que o país não tinha motivos para se gabar..Apesar da mensagem de otimismo, a Rússia registou nesse dia um recorde de novos doentes com covid-19, bem como de mortos: foram 6 060 novos infetados e 48 mortos. Uma tendência que tem estado a agravar-se: no espaço de cinco dias o número total de casos e de óbitos duplicou, no primeiro de 21 102 para 42 853, no segundo de 170 para 361..Moscovo é o epicentro da pandemia na Rússia. A capital teve até agora 26 350 infetados em 47 121 casos..As autoridades relacionam o aumento de casos ao maior número de testes que se realizam agora em todo o país..Putin disse que a Rússia tem capacidade para superar a pandemia. "Uma economia saudável, forte, potencial científico, o material necessário e uma base altamente profissional no campo da saúde", elogiou.."Nós analisamos cuidadosamente a experiência de outros países, interagimos ativamente com nossos amigos e colegas estrangeiros, entendemos o que está acontecendo, vemos os riscos, sabemos o que precisa ser feito e fazemos o que é necessário", completou..O presidente russo admitiu que a luta contra o covid-19 requer recursos e reservas adicionais, mas ressaltou que o país os tem e os usa para ajudar as pessoas que "agora estão em uma situação difícil"..O pior está para chegar.No dia seguinte, a mensagem foi menos otimista. Numa videoconferência com especialistas e o ministro da Saúde Mikhail Murashko sobre a epidemia, Putin disse que o covid-19 disseminou-se "em todas as 85 regiões da federação" (na contagem inclui a Crimeia e a cidade federal de Sebastopol, anexadas à Ucrânia) e reconheceu que o pior ainda está para vir. "Segundo os peritos, vós e os vossos colegas, o pico da doença ainda está para chegar. E agora precisamos de fazer tudo para suavizar este pico, encurtar o período de tempo para chegarmos ao chamado planalto", disse..No dia em que Putin diz ser necessário usar todas as armas disponíveis, em Vladikavkaz, no Cáucaso Norte, realizou-se uma manifestação contra as medidas de confinamento..Além de criticarem a política de saúde pública pelas consequências económicas, os manifestantes apelaram também para a libertação do ativista Vadim Cheldiyev e exigiram a demissão do líder da Ossétia do Norte, Vyacheslav Bitarov..Cheldiyev, um antigo cantor de ópera que se tornou líder dos negacionistas do coronavírus, foi detido na semana passada por ter difundido que a doença não representava uma ameaça real para a saúde em vídeos que publicou online. Também criticou Bitarov e instou os ossetas a protestar contra as medidas de quarentena..Esta manifestação vem ao encontro de receios de que os russos não sigam as indicações das autoridades. Quando Putin anunciou o adiamento do referendo constitucional e concedeu uma semana de feriado, multidões aproveitaram o bom tempo para conviver nas ruas e nos parques, enquanto muitos outros saíram das cidades e foram para o campo, tendo disseminado o vírus..Para o epidemiologista Vasiliy Vlassov, da Escola Superior de Economia de Moscovo, "a resposta não foi adequada desde o início", disse ao Vox..As pessoas não respeitaram os conselhos de distanciamento social porque não foram obrigadas pelo Estado. "Isto é porque as pessoas habituaram-se de facto a serem obrigados desde a época soviética. Se ninguém é forçado, então não pode ser assim tão grave", explica Vlassov..O Kremlin acabou por endurecer as medidas, ao estabelecer que quem viole as medidas de confinamento arrisca uma pena de prisão até sete anos..Uma sondagem recente oferece outras conclusões, com 77% dos inquiridos a admitirem ter medo de serem infetados com o coronavírus. .Nas sombras.Se Vladimir Putin saiu nos últimos dias a terreiro para enfrentar a situação, o mesmo não se pode dizer das primeiras semanas de combate ao covid-19. Esse papel coube principalmente ao presidente da Câmara de Moscovo, Sergei Sobyanin, e ao novo primeiro-ministro, Mikhail Mishustin. Mas quando o autarca, um aliado de Putin, desabafou que "ninguém sabe o verdadeiro panorama" e que "na realidade há muito mais pessoas infetadas", o presidente, que cumpriu um período de quarentena após ter estado em contacto com um médico infetado, arregaçou as mangas..A Rússia não esteve na última linha nas medidas: fechou a sua fronteira terrestre com a China em janeiro, um mês depois de Pequim ter notificado a Organização Mundial de Saúde sobre um novo vírus; em meados de março proibiu a entrada no país a todos os estrangeiros até 1 de maio, ao mesmo tempo que exigiu uma quarentena de 14 dias para os residentes que regressavam à Rússia. As escolas encerraram em todo o país, enquanto as autoridades de Moscovo proibiram a concentração de mais de 50 pessoas..Ainda na mais recente presença na TV, Putin anunciou que o país irá ter capacidade para produzir 3,5 milhões de máscaras por dia, a qual num futuro não especificado irá aumentar para 7,5 milhões, informa a agência Tass. Até lá, o líder russo conta com "os amigos chineses" para suprir as necessidades, tendo dito que o país recebeu da China 150 milhões de máscaras através de vários canais..Disse também ao ministro da Saúde para avançar com todos os meios necessários para se avançar com uma vacina do coronavírus. .Prova da gravidade do covid-19, Vladimir Putin viu-se forçado na semana passada a adiar a adiar a parada militar de comemoração do 75.º aniversário da vitória soviética sobre os nazis, na Segunda Guerra Mundial, no dia 9 de maio. .No entanto, a medida pode ter sido tardia para um número indeterminado de soldados. Cerca de 15 mil participaram nos ensaios e vão agora entrar em quarantena, segundo o The Guardian . .Ao ser confrontado com esse ajuntamento, ao arrepio das normas de distanciamento social em vigor, o porta-voz do Kremlin Dmitri Peskov minimizou a situação, ao dizer que as forças armadas têm "um regime de isolamento completamente diferente que lhes permite maior liberdade de movimento"..Exército na cartola.Vladimir Putin tem ainda na cartola um coelho para usar, caso a situação se agrave ao ponto de surtos como os ocorridos na Lombardia ou em Nova Iorque: o exército..Em março, nove aviões de carga aterraram em Itália com material e cem especialistas em guerra biológica. Uma iniciativa tão aplaudida pelo primeiro-ministro Giuseppe Conte como criticada por observadores. .Independentente das análises geopolíticas em relação à iniciativa (que Putin explicou na segunda-feira "que não se trata de um jogo de sentido único" porque a Rússia abastece-se de sensores de pressão italianos, necessários para os ventiladores produzidos pelos russos), esta pode ser replicada em grande escala..A Direção Médica Militar do Ministério da Defesa conta com cem mil especialistas, 23 mil médicos espalhados por 70 complexos militares. O próprio presidente já anunciara a hipótese, quando disse: "Tenham presente que todas as possibilidades, incluindo as capacidades do Ministério da Defesa da Federação Russa, podem e devem ser utilizadas neste contexto, se necessário, como é óbvio.".Nesse cenário, no qual seria declarado estado de emergência, Putin teria de declarar um comandante para cada região intervencionada.