"A confusão maior foi à entrada e à saída da escola, por causa dos pais. Lá dentro, correu tudo bem"

No dia em que Portugal registou 770 novos casos de covid-19 e dez mortes, choveu e a maioria dos alunos portugueses regressaram às aulas. Na segunda-feira, falámos com pais e estudantes sobre o que esperavam deste novo e estranho ano. Voltámos a falar com eles para saber como correram os primeiros dias de aulas. E percebemos que o pior foi mesmo à entrada.

A cena repetiu-se um pouco por todo o país. As entradas das escolas cheias de miúdos, sobretudo nas escolas básicas, onde é mais comum que os pais acompanhem os filhos à escola. O tempo não ajudou, com a chuva a não dar tréguas da parte da manhã, assim como o facto de grande parte dos estabelecimentos de ensino ter apenas uma entrada a funcionar e um assistente operacional à porta a desinfetar as mãos de cada aluno que entrava. E nem os horários desfasados impediram que as filas crescessem.

"Ontem [quarta-feira] havia uma fila enorme para entrar, mas hoje [quinta-feira] foi ainda mais complicado porque estava a chover. Os 15 minutos inflexíveis para entrar, entre as 09.00 e as 09.15, demoraram um pouco mais, até porque está uma funcionária à porta a desinfetar as mãos dos meninos. Hoje, com a chuva, a senhora não tinha mãos que chegassem para o guarda-chuva, o desinfetante e os recados a dar aos pais. Claramente, naquele momento justificava-se que estivessem duas funcionárias a receber as crianças", diz Patrícia Valente, mãe de Maria João, que teve na quarta-feira o seu primeiro dia de aulas, no primeiro ano, na Escola Básica Feliciano Oleiro, em Almada.

A mãe e o pai, que às 09.00 em ponto estavam com ela à porta da escola, descrevem uma fila enorme de pais e filhos à espera para entregar as crianças. "Acho que a fila era grande porque era o primeiro dia e os dois pais queriam estar presentes e hoje agravou-se por causa da chuva", diz Patrícia, que considera que a escola está a fazer o que pode e é necessário para garantir as condições de segurança e a normalidade possível.

"A confusão maior foi à entrada e à saída, por causa dos pais. Lá dentro, correu tudo bem, segundo percebi do que consegui que a Maria João contasse e do que falei com outros pais. Também falei com amigos meus que são professores e me dizem que está tudo mais que organizado, que estão todos empenhados em cumprir e fazer cumprir as medidas sanitárias e que a última coisa que querem é que as escolas fechem porque o ensino à distância significa o triplo de trabalho", diz Patrícia, que sobre o primeiro dia de aulas da filha tem o feedback que é possível obter de uma criança de 6 anos, ainda que faladora.

Apesar de Maria João estar no primeiro ano, em que não é obrigatório o uso de máscara, a professora recomenda-a e os pais garantiram que a levava posta, mas ao fim do dia, o equipamento de proteção ficou perdido algures e Maria João nem se lembrava que o tinha levado.

"Ela está superfeliz, apesar de ter dito que só brincou com os amigos da turma e que não pôde partilhar nada e que estiveram a ver um filme sobre a covid-19", diz a mãe, a quem parece estar tudo a correr de acordo com o que foi transmitido na reunião de pais. "Sei que foram contratados mais funcionários e que a escola está a fazer o que pode. Eu, por enquanto, estou tranquila e a Maria João está muito entusiasmada. Até se deita mais cedo, às nove, porque, diz ela, no dia a seguir há escola. E de manhã nem é preciso acordá-la."

Marta Rodrigues, 13 anos, que na quarta-feira teve o seu primeiro dia de aulas na EB 2+3 Luís de Camões, em Lisboa, confirmou nestes dois dias o que na segunda-feira disse ao DN: não foi fácil manter o distanciamento no reencontro.

"Não foi só para nós, para alguns professores, que são mais queridos, também foi difícil. Apetecia-lhes dar-nos um abraço, como nós a eles, apesar de sabermos que não podemos", diz Marta, que confessa que antes de entrarem na escola muitos alunos aproveitaram para pôr a conversa em dia, nem todos com máscara posta.

Lá dentro, a conversa foi outra. Além de a maioria ter respeitado as medidas impostas, a escola comprou mesas individuais para cada aluno, que passou a ter um lugar fixo, por ordem, para, explica a aluna, "no caso de alguém ficar infetado, ser mais fácil identificar quem estava mais perto, para testar também e quebrar as cadeias de transmissão".

Muito orgulhosa da forma como a sua escola se organizou, seja na elaboração dos horários, desfasados, na divisão dos espaços do recreio ou no fornecimento de três máscaras reutilizáveis com o logótipo da escola - "o que é muito importante, porque nem todos os alunos têm dinheiro para comprar uma máscara todos os dias" -, Marta acha que os dois primeiros dias correram bem, mas tem consciência de que não vai ser um ano fácil.

"Os primeiros tempos vão ser complicados, porque as pessoas da minha idade acham que não são tão vulneráveis ao vírus e por isso nem sempre têm todos os cuidados que deviam ter. Eu até percebo, mas, por exemplo, eu tenho medo de passar aos meus pais ou aos meus avós e ninguém sabe como vai reagir à doença, por isso é importante respeitar as regras", diz.

Leonor, 5 anos, e Mariana, 9, começaram hoje as aulas no agrupamento de escolas de Vagos, em Aveiro. A primeira no pré-escolar, a segunda no 4.º ano. A mãe Joana, que na segunda-feira mostrava preocupação com o exagero de algumas medidas, hoje afirma-se satisfeita com as "regras impostas e a normalidade que as escolas estão a tentar manter, apesar destas".

"A mais nova contou que estava tudo igual, passavam era mais tempo sentados, mas no recreio podiam brincar à vontade. A educadora explicou-lhes que não podiam dar abraços nem beijinhos. A mais velha também disse que estava tudo normal, só mudaram a disposição das carteiras, que passaram a ser todas viradas para o quadro e dentro da sala têm de usar máscara", conta Joana, que diz que a maior confusão aconteceu na entrada para a escola.

"Creio que foi mais provocada pelos pais, que tentaram contornar as regras e entrar com os filhos, do que pelo sistema implementado pela escola, mas penso que também tem que ver com o facto de ser o primeiro dia. Isto é uma aprendizagem para todos nós e a cada dia irá melhorar, à medida que as pessoas se forem habituando e adaptando."

Elsa Dias e Catarina Martins, mãe e filha, esta a frequentar o 11.º ano da Escola Secundária Fernão Mendes Pinto, em Almada, partilham uma preocupação, que este primeiro dia de aulas aumentou: como é que vai ser nos dias de chuva, com uma série de miúdos em fila, que quase dá a volta à escola para entrar? "Vejo a escola da minha janela e de manhã, quando o André foi para as aulas, espreitei e a fila de miúdos dava a volta ao muro. À chuva! As máscaras molhadas não são grande proteção", diz Elsa, secundada pela filha, que, apesar de achar que a sua escola está muito bem organizada e "cheia de álcool-gel e desinfetante por todo o lado", considera que apenas uma funcionária a desinfetar as mãos de cada aluno que entra "não ajuda a diminuir o número de miúdos acumulados à porta da escola".

De resto, com setas no chão, os intervalos todos (à exceção do de dez minutos) passados dentro da sala, secretárias desinfetadas depois de cada utilização e máscaras sempre postas, tirando quando se está a comer ou a beber água, entre outras medidas sanitárias, Catarina pensa que vai correr bem.

"Hoje correu bem. Vai ser difícil de aguentar passar quase a tarde inteira dentro da sala, com a máscara, mal podemos falar uns com os outros, mas desde que seja isso que é preciso para não voltar para casa, eu aguento."

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