É possível manipular o sorteio de juízes? Sim, mas fica tudo registado

Como funciona o sistema que distribui os processos pelos juízes? Que critérios estão na base desse sorteio? A resposta a esta e a outras questões levantadas pelas declarações do magistrado Carlos Alexandre.
Publicado a
Atualizado a

O juiz Carlos Alexandre, numa entrevista à RTP, lança suspeitas sobre a distribuição do processo Operação Marquês, deixando implícito que pode ter havido manipulação do sorteio que atribuiu a instrução do caso ao juiz Ivo Rosa. O DN falou com um perito informático, sob anonimato, que esteve envolvido na criação do sistema informático que atribui os processos aos juízes. E que afirma ser possível manipular o Citius, embora fique tudo registado através da pegada informática.

Dada a gravidade das declarações de Carlos Alexandre, o Conselho Superior da Magistratura anunciou que vai abrir um inquérito que, apurou o DN, visa disciplinarmente o juiz, ao mesmo tempo que fará uma espécie de auditoria ao sistema informático no sentido de apurar da sua fiabilidade.

Carlos Alexandre, o juiz do Tribunal Central de Investigação Criminal que decretou a prisão preventiva do ex-primeiro-ministro José Sócrates, diz que o sorteio de atribuição do processo não é 100% aleatório: "Há uma aleatoriedade que pode ser maior ou menor consoante o número de processos de diferença que exista entre mais do que um juiz."

Como é feita a distribuição de processos?

A distribuição dos atos processuais realiza-se diariamente e de forma automática, através de um sistema informático. O Citius assegura que a distribuição seja feita duas vezes por dia, às 9 e às 16 horas. Esta distribuição informática não impede que se proceda a uma classificação manual prévia dos processos quando tal classificação não seja efetuada de forma automática. No caso da Operação Marquês, em fase de instrução, o processo só poderia ser atribuído a Carlos Alexandre ou a Ivo Rosa, os dois juízes do Tribunal Central de Instrução Criminal. O sorteio ditou que seja Ivo Rosa a decidir que o processo que tem José Sócrates como principal arguido vai a julgamento.

O sistema escolhe o nome dos juízes?

O sistema diz que juiz irá ficar com cada processo e essa escolha é aleatória, embora obedeça a determinados critérios. Ou seja, no caso da Operação Marquês, a probabilidade de sair um ou outro juiz não era 50-50.

Quais são os critérios para o sorteio?

O número de processos que cada juiz tem é tecnicamente designado como "peso" e "espécie": "Se se trata de um processo-crime ou cível e se dentro do crime se se trata de roubo ou homicídio. No caso do Tribunal Central de Instrução Criminal, conta também se é um processo em investigação ou em instrução", explica ao DN um dos peritos que estiveram na criação do Citius.

Quem define os critérios?

O peso de cada um dos parâmetros do chamado "algoritmo da distribuição" é definido pelos tribunais com o acordo dos juízes que os compõem, adianta ao DN a mesma fonte.

É possível manipular o sorteio?

De acordo com a fonte do DN, em teoria, é possível alterar o peso de cada critério e assim influenciar o resultado, mas também é possível confirmar se essa alteração foi feita através da pegada informática. No caso particular do Tribunal Central de Instrução Criminal, uma vez que tem menos processos e apenas dois juízes (Carlos Alexandre e Ivo Rosa), é simples verificar se houve alguma interferência na definição dos parâmetros.

Há queixas sobre atribuição de processos?

Formalmente, o Conselho Superior da Magistratura nunca recebeu queixas dos juízes. No entanto, em ocasiões informais, é um lamento repetido pelos juízes dos tribunais de primeira instância e da Relação, que se queixam de chegar a ter durante vários meses seguidos mais processos do que os restantes colegas de secção. Portanto, Carlos Alexandre não apresentou, até ao momento, queixa sobre a forma como foi distribuído o processo.

Quem está presente na atribuição de processos?

No Tribunal Central de Instrução Criminal, o sorteio é sempre supervisionado por um juiz, que ali está como garantia da legalidade. Em alguns tribunais cíveis a distribuição é feita automaticamente, pelo computador. A distribuição manual exige sempre a presença de um juiz.

Quem presidiu ao sorteio do processo Operação Marquês?

O sorteio que atribuiu a instrução da Operação Marquês ao juiz Ivo Rosa foi realizado a 28 de setembro. Apenas este magistrado esteve presente. Carlos Alexandre, conhecido por nunca faltar ao trabalho, terá metido folga para este dia. O resultado do sorteio foi ao encontro do pretendido pelos arguidos José Sócrates e Armando Vara, que queriam excluir o juiz Carlos Alexandre desta fase do processo.

O que diz o Conselho Superior da Magistratura sobre distribuição de processos?

O comunicado emitido nesta quarta-feira, depois de conhecidas as declarações de Carlos Alexandre a levantar dúvidas sobre a aleatoriedade da atribuição da Operação Marquês ao juiz Ivo Rosa, é claro: "De acordo com todos os elementos técnicos disponíveis, a distribuição eletrónica de processos é sempre aleatória, não equilibrando diariamente, nem em qualquer outro período temporal suscetível de ser conhecido antecipadamente, os processos distribuídos a cada juiz."

Quem gere e fiscaliza o sistema?

O Citius, o sistema informático do Ministério da Justiça, é gerido pelo Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt