Jaime Brito não esperou nem um semestre. Três meses depois de ter entrado na licenciatura de Comunicação Social, na Escola Superior de Tecnologia de Abrantes do Instituto Politécnico de Tomar, o jovem de 20 anos desistiu do ensino superior. Como ele há milhares no país, mas o número tem vindo a descer ao longo dos anos. Em 2013-2014, da totalidade de estudantes inscritos no primeiro ano, 10,8% tinham desistido até ao final dos dois semestres. Em 2017 (o último ano com dados disponíveis), foram 8,8%, segundo dados do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES). E há mais alunos a regressar ao superior depois de terem saído. O ministro Manuel Heitor acredita que "a melhoria dos sistemas de ação social é um fator crítico" na justificação da tendência..Natural de Câmara de Lobos, na Madeira, a decisão de mudar-se para o continente, em 2017, foi tudo menos simples. O jovem madeirense formou-se num colégio missionário, onde passou três anos que diz terem sido "de descoberta". Até ambicionou seguir Teologia, mas percebeu a tempo de decidir o seu futuro académico: "Não serviria para mim." Não tinha dúvidas de que queria estudar numa faculdade e preferiu "algo relacionado com desporto, como jornalismo desportivo". Por isso, arriscou a vida pacata na ilha - da qual nunca pensou desfazer-se - por uma aventura no continente, onde ingressou no curso de Comunicação Social, em Abrantes..A experiência mal tinha começado quando Jaime estava a desistir. "Foi complicado. Adaptei-me bem [socialmente], mas não gostei do tipo de ensino do curso [muito teórico] e, como não tive direito a bolsa, não foi fácil suportar as despesas. Não valia estar a fazer o esforço por algo de que não estava a gostar", lamenta..Os principais motivos que conduzem ao abandono "estão relacionados com questões de adaptação e integração, embora [os alunos] refiram outras razões como a dificuldade em conciliar a vida profissional com o estudo, a necessidade de ingressar no mercado de trabalho e ainda motivos financeiros", explica o presidente do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP)..Mas a questão financeira é também o motivo que faz tantos ficar. O ministro Manuel Heitor atribui a responsabilidade destes números ao sistema de ação social atualmente em vigor, justificados pela "rapidez" do processo de atribuição de bolsas de estudo - desde o arranque do ano letivo, já há mais 11% das bolsas deferidas (23 190), relativamente ao mesmo período do ano transato (20 948). Mas também devido ao "aumento considerável das bolsas para o interior do país", do programa +Superior, lembrando que em 2015 eram mil e agora são cerca de 1500. "A ideia é chegarmos a 2022 com cerca de dois mil bolseiros no interior", frisa, em entrevista ao DN..Dados que, também segundo o presidente da Federação Académica do Porto (FAP), João Videira, mostram não só que "temos pessoas com menos possibilidades a frequentar o ensino superior, mas também que o ensino superior está a conseguir absorver estas pessoas"..O ministro acrescenta ainda que a diminuição de abandono no ensino superior se deve, em grande parte, à "consciência social coletiva de que o ensino superior cria emprego e melhores empregos". "Durante os últimos anos, foram criados cerca 400 mil postos de trabalho, metade dos quais com ensino superior. E hoje sabemos que são aqueles que, em média, têm um salário de sensivelmente o dobro daqueles que só detêm o ensino básico. Há uma consciência crescente e também uma exigência crescente dos empregadores para a existência de um diploma de ensino superior", remata..Mais alunos a voltar.Em 2018, o número de reingressos foi de 3082 e neste ano o ministério prevê que aumente em 20%, para um total de 3700. Algo que o presidente do CRUP, Fontainhas Fernandes, acredita ser o reflexo de medidas de apoio implementadas nos últimos anos. Na universidade que representa, a Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), por exemplo, foi criado um Observatório Permanente do Abandono e Promoção do Sucesso Escolar, que "permite intervir em casos de abandono escolar e implementar ações que se traduzam na melhoria dos indicadores de abandono e sucesso escolar na UTAD"..Elogia também a implementação de "programas de tutoria, projetos de mentoria e ainda a implementação de fundos de apoio social, ou seja, programas de apoio aos estudantes em situação de comprovado estado de necessidade económica" nas instituições de ensino superior, como mecanismo para alcançar dados de abandono cada vez menores..Mesmo Jaime pondera voltar a estudar. Em fevereiro deste ano, depois de ter passado meses "sem rumo", regressou ao continente. Vive e trabalha em Torres Vedras, num supermercado. "Depois de ter desistido de estudar e de me ter visto a ficar para trás, arrisquei e vim tentar a minha sorte, talvez voltar a estudar", conta. Se calhar, não numa universidade, mas sim "num curso profissional". Talvez regressar a paixões antigas: "Estou a pensar num curso de auxiliar de recuperação e fisioterapia, para poder estar ligado ao desporto.".Quase 10% mudam de curso.Segundo os dados do MCTES, em 2017, 19% dos estudantes abandonam a licenciatura onde ingressam após o primeiro ano. Destes, 8,8% desistiram do ensino superior e ainda 9,7% pediram transferência para outros cursos. É neste último núcleo que João Pedro Videira, presidente da Federação Académica do Porto (FAP), se revê..No ano letivo 2012-2013, ingressou em Engenharia Geotécnica e de Ambiente (no Instituto Superior de Engenharia do Instituto Politécnico do Porto), inspirado pela paixão antiga do próprio pai pela geologia. "Desde novo que o acompanhava aos fins de semanas nas suas expedições, desde o Gerês a Arouca. Ganhei também o gosto", recorda..Ao mesmo tempo, também desenvolveu "uma grande paixão pelo ramo da mecânica", curso no qual não teve média, inicialmente, para entrar. Apesar de o curso de Geotécnica estar "a corresponder às expectativas", João começou "a equacionar as opções profissionais de futuro e pediu a transferência para Engenharia Mecânica, em 2013-2014". Porque, considera, "um diploma de ensino superior em mecânica vale muito mais do que na área de engenharia geotécnica"..E reconhece que este é um processo normal no meio académico. Aliás, "há vários estudantes que ingressam no ensino superior para tentar entrar em qualquer que seja o curso para, ao final de um ano, tentarem mudar para aquele que querem e para o qual não tiveram média", conta.