"É uma ilusão pensar que a saída do quarto cliente de Portugal do nosso mercado interno não deixará de afetar as empresas e a economia portuguesa e afetará tanto mais quanto mais desordenada for essa saída.".A frase foi dita ontem, pelo primeiro-ministro, no final da reunião do Conselho de Ministros que aprovou o Plano de Preparação e de Contingência para a saída do Reino Unido da União Europeia..António Costa fez questão de ser - acompanhado do ministro dos Negócios Estrangeiros (MNE), Augusto Santos Silva - o porta-voz da reunião..O chefe do governo e o MNE quiseram sinalizar que os direitos já adquiridos pelos cerca de 400 mil portugueses residentes no Reino Unido estão "assegurados", bem como, num quadro de "reciprocidade", os direitos dos cerca de 24 mil ingleses residentes em Portugal. Os direitos, bem entendido, de todos os que se registarem até 29 de março, dia previsto, por ora, para consumação da saída do Reino Unido da União Europeia..Porém, o chefe do governo quis sublinhar os perigos - que já se fazem sentir mas que poderão agravar-se com uma saída desordenada - para a economia portuguesa, nomeadamente para as empresas que têm nas exportações para o Reino Unido uma fonte importante de receita (serão 2800, ao todo) ou para as empresas que vivam em Portugal assentes no turismo proveniente daquele país..Assim, foi acionada uma linha de crédito de 50 milhões de euros para as empresas portuguesas que exportam para o Reino Unido fazerem uma "diversificação" dos seus "canais de exportação". Além do mais, "no IAPMEI foi criado um mecanismo de atendimento específico para as pequenas e médias empresas que exportam para o Reino Unido e nas Lojas da Exportação da AICEP vai ser criado um balcão Brexit para as apoiar". E o governo tenciona ainda "lançar um programa específico de promoção turística de Portugal no Reino Unido para animar a continuidade do movimento turístico para Portugal, que neste ano já foi afetado devido à desvalorização da libra e que é essencial que não seja afetado pela sua saída"..Costa saiu do Conselho de Ministros e foi para o seu gabinete reunir-se com Michel Barnier, o francês que negociou em nome da UE o acordo do Brexit que na terça-feira o Parlamento britânico rejeitou. Barnier, por sua vez, nessa altura já se tinha reunido no Parlamento com os deputados da comissão de Assuntos Europeus e, depois do encontro com o chefe do governo português, foi para o Palácio de Belém, onde foi o convidado especial de mais uma reunião do Conselho de Estado convocada pelo Presidente da República..No Parlamento, perante os deputados portugueses, Barnier recusou abrir (ou fechar) a porta a um adiamento do Brexit (no próximo dia 29 de março o Reino Unido deixará de fazer parte da UE, segundo o calendário atualmente estipulado).."É necessário que haja decisões e não tempos suplementares", disse o francês, acrescentando que "por enquanto a questão [do adiamento] não foi apresentada." Para já, salientou, vive-se um "momento grave" - "não é business as usual" e "nunca foi tão elevado" o risco de, de facto, o Reino Unido ter uma saída "desordenada" (sem acordo) da UE..Saída desordenada? Uma "catástrofe...".Mais tarde, no Conselho de Estado, classificaria como uma "catástrofe" a hipótese de um "Brexit". O negociador - que respondeu a questões colocadas por todos os conselheiros de Estado - disse que basicamente a bola agora está do lado do Reino Unido: ou pede um adiamento da saída (marcada para 29 de março) ou encaminha-se mesmo para a saída desordenada. Segundo acrescentou, a UE pode estar "receptiva" ao adiamento mas tem de saber primeiro para quando e com que fundamentos..No Parlamento, pela manhã, Barnier havia dito, sobre a disponibilidade europeia para reabrir negociações, que as linhas vermelhas foram definidas pela parte britânica ("As linhas vermelhas são do Reino Unido, não são nossas") e acrescentou que se houver alteração nesse quadro, não será pela UE que as duas partes não voltarão a falar: "Se o Reino Unido mexer nas linhas vermelhas, nós mexemos, estamos prontos." "Estamos abertos para tornar mais fácil este diálogo", diria ainda, apontando para a relação futura entre o Reino Unido e o bloco europeu. Mas alertou também para o imperativo respeito pelos princípios da UE e para a "indivisibilidade" das quatro liberdades da União - livre circulação de pessoas, mercadorias, serviços e capital..Após a reunião em São Bento com o primeiro-ministro, o antigo comissário europeu foi para o Palácio de Belém. Antes de se iniciar a reunião do Conselho de Estado na qual participaria como convidado especial, o Presidente da República condecorou-o com a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique..Falando em francês, Marcelo Rebelo de Sousa justificou a escolha desta condecoração dizendo que "é um símbolo do caminho difícil percorrido por Michel Barnier para chegar a um acordo equilibrado, mas também da navegação que falta fazer para chegar a um porto seguro"..A reunião do Conselho de Estado durou cerca de três horas e, no final, o comunicado oficial limitou-se a informar que António Costa apresentou o Plano de Contingência preparado o Governo (algo que aconteceu no final do encontro). Faltaram o neurocirurgião António Damásio (que vive nos EUA) e o presidente do governo regional dos Açores, Miguel Albuquerque, que preferiu rumar ao Porto para participar na reunião do Conselho Nacional do PSD.