A morte repentina de três professores enquanto trabalhavam nos últimos meses fez soar os alarmes na Federação Nacional dos Professores (Fenprof). Numa conferência que decorreu no Porto, Mário Nogueira, secretário-geral da organização sindical, revelou que vai pedir ao Ministério Público (MP) que investigue as causas das mortes e, logo após o anúncio, chegou à Fenprof mais um caso: uma professora da Escola Básica e Secundária de Fajões (Oliveira de Azeméis) morreu recentemente enquanto corrigia testes de avaliação.."São pessoas que morrem a trabalhar. Perante tantos casos em tão pouco tempo, temos de perceber se é apenas coincidência ou se é mais do que isso", diz o dirigente ao DN, acrescentando que "provavelmente vão surgir mais" denúncias nos próximos dias. Para Mário Nogueira, é preciso "apurar os motivos das mortes", para determinar se podem estar relacionadas com "o desgaste, burnout, o facto de alguns colegas estarem a chegar ao limite"..Se a investigação provar que as quatro mortes não foram coincidência, "a Fenprof vai colocar uma ação contra o Estado português para que seja responsabilizado não só pelas mortes mas também pelo desgaste, a exaustão, o burnout a que chegou o corpo docente português"..Na conferência de imprensa em que fez a avaliação do ano letivo e o balanço da legislatura, o secretário-geral da Fenprof falou em três casos de mortes de professores enquanto trabalhavam. Em Manteigas, uma professora caiu fulminantemente para o lado durante uma aula. "Pode ser coincidência ou não, mas essa professora era titular de todas as turmas do 7.º ao 12.º anos de Inglês, seis níveis diferentes de preparação de aulas diariamente", disse o dirigente..No Fundão, outra professora apareceu "morta em cima do teclado do computador em pleno lançamento das notas" - uma docente que estava "a corrigir 60 provas aferidas, a lançar as notas dos seus alunos e a fazer vigilância de exames"..Em Odivelas, um "professor enviou por e-mail, cerca da 01.00, os dados pedidos pela escola. No outro dia não apareceu, a medicina legal concluiu que teria morrido por essa hora". A estes três casos junta-se o da professora de Oliveira de Azeméis, que terá morrido enquanto corrigia testes.."Temos o problema dos horários sobrecarregados, com todo o trabalho que é imposto de forma abusiva e ilegal", refere Mário Nogueira, lembrando que "os professores trabalham muito próximo das 50 horas semanais, sem tempo para descanso, para a família ou para o lazer". Há casos, prossegue, em que os docentes "entram em burnout, ficam de baixa e medicados, o que pode levar a casos mais extremos". "Temos de perceber se foi isso que aconteceu", sublinha..78% dos professores sofrem de exaustão emocional.As conclusões do inquérito nacional sobre as Condições de Vida e Trabalho na Educação em Portugal, coordenado pela investigadora Raquel Varela, da Universidade Nova, que envolveu cerca de 19 mil docentes, revelam que mais de três em cada quatro professores apresentam sinais de esgotamento emocional. "78% dos professores no ativo sofrem de exaustão emocional", diz ao DN a historiadora, destacando que 50% apresentam "exaustão emocional muito grave"..Lembrando que a síndrome de burnout já foi reconhecida pela Organização Mundial da Saúde, Raquel Varela considera que "este é um caso de saúde pública e deve ser tratado como tal".."Os professores estão em burnout por causa da organização do trabalho. É uma situação generalizada, com riscos muito sérios para a saúde e até para a vida deles", diz a coordenadora do estudo..Embora não conheça os casos referidos por Mário Nogueira, a investigadora considera que, de uma maneira geral, não é difícil provar que uma determinada morte pode estar relacionada com a exaustão provocada pelo trabalho. "O burnout pode causar doenças que provocam a morte", alerta..Uma das principais causas de burnout "é a sobrecarga de trabalho e há estudos que a relacionam diretamente com algumas doenças, nomeadamente cardíacas". Sabe-se, por exemplo, que "há uma relação íntima com a hipertensão - doenças que, no limite, podem levar à morte e necessariamente ao adoecimento"..Além do excesso de trabalho, Raquel Varela refere outras causas de esgotamento emocional nos professores: "Elevada burocracia, indisciplina dos alunos, hierarquias em vez de gestão democrática, falta de autonomia nos locais de trabalho e elevada competição." Tudo isto leva a que haja "falta de motivação para trabalhar, exaustão emocional e ausência de realização profissional"..Perante este cenário, há um número elevado de professores que se veem obrigados a deixar de trabalhar temporariamente. De acordo com a estimativa de Mário Nogueira, "o número de professores de baixa ao longo do ano [por todas as razões] situa-se entre os dez e os 12 mil", o que corresponde acerca de 10% do corpo docente, "constituído por 115 a 120 mil professores" (cem mil nos quadros e os restantes contratados). .Aproximadamente metade dos professores ao serviço têm pelo menos 50 anos e cerca de 15% têm 60 ou mais anos. "Há um grande número de professores na faixa de idades em que surgem mais doenças, muitas vezes incapacitantes. É o envelhecimento em cima da sobrecarga de trabalho", sublinha Mário Nogueira..Com Lusa