A eliminação do plástico é uma das maiores bandeiras na luta contra as alterações climáticas. Em alternativa, algumas cadeias de supermercados começam a substituir o material por papel, mas ainda há muitas situações para as quais o papel não é solução: na conservação de alimentos ou transporte de detergentes de roupa, por exemplo. Foi com esta preocupação em mente que duas equipas de investigadores portugueses decidiram encontrar soluções num laboratório. Os dois projetos que daqui resultaram são finalistas do European Social Innovation Competition 2019. O concurso da Comissão Europeia celebra a sua 7.ª edição com o tema "Challenging plastic waste" (em tradução livre, "Desafiando o desperdício de plástico")..Um spray comestível para conservar a comida.São diversos os produtos que podemos encontrar embalados em plástico durante uma ida ao supermercado: fruta, legumes, carne, queijo, entre outros. Mais difícil é encontrar aqueles que dispensam o plástico - tão amado quanto odiado - para a sua conservação. Por se tratar de um material extremamente poluente e de lenta degradação, embora tão popular, tem sido colocado no centro da luta contra as alterações climáticas. Mas será realmente possível idealizar uma alternativa ecológica para conservar alimentos? Uma equipa de quatro investigadores do Centro de Investigação de Montanhada, do Instituto Politécnico de Bragança, garante que sim. A solução, a qual designaram Spray Safe, é uma das finalistas da competição europeia, que conhecerá os três vencedores já no final do mês de outubro..A ideia começou a ser desenhada "há cerca de 20 anos", conta uma das fundadoras da iniciativa Isabel Ferreira, também diretora do centro de investigação de Bragança. Partindo de um estudo da composição química de plantas, os cientistas envolvidos na investigação descobriram, em determinadas amostras, características com capacidade conservante, antioxidante e antimicrobiana, com aplicabilidade na indústria alimentar..Quando aplicadas no produto, estes componentes 100% naturais são capazes de evitar processos de oxidação e o desenvolvimento de microrganismos, de forma a conservá-los. Entre eles o extrato de alecrim e polímero extraído das algas, ingrediente já frequentemente utilizado na indústria alimentar. Assim nasceu a fórmula da Spray Safe..Tal como o nome indica, foi desenvolvida em spray para uma maior facilidade na aplicação. Uma vez aplicado, substitui o papel do plástico na conservação dos alimentos. É incolor, "não tem sabor nem afeta o dos produtos", explica Isabel Ferreira, em entrevista ao DN. Até agora, já foi testado e validado em fiambre, mas pode ser aplicada em vários outros alimentos. O próximo objetivo da equipa de investigação é "dar início à aplicação em outros produtos cárneos e lácteos"..A medida "não só é ecológica como económica", acrescenta a cofundadora. A aplicação de spray nos alimentos em vez de películas de plástico poupa tempo e recursos às grandes produtoras de frescos. Embora a equipa se mantenha cética relativamente à total erradicação de plástico, num futuro próximo, e da sua substituição por este spray de extratos naturais. Não só por estarem conscientes de que existe "uma indústria do plástico alimentar bem estabelecida e interligada" como a tecnologia que desenvolvem ainda não ser aplicável a alimentos não sólidos..Mas a redução de plástico nos supermercados já é um compromisso português assinado no papel. Em abril deste ano, o Parlamento aprovou por unanimidade um projeto de lei do partido "Os Verdes" que proíbe a utilização de sacos de plástico, bem como cuvetes de esferovite (normalmente envolvidas em películas de plástico) na venda de pão, fruta e legumes, já a partir de 2020. Caso não cumpram com a medida, as empresas ficam sujeitas a uma coima..Além da área alimentar, conta Isabel Ferreira, a equipa pensa alargar a utilização do spray à indústria têxtil, para conservação de tecidos..Recargas domésticas amigas do ambiente.Há sete anos que a carreira de Pedro São Simão gira em torno da indústria de plásticos, mais propriamente numa empresa de transformação de plásticos. "Tinha a perceção que são um material extraordinário, mas que de alguma forma os estávamos a utilizar de forma incorreta", confessa o cofundador de um dos dois projetos portugueses finalistas do European Social Innovation Competition 2019. Não passa ao lado dos números: "a maioria dos plásticos (cerca de 40%) são hoje utilizados para embalagem de uso único, que normalmente tem um tempo de utilização muito reduzido - às vezes, meros segundos", denota. Na União Europeia, só em 2016, foram recolhidas 27,1 milhões de toneladas de plástico pós-consumo. Por isso mesmo, no início deste ano, Pedro decidiu integrar a luta contra o plástico através da criação de um sistema de entrega de recargas de produtos de lavandaria e cuidados domésticos, o qual designou ReFeel Good, juntamente com Luz Vera, outra cofundadora..Foi numa viagem ao Paraguai que a ideia começou a ser fomentada na sua cabeça. "Reparei num conjunto de negócios informais, em que os vendedores entregam porta-a-porta diferentes produtos" e "os clientes têm de devolver a cada entrega a embalagem vazia da entrega anterior", tendo de "pagar um extra" caso não o façam, conta Pedro São Simão. Decidiu investigar o serviço, que descobriu ser bastante popular em toda a América Latina, "desde negócios formais a informais, de startups a grandes empresas"..Quis replicar o conceito na Europa, onde a utilização de plástico não é feita de forma racional. "Decidimos criar um sistema que permita a reutilização das embalagens e, dessa forma, evitar, por uma lado, o consumo excessivo de plástico", que fosse também "economicamente viável" para os criadores e para os consumidores, diz..A ReFeel Good é uma plataforma através da qual "os consumidores encomendam os seus produtos preferidos de lavandaria e de limpeza do lar", que serão entregues ao domicílio em "embalagens de plástico reutilizáveis" e que propõe um compromisso ambiental ao consumidor. "Nos pedidos seguintes, as nossas equipas levarão os produtos e recolherão as embalagens vazias, dos pedidos anteriores. Nas nossas instalações, lavaremos as embalagens, e voltaremos a enchê-las com novos produtos. Desta forma, damos início a um ciclo de múltiplas utilizações de embalagem, evitando o consumo de novas embalagens e, sobretudo, evitando que estas embalagens se convertam em resíduos." Os utilizadores deste serviço "não são cobrados pela embalagem nem pagam nenhum depósito (a não ser que não devolvam a embalagem)", apenas o valor inicial do produto, a "preços habituais"..Para aqueles que melhor desempenhem o seu compromisso, há prémios. "O serviço inclui também um sistema de prémios de comportamento sustentável (associado à plataforma), individuais e para as suas comunidades locais", explica Pedro São Simão..Além disso, tendo em vista uma forte componente social, o projeto "adota uma política de emprego inclusivo, incluindo nas equipas aqueles que normalmente têm mais dificuldade em encontrar emprego"..Os três finalistas do European Social Innovation Competition serão conhecidos já no final deste mês. Cada um receberá um prémio de 50 mil euros para investir em investigação sustentável e nos projetos apresentados a concurso.