Era suposto ser uma megacimeira em Leipzig, um dos eventos que marcaria a presidência alemã da União Europeia, mas o encontro entre os líderes dos 27 e o presidente chinês, Xi Jinping, transformou-se numa videochamada que irá incluir nesta segunda-feira apenas o chefe de Estado do gigante asiático, a chanceler Angela Merkel, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel..Já em junho, data da cimeira original, tinha havido uma reunião por videoconferência. A culpa é do coronavírus, uma batalha que Pequim disse na semana passada já ter vencido. O país berço da pandemia, que começou oficialmente em Wuhan em finais de dezembro, está há quase um mês sem casos locais, apenas importados, na ordem dos 150 em duas semanas. Já na Europa, há países que estão a enfrentar a segunda vaga - incluindo a própria Alemanha, com cerca de 18 mil novos casos em 14 dias..Apesar de poder parecer um revés, há quem defenda que o cancelamento da cimeira a 27 foi para alguns Estados-membros um certo alívio. "Como era improvável que o lado chinês assumisse compromissos concretos para responder às preocupações europeias em áreas de comércio, investimento, direitos humanos e alterações climáticas, havia uma grande preocupação entre os europeus em que o evento servisse apenas para mostrar as divergências que existem entre os Estados-membros e também mostrar a Pequim que a Europa não é séria nas suas exigências", segundo a responsável do programa para a Ásia no think tank do Conselho Europeu de Relações Externas, Janka Oertel..Na parceria estratégica UE-China, de março de 2019, o bloco precisou a sua posição política em relação ao gigante asiático, declarando que a China não era só um parceiro em matéria de cooperação e um concorrente económico, mas também um "rival sistémico" que promove um modelo alternativo de governança..A Comissão Europeia apelou então a uma união total entre os Estados-membros na forma de lidar com a China, mas há países que veem em Pequim apenas um parceiro estratégico (não um rival). Outros têm assinado acordo bilaterais, desejosos de atrair o capital chinês, nomeadamente através da iniciativa Uma Faixa, Uma Rota, uma espécie de nova rota da seda do século XXI..Dentro da UE tem sido motivo de discussão até que ponto as empresas chinesas devem ser autorizadas a investir na Europa e se esses investimentos devem ser restringidos por razões estratégicas - como é o exemplo da questão da Huawei e do desenvolvimento do 5G.."De uma forma geral, a posição da UE tornou-se mais realista e mais assertiva", escreveu o chefe da diplomacia europeia, Josep Borrell, no Le Monde, em maio, indicando que a UE também mantém a sua cooperação com outros parceiros importantes na Ásia, nomeadamente o Japão, a Coreia do Sul ou a Índia, entre outros. E reiterou a necessidade de uma posição comum. "A união é uma condição prévia para poder exercer influência, porque nem mesmo o maior Estado-membro pode, se agir sozinho, influenciar uma superpotência.".Na agenda da cimeira por videoconferência estarão principalmente as questões comerciais. A UE é o principal parceiro comercial da China e a China é o segundo maior do bloco, apesar dos apelos cada vez maiores no continente para reduzir a dependência da manufatura chinesa - que ficaram claros durante a crise do coronavírus, quando os europeus ficaram dependentes do equipamento médico que vinha da China..O objetivo é garantir um compromisso da China para a realização de reformas económicas que permitam assinar um tratado de investimento com os 27 - que já está a ser negociado há sete anos. Bruxelas quer que Pequim dê passos concretos para abrir o seu mercado e remover as barreiras que existem às empresas estrangeiras, cortando nos subsídios às empresas estatais e desenvolvendo uma adequada proteção da propriedade intelectual.."Como é que podes dizer que queres cooperação global na Organização Mundial da Saúde na luta contra o coronavírus e não permitir o investimento europeu em genéricos e produtos farmacêuticos? Porque é que a Huawei tem 40% de fatia de mercado na Europa... e porque é que a Eriksson e a Nokia, as duas empresas 5G europeias, têm apenas em conjunto 11% da quota de mercado na China? Qual é o problema?, questionou o embaixador da União Europeia na China, Nicolas Chapuis, num evento em Pequim..Mas, ao mesmo tempo, Xi Jinping deve esperar o renovar da pressão dos parceiros europeus em relação à nova e polémica lei de segurança nacional em Hong Kong, que tem sido usada para calar críticos e opositores. Pequim argumenta que a lei é necessária para que o antigo território britânico volte à normalidade, após meses de protestos pró-democracia que a China diz serem organizados por "forças estrangeiras"..Ao contrário de posições de força dos EUA, Canadá ou Reino Unido, a diplomacia europeia foi mais contida na sua resposta - as posições têm de ser por unanimidade -, indicando que o tema seria abordado no "diálogo contínuo com a China". O que mais uma vez mostra as divisões em relação a Pequim, especialmente numa altura de crise económica por causa da pandemia. Individualmente, alguns países foram contudo mais longe: Alemanha e França, por exemplo, suspenderam os tratados de extradição com Hong Kong..Em plena guerra comercial com os EUA, a China tem procurado reforçar ainda mais a relação com a União Europeia, com Washington a querer forçar Bruxelas a aumentar a distância com Pequim. A UE pode ter atualmente uma visão mais forte e crítica da China, mas mantém a ideia de parceria..O facto de a cimeira com os líderes dos 27 ter sido transformada em videoconferência ajuda também os europeus, que estão à espera do que as eleições presidenciais norte-americanas podem trazer. Uma vitória do democrata Joe Biden pode ajudar a reparar as relações transatlânticas, abaladas pela presença do republicano Donald Trump na Casa Branca, sabendo-se desde logo que a política dos EUA em relação à China não irá contudo mudar, mesmo se Biden ganhar.."Durante muito tempo, os europeus estavam convencidos de que a China não tinha qualquer interesse em minar a União Europeia ou a sua voz no palco mundial - principalmente por causa da sua posição como importante parceira económica para Pequim e a sua capacidade de servir como contrapeso na crescente rivalidade com os EUA", disse Oertel..Contudo, o coronavírus está a fazer com que os europeus fiquem mais céticos. "Os europeus estão mais desconfiados das práticas económicas da China e das crescentes violações dos direitos humanos em Hong Kong ou Xinjiang. Concluíram que, em vez de ser um parceiro construtivo, a China tornou-se cada vez mais uma rival que está a atuar contra os interesses europeus", acrescentou..Em plena pandemia, uma sondagem YouGov e Praxis sobre como é que a imagem da China tinha mudado mostrou que, na Dinamarca ou na França, 62% dos inquiridos diziam que esta tinha piorado, enquanto na Suécia o número era de 52% e em Portugal de 46%. A média dos nove países analisados era de 48%..Já 12% diziam que a sua imagem da China tinha de facto melhorado, sendo que só em Portugal a percentagem subia para os 16%. Os búlgaros são os mais positivos - 22% melhoraram a sua imagem da China..No total, só 7% dos europeus acreditam que a China é um aliado útil na luta contra a covid-19.