Era conhecido como o "engenheiro" e liderou o departamento de futsal do Benfica entre 2001 e 2007, este último o ano em que diz ter perdido o controlo e entrado numa espiral de destruição que o levou à cadeia. Luís Moreira, de 57 anos, é acusado de desviar 5,8 milhões de euros de negócios relacionados com a compra e venda de terrenos. Está preso desde junho em Portugal, depois de nove anos a ser procurado pelas autoridades - pelo meio ainda escapou de uma prisão brasileira..Começou a ser julgado a 3 de outubro - nesta quinta-feira há nova audiência do julgamento -, tendo já confessado no tribunal parte dos crimes (dez de falsificação de documentos e 11 de burla qualificada). "Quero limpar o meu nome", diz, através da família, ao DN..No entanto, segundo a acusação do Departamento de Investigação e Ação Penal de Lisboa (DIAP), foi antes de 2007 que Luís Moreira terá começado a cometer burlas com recurso a documentos falsos.."Entre data não apurada do ano de 2001 e meados do ano de 2009 [...], o arguido Luís Moreira, de acordo com um plano que delineou, tem vindo a dedicar-se à realização de contratos de promessa de compra e venda, com recurso ao uso de documentos falsos, juntamente com os [outros] arguidos, para venda de terrenos situados na zona de Lisboa, São Pedro do Estoril, Loures e Odivelas", lê-se na acusação..Usaria, segundo o DIAP, procurações falsas, "bem como plantas e estudos de arquitetura, adequados a transmitir confiança na legitimidade dos negócios"..O empresário e cúmplice que foi assassinado na prisão.Luís Moreira refuta as acusações e diz ter sido "instrumentalizado" por Carlos Lage, um empresário que a acusação afirma ter sido o testa-de-ferro de Moreira e que estava no Brasil na mesma altura. Lage acabaria por ser extraditado do Brasil para o Estabelecimento Prisional de Lisboa, em 2010, onde pouco depois foi assassinado por outro recluso..Moreira foi o responsável máximo da secção de futsal do Benfica, equipa com a qual venceu sete campeonatos nacionais e seis Taças de Portugal - além de cinco Supertaças. Com Moreira na direção, a equipa foi ainda vice-campeã da Europa. Mas o homem, que foi por três vezes considerado o dirigente do ano no clube da Luz, haveria de deitar tudo a perder.."O momento em que entro em queda é quando vou ao Brasil ter com o suposto Carlos Lage e sou confrontado com a realidade e perco o controlo de toda a minha vida, inclusive das minhas empresas e contas bancárias", conta, na carta a que o DN teve acesso e em que lamenta "não ter pedido ajuda e ter cedido a chantagem" e assim "ter prejudicado a família e os lesados", que em tribunal já disse querer ressarcir.."Sei que estou a lidar com uma organização criminosa e com muito dinheiro", escreve ainda..Luís Moreira terá viajado para o Brasil pela primeira vez em 2007: "Mais ou menos em meados do ano fui ver uma obra de infraestrutura de um parque de energia eólica em Canoa Quebrada [Fortaleza] e cheguei mesmo a fazer o levantamento topográfico e a iniciar marcações além de ter dado o orçamento [para a obra].".A construção do parque não terá avançado, e terá sido nesta altura que Moreira terá ficado sem dinheiro e "refém", como defende, do empresário Carlos Lage, de um advogado e ainda de dois portugueses dos quais garante não se lembrar do nome..A casa Fantasma em Odivelas e a "tortura na prisão".A família de Luís Moreira (a filha e o genro) haveria também de emigrar para o Brasil - a acusação refere que a convite de Luís Moreira - mas o antigo dirigente só comunicava com os familiares através de um contacto que tinha no Brasil. Porquê? Não explica.."Sei que passaram muitas dificuldades e com a ajuda de familiares e amigos conseguiram regressar a Portugal em que, para se organizarem, tiveram de vender a nossa casa que é chamada de casa Fantasma pelo investigador [do DIAP], onde foi várias vezes em 2008 e 2009 e não tinha ninguém, só muita correspondência - estava totalmente abandonada." Segundo Moreira, era a casa onde a família viveu entre 1985 e 2007 num bairro na zona da Ramada, em Odivelas..Depois de ser preso no Brasil, em março de 2010, e enquanto aguardava a extradição para Portugal, o português foi transferido da prisão federal de Fortaleza para uma cadeia de alta segurança em Ipatinga, no estado de Minas Gerais, onde esteve cerca de três meses - a família chegou a ir a programas da tarde da televisão portuguesa falar sobre as condições desumanas em que Luís Moreira estava preso. Acabaria por ser transferido para a prisão dos bombeiros em Fortaleza. Depois de dois meses, em outubro de 2010, fugiu da prisão.."No tempo em que estive na prisão da polícia federal fui sujeito a vários tipos de tortura sendo que depois em Ipatinga piorou, o que originou o meu internamento e transferência. Fui ouvido por um juiz e, apesar de ter um filho brasileiro - o que me permitia recusar a extradição -, concordei em ser extraditado para Portugal. O que me foi garantido que iria ser rápido", conta..É neste ponto que Luís Moreira diz que começaram "as chantagens e ameaças" da "organização criminosa", que eram dirigidas também aos seus familiares. "Se falasse, seríamos mortos", afirma. .Em fuga no Brasil, Moreira conta que foi trabalhar para uma oficina de limpeza de automóveis e mudança de pneus em troca de "comida e dormida" e que depois de "arranjar documentos" voltou à sua área de atividade, desta vez na construção dos estádios para o Mundial de Futebol de 2014, que aconteceu no Brasil. "Ganhava relativamente bem e consegui orientar a vida", escreve..Do Brasil, viajou para a Argentina e mesmo procurado pela polícia consegue montar uma empresa de turismo. Voltaria ao Brasil para conseguir mais dinheiro "para ajudar a família" e volta a usar documentos falsos. Até que tudo também começou a correr mal e depois de uma passagem por França - segundo a sua versão - regressa a Portugal. Pouco tempo depois, em junho de 2019, é apanhado pelas autoridades portuguesas e sujeito a prisão preventiva. .Vida dupla no Brasil: "Acusação de bigamia não existe".Luís Moreira é casado com uma portuguesa, mãe dos seus dois filhos, mas conta que, no Brasil, foi obrigado a casar com uma cidadã brasileira que se dedicava à prostituição. O antigo dirigente desportivo assume ter perfilhado o filho desta mulher, embora garanta que não é o pai biológico.."A minha mulher nunca compreendeu nem os meus filhos, mas eu estava a ser vítima de chantagem e não conseguia explicar.".O advogado de defesa de Luís Moreira - o segundo desde que está preso em Portugal - garante que não existe nenhuma acusação na justiça brasileira contra o português. Chegou a ser noticiado que o antigo dirigente estava acusado de bigamia naquele país.