O que fazer com um festival que consegue o novo de Tarantino, tem Almodóvar à espreita da primeira Palma de Ouro e uma avalancha de cinema francês? À partida, no papel, Cannes 2019 tem uma das mais entusiasmantes seleções dos últimos anos. Um festival que é naturalmente dominado pela expectativa em torno de Era Uma Vez em... Hollywood, de Quentin Tarantino, apenas confirmado à última da hora..O filme do realizador de Pulp Fiction, Palma de Ouro há precisamente 25 anos, é, quer se queira quer não, o mais esperado do festival. A história de uma estrela de Hollywood e do seu duplo em paralelo com a morte de Sharon Tate em 1968. Tarantino a filmar de forma pop a chegada da Nova Hollywood mas também símbolos como Bruce Lee....Almodóvar, que nunca venceu a Palma de Ouro, regressa à Croisette com Dolor Y Gloria, já estreado em Espanha com alguma aclamação. Fala-se que Antonio Banderas tem o papel da sua vida. O júri presidido por Iñárritu talvez seja sensível à questão latina numa seleção em que há outros dois filmes com embalo de favoritismo: Frankie, de Ira Sachs, e Mektoub, Meu Amor: Intermezzo, do franco-argelino Kechiche. O primeiro pode ser a aclamação do cineasta americano e não deixa de ser uma produção portuguesa: O Som e a Fúria coproduziu e já se sabe que a ministra da Cultura vai estar presente, enquanto a sequela de 4 horas de Mektoub promete ser um dos casos desta edição. Sabe-se que Kechiche apaixonou-se por esta história de liberdade sexual, ele que é nesta altura o cineasta francês mais consensual..Português vai ser ouvido em Bacurau, western brasileiro de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles. Será o regresso à escadaria vermelha de Sonia Braga, três anos após Aquarius, também de Mendonça Filho. De resto, presença portuguesa apenas no Un Certain Regard, com Liberté, do catalão Albert Serra. Obra com um erotismo alentejano e com produção da Rosa Filmes..A incógnita grande talvez esteja no regresso de Terrence Malick à competição com A Hidden Life , história verdadeira situada na Segunda Guerra Mundial. Diz-se que é o primeiro filme em muitos anos do realizador que recorre a uma ideia narrativa de guião, sendo, curiosamente, falado em alemão. Mesmo numa altura em que Malick perdeu os favores da crítica, talvez seja sensato não o descartar neste contexto....Sente-se ainda que a abertura desta seleção é já uma aposta ganha. The Dead Don't Die , de Jim Jarmusch, está condenado a ser um clássico instantâneo. Uma comédia com mortos-vivos e um elenco surreal, em que Iggy Pop, Tilda Swinton, Bill Murray, Selena Gomez e Adam Driver prometem diversão seríssima..Para lá da competição, Rocketman, de Dexter Fletcher, domina também muitas atenções. A vida musicada de Elton John será uma das sessões mais quentes do Palais Lumière e é uma aposta fortíssima da Paramount..E é também fora da luta pela Palma de Ouro que está Hors Normes, de Olivier Nakache e Éric Toledano, comédia dos responsáveis de Amigos Improváveis, desta vez no seio do mundo do autismo. Vincent Cassell e Reda Kateb são as estrelas do filme que encerra o festival. Cannes continua a querer mostrar uma certa vitalidade comercial do cinema francês num ano em que mantém orgulhosa o seu divórcio com a Netflix. Tudo isto enquanto a imprensa terá de ter embargo nas críticas para não perturbar os filmes nas galas oficiais..Para além dos filmes, esta 72.ª edição tem homenagens previstas a Sylvester Stallone, que apresentará as primeiras imagens de Rambo V, e ao mítico ator Alain Delon. Espera-se um festival emocional mas que terá espuma política também com as presenças dos novos de Ken Loach, irmãos Dardenne ou da estreante Mati Diop.