Já se sabia que nenhuma palavra podia ser errada no discurso da nova procuradora-geral da República (PGR) no que diz respeito ao "combate à corrupção". Essas eram as palavras mais esperadas, por essa ter sido a bandeira da sua antecessora Joana Marques Vidal e a que mais foi invocada pelos defensores da sua recondução..Lucília Gago correspondeu às expectativas de duas formas: primeiro, elegendo, "como uma das grandes prioridades" do seu mandato, "o combate à criminalidade económico-financeira, com particular enfoque na corrupção, que se tornou um dos maiores flagelos suscetíveis de abalar os alicerces do Estado e de corroer a confiança dos cidadãos no regime democrático"..Segundo, deixando um claríssimo e forte apoio ao diretor do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), Amadeu Guerra, no trabalho que os seus procuradores têm feito, com destaque para a Operação Marquês, adiantando que o seu MP vai "acompanhar zelosamente"..Este caso, frisou a procuradora-geral, é "bem ilustrativo dos níveis de exigência e qualidade do trabalho desenvolvido pelo DCIAP, sendo plena a confiança que deposito no seu diretor, o senhor procurador-geral adjunto Dr. Amadeu Guerra"..A referência expressa a este magistrado - nomeado para o DCIAP por Joana Marques Vidal - é entendida no setor por um sinal claro de que a nova direção do MP seguirá as linhas traçadas pela antecessora. Também que pode ser Amadeu Guerra o escolhido para vice-procurador-geral - o cargo com mais poder operacional do MP..Como o DN noticiou em primeira mão, Lucília Gago escolheu para chefe de gabinete - outro cargo com influência na estratégia da PGR - o procurador da República Sérgio Pena, cujo percurso esteve sempre ligado às investigações da criminalidade económico-financeira..Se havia alguma dúvida sobre as intenções da nova PGR, o Presidente da República, responsável pela sua nomeação (sob proposta do governo), dissipou-as logo no seu discurso da tomada de posse: "Se alguém distraído, equivocado ou persuadido de que há espaço para a impunidade, pensa que a passagem de testemunho, nesta como em qualquer outra instituição da justiça, implica alterações de valores e de princípios, desengane-se", sublinhou..Lealdade à Polícia Judiciária.Com uma criteriosa escolha de palavras, Lucília Gago não quis deixar passar a oportunidade de dizer o que pensa sobre eventuais atropelos à Lei de Organização e Investigação Criminal por parte das polícias. Sem referir nenhum caso em concreto - mas num momento em que militares da Polícia Judiciária Militar (PJM), incluindo o próprio diretor, e da GNR estão sob suspeita de terem encenado a recuperação das armas roubadas em Tancos, sem informar os titulares da investigação (MP e PJ) - a procuradora-geral falou na "cooperação sã e leal" que quer que exista.."O quadro legal vigente é, nesta sede, bem claro - o que se presume do conhecimento de magistrados e polícias. O que importa vincar é que, para além do escrupuloso dever do seu cumprimento, estejam sempre presentes a cooperação sã e leal, regras de conduta que, valendo para o relacionamento entre o Ministério Público e os Órgãos de Polícia Criminal, não devem ser olvidadas nas relações entre as próprias polícias", assinalou..Para garantir que era bem compreendida, explicou melhor, dirigindo-se pessoalmente ao diretor desta polícia (o único a merecer esta deferência), presente na cerimónia (por coincidência logo atrás do Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, Almirante Silva Ribeiro): "O papel da Polícia Judiciária no combate à criminalidade complexa e altamente organizada coloca-a, porém, necessariamente, numa posição de relevo, reiterando-se, senhor diretor nacional Dr. Luís Neves, o propósito de continuação de uma cooperação leal em todos os domínios.".O recado foi também ouvido atentamente pelo comandante-geral da GNR, Botelho Miguel, pelo novo diretor da PJM, Paulo Isabel, e também pelo diretor nacional da PSP - força de segurança com quem são conhecidos alguns conflitos de competências com a Judiciária, presentes na cerimónia que decorreu no Palácio de Belém..Atenção ao estatuto do MP.Lucília Gago não deixou também de lembrar a falta de meios do MP para poder investigar toda a criminalidade complexa, incluindo a económica e financeira. "A abordagem a múltiplos fenómenos criminais, com especial destaque para a criminalidade económico-financeira, exige hoje - parece redundante dizê-lo - a dotação dos imprescindíveis meios humanos e técnicos", afirmou..E veio mais uma referência à PJ: "Uma vez que o MP não está, por si só, apetrechado das adequadas competências periciais, impõe-se o incremento da capacidade de resposta das entidades especializadas nesta área, como a Polícia Judiciária - cuja Unidade de Perícia Financeira e Contabilística merece, neste âmbito, particular referência -, bem como o reforço da sua articulação com o Ministério Público", assinalou..No entanto, no seu entender, "a reforma do Estatuto do Ministério Público - em apreciação na Assembleia da República - poderá também constituir um aporte no esforço de racionalização dos meios humanos, na especialização e na valorização do mérito, vetores potenciadores de um melhor desempenho funcional".