Costa: "É uma batalha de todos. Não do partido do vírus ou do antivírus"
O país está em estado de alerta. Bastaram 24 horas para se passar da batalha contra o coronavírus para a batalha que enceta a luta pela sobrevivência. Na terça-feira à noite, a ministra da Saúde e a diretora-geral da Saúde reforçavam que o governo iria seguir as orientações e as decisões do Conselho Nacional de Saúde Pública. Orientações que foram no sentido de o encerramento das escolas ser pontual e só depois do acordo das autoridades de saúde. Mas o coronavírus, sars cov2, e como disse o primeiro-ministro, "é novo", "surpreendeu o mundo" e "temos de nos preparar para combater a pandemia".
Horas depois, em conferência de imprensa para anunciar medidas aprovadas pelo Conselho de Ministros (ver abaixo) que incluem a declaração do estado de alerta, a ministra da Presidência, Mariana Vieira da Silva, admitiu que isto pode ser apenas o princípio, estando tudo em aberto para o caso da situação se agravar dramaticamente...
Temos de nos preparar para combater um vírus do qual ainda muito pouco se sabe e que a única arma que parece estar a ser eficaz, enquanto não chega uma solução medicamentosa, é mesmo a da prevenção, através do isolamento social e de cuidados redobrados na higiene. Portanto, e como sublinhou António Costa, todas as medidas anunciadas na noite desta quinta-feira - encerramento de escolas, bares e discotecas, limitação de entradas em espaços públicos, centros comerciais e restaurantes, proibição do desembarque de passageiros de cruzeiros - não terão o seu efeito se não forem cumpridas. O primeiro-ministro argumentou que se não cumprirmos as regras há muito definidas pela comunidade científica internacional e aceites pela DGS apenas "estaremos a deslocar a contaminação de um local para outro".
Mas algo mudou nas últimas 24 horas para que a leitura que os especialistas de saúde pública tinham feito na quarta-feira, numa reunião que durou mais de seis horas, mudasse. Segundo um especialista em saúde pública, o que pode ter mudado foi apenas o facto de se começar a perceber que o número de casos em Portugal poderá "aumentar bastante". Isto tão-só porque o conceito de caso mudou na segunda-feira, passando a fazer-se a despistagem do covid-19 a todos os doentes com pneumonias graves, mesmo sem história epidemiológica. Ou seja, mesmo que não tivesse viajado de zonas muito afetadas, nomeadamente Itália, ou que não tivesse estado em contacto com algum caso positivo.
O mesmo especialista explicou ao DN que os critérios de definição do conceito de caso tem vindo a alterar desde que o surto foi identificado na cidade de Wuhan, na província de Hubei, a 31 de dezembro de 2019. Primeiro, um dos critérios para a confirmação de caso suspeito era a existência de sintomas - febre, tosse e dificuldade em respirar - e o ter viajado para a China e outros países da Ásia. Depois, passou a ser sintomas e viagens ao norte de Itália, a seguir sintomas e quem tivesse viajado para cidades italianas com casos e, por fim, sintomas e viagens para Itália e outros países da Europa fortemente atingidos pela doença. Agora, e desde segunda-feira, que o critério de caso suspeito são todas as doenças respiratórias graves.
Daí, ser "normal" estar a diagnosticar-se mais casos, pois "o doente pode não ter viajado para nenhum dos países afetadas, mas pode ter estado no aeroporto à espera das malas junto a um viajante que chegou de Itália, de Espanha ou da Alemanha, e sem saber ficou infetado", exemplifica o médico.
Uma das grandes preocupações dos cientistas em relação a este vírus é mesmo a sua capacidade de se transmitir. E, como estamos perante um fenómeno natural, o vírus não atua em todos os sistemas imunitários da mesma maneira, nuns doentes é detetado em poucas horas, noutros é assintomático e "pode levar um mês até ser identificado", sublinha o mesmo especialista.
Na ciência nem tudo é preto ou branco, há muitos cinzentos. É assim na ciência é assim na vida. E perante a ameaça que se tornou um inesperado vírus vindo da Ásia, sobre o qual "ainda muito pouco se sabe", como sublinhou Costa, manda o bom senso que se atue pela prevenção, pelo dever de proteção ao outro.
Foi este o princípio que esteve na base das decisões tomadas em Conselho de Ministros, depois de António Costa ouvir todos os partidos da oposição e de o Centro Europeu de Controlo e Prevenção das Doenças ter recomendado nesta quinta-feira, dia 12, que os Estados membros reforçassem as medidas de combate ao novo coronavírus e que avançassem com o encerramento de todos as escolas.
A justificação dada por Costa foi a de que as escolas são um espaço privilegiado para o contacto social, o que é um fator de risco acrescido, dada a velocidade de transmissão do vírus. Um dado já aceite e divulgado pela comunidade científica é o de que cada pessoa infetada pode transmitir a doença, em média, a 1,4 até 2,5 pessoas, sendo a percentagem de risco de infeção entre familiares mais elevada do que em qualquer outra situação. Neste momento, também se sabe que o período de contaminação pode ser entre os 9 e os 11 dias após o contacto com o infetado. Uma das diferenças deste vírus em relação a outros da mesma família é que uma pessoa pode não ter sintomas, mas poder transmitir a doença. As crianças têm sido poupadas, não há casos de morte até aos 9 anos. A faixa etária dos 10 aos 49 anos tem uma percentagem de infeção muito baixa, da ordem dos 0,2% e 0,4%. Os mais atingidos são sobretudo os idosos com 80 ou mais anos, embora o grupo a partir dos 60 já seja considerado de risco.
No entanto, no momento a taxa de letalidade - número de mortes por infetados - é da ordem dos 3,5%, mesmo assim menos do que outras doenças infetocontagiosas.
O médico de saúde pública explicou ao DN que a decisão do Conselho Nacional de Saúde Pública foi tomada com base no conhecimento da situação naquele momento, dia 11, estando no relatório final estipulado que haveria nova reunião já nesta sexta-feira para se avaliar a situação novamente. Os especialistas em saúde pública terão mesmo argumentado, na quarta-feira, junto da ministra Marta Temido, que não bastava decidir o encerramento das escolas. "Era preciso prepararmo-nos para isso", afirmaram-nos.
E 24 horas depois, o governo decide que é preciso reforçar a capacidade do Serviço Nacional de Saúde (SNS), assegurar a proteção do emprego e garantir o rendimento das famílias. Todas as medidas abrangem trabalhadores por conta de outrem e também os que se encontram a recibos verdes (ler aqui as medidas na íntegra).
A nova pandemia por coronavírus está a obrigar o mundo, os países e as famílias a reorganizarem-se. As escolas vão estar sem atividades letivas presenciais até ao dia 9 de abril, altura em que a situação será de novo avaliada. Agora, o objetivo é travar o surto e que nos infetemos uns aos outros. A palavra de ordem é mais: "Temos de nos proteger uns aos outros", afirmou António Costa.
O presidente da Associação dos Diretores de Escola já se manifestou satisfeito com a decisão do governo, embora seja necessário assegurar as condições para que os pais possam ficar com os filhos em casa".
Mas este foi o dia em que Portugal, França e Espanha seguiram o mesmo caminho. Aliás, antes de Costa, já Emmanuel Macron e Pedro Sánchez tinham anunciado o mesmo.
Até à noite desta quinta-feira, Portugal tinha 78 casos infetados e sem mortes, França com 2876 e 61 mortes, Espanha com 3126 e 86 mortes e Itália, que é caso único na Europa e uma das situações mundiais mais preocupantes, vai com 15 113 e mais de mil mortes.
Síntese das principais medidas decretadas pelo governo
Regime excecional em matéria de recursos humanos, que contempla:
(i) suspensão de limites de trabalho extraordinário;
(ii) simplificação da contratação de trabalhadores;
(iii) mobilidade de trabalhadores;
(iv) contratação de médicos aposentados sem sujeição aos limites de idade.
Regime de prevenção para profissionais do setor da saúde diretamente envolvidos no diagnóstico e resposta laboratorial especializada.
- Regime excecional para aquisição de serviços por parte de órgãos, organismos, serviços e entidades do Ministério da Saúde.
- Regime excecional de composição das juntas médicas de avaliação das incapacidades das pessoas com deficiência.
- a atribuição de faltas justificadas para os trabalhadores por conta de outrem e trabalhadores independentes que tenham de ficar em casa a acompanhar os filhos até 12 anos;
- o apoio financeiro excecional aos trabalhadores por conta de outrem que tenham de ficar em casa a acompanhar os filhos até 12 anos, no valor de 66% da remuneração base (33% a cargo do empregador, 33% a cargo da Segurança Social;
- o apoio financeiro excecional aos trabalhadores independentes que tenham de ficar em casa a acompanhar os filhos até 12 anos, no valor de 1/3 da remuneração média;
- o apoio extraordinário à redução da atividade económica de trabalhador independente e diferimento do pagamento de contribuições;
- a criação de um apoio extraordinário de formação profissional, no valor de 50% da remuneração do trabalhador até ao limite do Salário Mínimo Nacional, acrescida do custo da formação, para as situações dos trabalhadores sem ocupação em atividades produtivas por períodos consideráveis;
- a garantia de proteção social dos formandos e formadores no decurso das ações de formação, bem como dos beneficiários ocupados em políticas ativas de emprego que se encontrem impedidos de frequentar ações de formação;
- a equiparação a doença da situação de isolamento profilático durante 14 dias dos trabalhadores por conta de outrem e dos trabalhadores independentes do regime geral de segurança social, motivado por situações de grave risco para a saúde pública decretado pelas entidades que exercem o poder de autoridade de saúde. Com esta alteração, os trabalhadores a quem seja decretada, pela autoridade de saúde, a necessidade de isolamento profilático terão assegurado o pagamento de 100% da remuneração de referência durante o respetivo período;
- a atribuição de subsídio de doença não está sujeita a período de espera;
- a atribuição de subsídios de assistência a filho e a neto em caso de isolamento profilático sem dependência de prazo de garantia.
- linha de crédito de apoio à tesouraria das empresas de 200 milhões de euros.
- linha de crédito para microempresas do setor turístico no valor de 60 milhões de euros.
- Lay off simplificado: Apoio extraordinário à manutenção dos contratos de trabalho em empresa em situação de crise empresarial, no valor de 2/3 da remuneração, assegurando a Segurança Social o pagamento de 70% desse valor, sendo o remanescente suportado pela entidade empregadora;
- bolsa de formação do IEFP;
- promoção, no âmbito contributivo, de um regime excecional e temporário de isenção do pagamento de contribuições à Segurança Social durante o período de lay off por parte de entidades empregadoras;
- Pagamento de incentivos no prazo de 30 dias
- Prorrogação do prazo de reembolso de créditos concedidos no âmbito do QREN ou do PT 2020.
- Elegibilidade de despesas suportadas com eventos internacionais anulados.
- incentivo financeiro extraordinário para assegurar a fase de normalização da atividade (até um Salário Mínimo por trabalhador).
- reforço da capacidade de resposta do IAPMEI e do Turismo de Portugal na assistência ao impacto causado pelo COVID-19.
- prorrogação de prazos de pagamentos de impostos e outras obrigações declarativas.
- a suspensão de todas as atividades letivas e não letivas presenciais nas escolas de todos os níveis de ensino a partir da próxima segunda-feira dia 12 de março;
- a organização dos serviços públicos, nomeadamente o reforço dos serviços digitais, o estabelecimento de limitações de frequência para assegurar possibilidade de manter distância de segurança e a centralização de informação ao cidadão sobre funcionamento presencial de serviços;
- a aceitação, por parte das autoridades públicas, e para todos os efeitos legais, da exibição de documentos cujo prazo de validade expire durante o período de vigência do presente decreto-lei ou nos 15 dias imediatamente anteriores ou posteriores;
- a restrição de funcionamento de discotecas e similares;
- a proibição do desembarque de passageiros de navios de cruzeiro, exceto dos residentes em Portugal;
- a suspensão de visitas a lares em todo o território nacional;
- os centros comerciais e supermercados vão estabelecer limitações de frequência para assegurar possibilidade de manter distância de segurança.
Com João Pedro Henriques
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O DN e o Média Lab do ISCTE estão a acompanhar o crescimento de uma campanha de fake news no WhatsApp. Nas últimas horas, várias mensagens com informações falsas procuram lançar o pânico, pondo em causa as informações verificadas e dando a entender que a crise do Covid 19 é muito mais grave. Por isso, o DN e o MediaLab procuram recolher exemplos desta campanha para poder refutar todos os erros ou informações manipulatórias.