Rute, 39 anos, Hernâni, 43, e o filho, Pedro, de 21, regressaram a Lisboa no dia 5 de janeiro, a primeira vez depois de emigrarem, em 2011. Receberam a ordem de deportação em outubro, mas esperavam ter sucesso nos recursos para conseguirem residência legal. Não aconteceu e tiveram de meter oito anos numa mala, fechar as portas de casa, pedir aos amigos para tratar do resto e darem um olho pelo carro..Hernâni foi o primeiro a emigrar, com um contrato de trabalho, a Rute e o filho foram depois, ela encontrou emprego numa padaria alemã onde ainda trabalhava, o rapaz foi para a escola. Trabalhavam e pagavam todas as contribuições legais, o que não foi suficiente para as autoridades lhes atribuírem uma autorização de residência. São considerados irregulares e, por isso, deportados..Todos os apelos da família Correia foram recusados, incluindo o pedido de "compaixão humanitária". Eles não compreendem como os mandaram embora de um país em que se integraram bem. "Sempre trabalhámos, nunca pedimos um subsídio, pagámos os impostos, somos trabalhadores honestos, temos o registo criminal limpo. O meu filho foi para lá com 15 anos, estudou lá, entretanto, foi pai e teve de se separar do filho. E não há uma justificação para nos mandarem embora." Criticam a forma de atribuição de residência permanente que dizem ser arbitrária..Dois meses depois, são as contas que têm no Canadá, cerca de 3500 euros mensais, que fazem a família voltar a emigrar. Partiram nesta sexta-feira para Manchester, Reino Unido, onde Rute Correia tem uma amiga que os vai apoiar no início. Explica Hernâni: "Chego a Portugal e não tenho os mesmos recursos, os empregos que encontramos são 600/700 euros mensais. No Canadá, trabalhava muito mas conseguia ter uma vida confortável, além de que estou a pagar a renda, o carro, o seguro, que ficaram lá. O meu objetivo não é ficar na Europa, é voltar ao Canadá." Viviam em Etobicoke, concelho de Toronto..Até 26 de fevereiro deste ano, 21 portugueses foram obrigados a deixar o Canadá e outros 22 têm de o fazer a curto prazo, disse ao DN Jayden Robertson, porta-voz da Agência dos Serviços de Fronteiras do Canadá (CBSA). A totalidade de deportações até esta data foi de 1318, a que se juntam mais 4021 com ordem de saída. E, segundo Manuel Alexandre, presidente da Comissão de Trabalhadores Indocumentados, o governo canadiano prometeu deportar 5900 imigrantes irregulares no primeiro trimestre de 2019..Jayden Robertson explica que 5339 estrangeiros têm ordem de deportação, "o que significa que foi concluída a pré-Avaliação de Risco de Deportação (PRRA) e que não existem impedimentos conhecidos para que a mesma não se concretize. No entanto, enquanto esses casos aguardam a saída, podem surgir novos impedimentos ou outras considerações, o que significa que estes números são flutuantes"..Uma família portuguesa, que tinha a saída prevista para 18 de fevereiro, acabou por ver a deportação cancelada dois dias antes. Luiz Bonito, de 56 anos, vivia na Venezuela, com a mulher, de 51, e a filha de 11 anos, mas fugiu para o Canadá em 2015, depois de um assalto à residência e ao estabelecimento comercial. Tinha viagem marcada nessa segunda-feira para Lisboa, para um país que as mulheres nem conheciam..Hernâni diz ter ficado contente pela família mas que não deixou de sentir revolta: "Estavam lá desde 2015, eu estava desde 2011, qual foi a justificação para eles terem residência? Foi por a esposa e a filha nunca terem vivido em Portugal? O meu filho tem lá um filho que vai fazer 3 anos e não se importaram de separar o pai do filho, sabendo que os avós paternos são o sustento da criança.".Em 2018, foram deportadas 8160 pessoas, entre eles 101 para Portugal. Em 2017 foram deportadas 8551, incluindo 107 portugueses e, em 2016, 7477 estrangeiros, dos quais 82 portugueses. Os dados das deportações nos primeiros dois meses do ano apontam para uma subida, o que só em dezembro se poderá confirmar..A Lei de Proteção a Imigrantes e Refugiados (IRPA) não se alterou, justifica Jayden Robertson, mas o objetivo é executar rapidamente as deportações. "A CBSA está firmemente empenhada em fazê-lo (...) Juntamente com outros departamentos do governo, está comprometida a combater a migração irregular, já que a violação das leis de imigração canadense ameaça a integridade das fronteiras e do sistema de imigração do Canadá (...). Esse trabalho é parte integrante da luta global para deter o terrorismo, bem como o fluxo de contrabando e imigração ilegal para o Canadá.".O porta-voz da Agência dos Serviços de Fronteiras do Canadá não se manifesta sobre casos concretos, sublinhando que "todas as decisões de deportação estão sujeitas a vários níveis de apelação" e que as expulsões só são executadas quando "esgotam todas as possibilidades legais de recurso"..Há três formas de um imigrante com trabalho e a situação fiscal regularizada obter residência no Canadá: como trabalhador qualificado; através de projeto-piloto para regularizar os indocumentados e por compaixão humanitária..Emigraram em plena crise.Hernâni Correia emigrou em 2011, em plena crise em Portugal, com um contrato de dois anos e visto para trabalhar como chefe de cozinha no restaurante Bom Apetite, propriedade de uma tia. E contratou logo um advogado para regularizar a sua situação. A mulher e o filho juntaram-se-lhe pouco tempo depois. Rute arranjou emprego numa padaria alemã, onde agora era supervisora.."Investimos no Canadá e não querem saber. Toda a gente gosta de nós, não há ninguém que nos possa apontar o que quer que seja e mandam-nos embora. Acontece com portugueses, italianos, brasileiros, famílias que lá estão até há mais anos do que nós e que, de um dia para o outro, têm de vir embora. Não tivemos tempo de preparar nada", lamenta a mulher..Dois anos depois da chegada, Hernâni pediu a extensão do contrato como cozinheiro chefe, o que o governo canadiano não concedeu, justificando que não havia falta destes profissionais. E, para trabalhador qualificado, tinha de fazer um exame de inglês, que dizem ser quase impossível de passar para um estrangeiro. Voltou à sua antiga profissão, carpinteiro, acabando mais tarde por abrir uma empresa de remodelação de interiores, a Sebastian Renovation, usando o seu nome do meio, Sebastião.."Noventa por cento das pessoas não passam nesse exame. Os alunos canadianos do 6.º ano não o conseguem fazer, já foi feito esse estudo", diz Alzira Lima, assistente do escritório de advogados de Richard Boraks, que tem o processo da família Correia e de muitos outros portugueses, bem como de outras nacionalidades, como italianos e brasileiros. E Manuel Alexandre dá o exemplo de um emigrante português que foi para o Canadá com um ano e meio, onde fez a universidade, e que só acertou em sete das dez perguntas no referido exame..Em 2016, foi criado um "projeto-piloto" para regularizar a situação dos indocumentados que trabalham e pagam os seus impostos, têm o cadastro limpo e estão integrados na sociedade canadiana, dispensando-os de fazer o exame. O advogado aconselhou Hernâni Correia a pedir a residência permanente através desta medida, uma vez que trabalhava legalmente há dois anos. Ainda não obtiveram uma resposta positiva e a família tentou regularizar-se pela via da "compaixão humanitária", o que lhes foi negado.."Não há explicação, não sabemos as razões que levam a aceitar ou negar a atribuição da residência permanente. Tivemos três pessoas que trabalham na mesma empresa, apenas dois tiveram a residência através do projeto-piloto. Ainda, recentemente, foi aprovada uma família que está no Canadá há menos tempo do que os Correia. O marido nunca teve um contrato de trabalho e foi aprovado por "compaixão humanitária", protesta Alzira Lima..Indocumentados manifestam-se.Os trabalhadores indocumentados têm-se manifestado para exigir a regularização, têm mais uma manifestação agendada para dia 16 de março, em frente ao Ministério da Imigração, em Toronto.."O ministro da Imigração, Ahmed Hussen, vai aos encontros de portugueses e elogia-nos, mas depois espeta-nos com uma faca nas costas. Há famílias que estão cá há 7/10 e mais anos, que sempre trabalharam e cumpriram as obrigações legais, que não cometeram crimes, que têm aqui a sua vida e são expulsas. Basta isso acontecer a uma família para nos indignar", justifica Manuel Alexandre..O dirigente é natural de Vinhais da Serra, Covilhã, e emigrou há 42 anos para o Canadá. Esteve na origem da fundação da Comissão de Trabalhadores Indocumentados, em 2004, e é presidente há cinco anos. Queixa-se de que estão a privilegiar outras nacionalidades, como indianos e filipinos, em detrimento dos europeus. Lamenta, ainda, que o governo português não se envolva para ser encontrada uma solução..O gabinete do secretário de Estado das Comunidades, José Luís Carneiro, respondeu ao DN que em maio de 2018, no âmbito da visita de António Costa ao Canadá, o assunto foi abordado num encontro com Ahmed Hussen e José Luís Carneiro, "tendo o governante canadiano referido que os cidadãos portugueses são muito valorizados e bem-vindos ao Canadá". Acrescentam que as autoridades diplomáticas portuguesas procuram informar a comunidade portuguesa sobre a legislação canadiana, nomeadamente no domínio laboral e das leis da imigração..Segundo os dados oficiais (Refugees and Citizenship Canada), 865 portugueses obtiveram a residência permanente em 2018, mais do que em 2017 (790), ano em que tinha diminuído comparativamente a 2016 (855) e a 2015 (830)..No ano passado, foram os cidadãos da Índia que obtiveram um maior número de residências permanentes (69 975), seguindo-se os das Filipinas (35 045), da China (29 715), da Síria (12 045), dos EUA (10 925) e da Nigéria (10 920).