Sintra está deserta. Os turistas desapareceram com a pandemia e a vila Património da UNESCO não se preparou para outros visitantes. Os hotéis fecharam; os funcionários das lojas típicas, dos restaurantes e cafés esperam à porta por clientes; os tuk-tuks estacionados. Cascais também sofre os efeitos da covid-19, mas ainda assim há pessoas nas ruas, incluindo os estrangeiros que residem no concelho. O centro histórico parece um centro comercial ao ar livre, com algumas das marcas comerciais mais representativas. Um dos hotéis já esgotou as reservas para o almoço de Natal. A Roda Gigante gira com os alunos das escolas locais..Os dois concelhos passaram de risco extremamente elevado para elevado e os espaços comerciais podem abrir durante todo o fim de semana, o que não foi possível no último mês. Os comerciantes de Sintra não esperam grandes melhorias; os de Cascais acreditam que vão faturar um pouco mais..Uma da tarde de quarta-feira em Sintra, chove e não se vê ninguém junto ao Palácio da Vila, os três hotéis locais estão fechados. O Hotel Tivoli Sintra é o único das 11 unidades do grupo que ainda não reabriu. O Café Paris está encerrado, um entre muitos outros estabelecimentos comerciais que fecharam as portas. Imagens impossíveis de imaginar há um ano, antes da pandemia..Por essa altura, André Mariano, 32 anos, trocou a profissão de empregado de restaurante pela de guia turístico. Passou a conduzir um tuk-tuk pelas ruas e monumentos de Sintra. Faz contas ao dia e decide que o melhor é ir para casa. "Ainda não fiz nada, isto está cada vez pior", lamenta..Formou-se na Escola de Turismo de Portugal, no Estoril, em Restauração e Bares, com a expectativa de vingar na área. A pandemia paralisou todos os seus planos logo em março. As coisas melhoraram em agosto, para voltarem a piorar em setembro. A partir de 12 de novembro, com um novo estado de emergência, aumentaram as proibições..Nos concelhos de risco extremamente elevado e muito elevado, tudo fechou a partir das 13.00 de sábado, de domingo e nos feriados. "Eram os dias mais fortes", frisa o André, que revela pessimismo em relação ao levantamento das restrições neste fim de semana: "As pessoas estão com medo, não andam à vontade, ainda por cima, parece que o tempo não vai ajudar. Vamos esperar que estejam fartas do confinamento e venham até Sintra.".André trabalha para a Smiles & Places, fundada há ano e meio e que se tornou a maior empresa de tuk-tuks de Sintra. Tem 16 funcionários. Promovem vários tipos de passeios no concelho, entre 60 e 350 euros. Baixaram estes valores para metade, mas a frequência continua baixa..Explicações de Joana Silva, 33 anos, companheira do proprietário e que também deixou a restauração para guiar um tuk-tuk. Explica que a clientela mudou radicalmente neste ano, passaram a ter portugueses quando antes eram sobretudo holandeses, franceses, espanhóis, ingleses e americanos. "Não há grande esperança para os próximos tempos, mesmo com menos restrições. Não há turistas e os portugueses vêm aos travesseiros e às queijadas, são os chamados ""piriquiteiros"". Quer dizer que os visitantes atuais usam pouco os tuk-tuks..José Melo, 65 anos, proprietário da loja de artigos tradicionais A Caminho do Castelo, vê quem passa. São poucos os turistas e os que passam não entram, têm pouco dinheiro, justifica José, embora os seus artigos sejam baratos. Maria João Melo, 62, a mulher, aproveita para limpar. "É para dizer que faz alguma coisa, passa a vida a desinfetar os objetos. Para quê, se ninguém lhes mexe?", comenta o marido..Em dezembro, até ao dia 9, registaram quatro faturas, três nos valores de 12 euros e uma de 22. Estarão abertos neste fim de semana, apesar das reservas. "É preciso vir gente que queira comprar. Em Sintra está tudo virado para o estrangeiro, a câmara proibiu o trânsito no centro histórico, só deixam passar os autocarros e os tuk-tuks. Não vêm estrangeiros e os que vêm não compram. Ainda por cima, está tudo em obras", queixa-se José Melo. Pagam 800 euros de renda por mês..Não é o único a reclamar da autarquia, também João Casinhas, proprietário do Café da Vila, que funcionava como café, restaurante e bar antes da pandemia. Abrem agora às 12.00, para encerrar às 22.30, como obriga a lei. Antes, serviam cem almoços por dia, agora ficam-se pelos dez. Refeições para um ou outro visitante português e alguns trabalhadores na zona.."De dia, 90% dos clientes eram estrangeiros; à noite, eram portugueses, mas agora estamos fechados . Podemos abrir durante o fim de semana, vamos ver se é bom. Trabalhamos sete dias por semana, precisamos de clientes todos os dias", protesta. Explora o espaço desde 2003 e, desde 2012, é também o proprietário do Parque das Merendas, situado na Estrada da Pena . Aqui, tem conseguido conservado a clientela nacional..Turistas estrangeiros em Sintra são poucos, tão poucos que é fácil seguir-lhes o rasto. É o caso de Charles Paillusson, 30 anos, e de Alexandre Metayer, 30 anos, franceses de Nantes que resolveram deixar os empregos para fazer os Caminhos de Santiago. Charles tem um mestrado em Línguas Estrangeiras e Comércio Internacional e trabalhava na universidade. Alexandre era livreiro. Iniciaram a caminhada em Espanha, em Pamplona, de onde partiram a pé há mais de dois meses..Fizeram 733 km para chegar a Santiago de Compostela, e foram continuando a pé. Percorreram 1500 km, numa média de 25 a 30 por dia. "O estatuto de peregrino permite-nos atravessar as zonas confinadas, o maior problema foi os albergues estarem fechados. Mas , como os contactávamos previamente, houve alguns que abriram só para nós", conta Charles em português. Viveu no Brasil. Em contrapartida, não encontraram os caminhos apinhados de gente, ter-se-ão cruzado com umas 15 pessoas, alguns várias vezes ao longo do percurso. "Há sempre centenas de pessoas em Santiago de Compostela, neste ano não havia ninguém, deu para perceber bem o impacto da covid-19, tudo fechado. Do ponto de vista pessoal, é uma experiência fantástica. Tínhamos o espaço e a paisagem só para nós, o que é muito bom já que esta é uma viagem de reflexão", diz o Charles..Alexandre, que espera traduzir a experiência em escrita, sublinha: "Os Caminhos de Santiago são uma espécie de fábrica de turistas, agora está tudo vazio. Esta situação da pandemia é triste, mas se nos abstrairmos disso e nos habituarmos ao vazio, é uma experiência forte e particular.".É a segunda vez que Charles visita Sintra, as mesmas vezes que veio a Portugal, há quatro e há dois anos. Conhece a fama e o proveito dos doces da Piriquita, e é o que leva na mochila. Estão num alojamento local. "Chegámos às 17.00 de terça-feira ao centro da vila, não havia ninguém, é bizarro", assinala. Pensam continuar a pé até Lisboa, ficar três a quatro dias na capital. Apanham depois um autocarro para Nantes, a tempo das festas natalícias. Não usam o avião por questões ambientais..Basílio Horta, o presidente da Câmara Municipal de Sintra, não teve disponibilidade para falar com o DN. Também não forneceu dados sobre as quebras do turismo, na restauração e na hotelaria. É o segundo maior concelho da Área Metropolitana de Lisboa (AML), tem 389 918 habitantes (estimativas de 2019), mas quem visita a vila são em 90% dos casos estrangeiros..Dados da Parques de Sintra indicam que receberam 3,6 milhões de pessoas no ano passado, mais 4% do que em 2018. O Palácio da Pena teve metade desses visitantes. Em segundo lugar surge a Quinta da Regaleira, faz parte da Fundação Cultursintra. Em 2018, teve mais de um milhão de visitantes, um aumento de 18% em relação a 2017. Em 2020, segundo apurou o DN, há dias em que se contam pelos dedos da mão o número de entradas. Tudo na vila está direcionado para os estrangeiros, nomeadamente o acesso aos monumentos, aos quais só os transportes turísticos têm acesso. O DN não conseguiu chegar de carro ao Palácio da Pena..Sobram os "piriquiteiros", como diz Joana Silva. Bruno Cunha é filho do dono da Piriquita, fundada em 1862, famosa pelos travesseiros. Numa situação normal, haveria filas à porta para comer ou levar uma caixa de bolos, com dias a venderem mais de 1500 caixas de travesseiros. Por isso, abriram a Piriquita II, na mesma Rua das Padarias. Fecharam os dois espaços na segunda quinzena de março, para reabrir a 8 de maio a casa-mãe, com horário reduzido. A Piriquita II reabriu no verão, período em que o negócio melhorou, para voltar a fechar em outubro..Em outubro, as quebras atingiram os 60%, caindo para os 70% em novembro. "Está muito diferente dos outros anos, pela falta de estrangeiros mas também pelas obras, não se consegue chegar ao centro da vila", protesta Bruno Cunha..Começaram a fazer entregas ao domicílio na área da Grande Lisboa para encomendas acima dos 9 euros. É grátis e os pedidos podem ser feitos através das redes sociais e por e-mail. Um serviço que chegou com a covid-19 e vai ficar. Estão a finalizar o site destinado às entregas para além da Grande Lisboa, com o pagamento de portes. E aguardam que o desconfinamento lhes traga clientes. "O mês de dezembro costuma ser bom, toda a gente gosta de vir à Piriquita nos dias festivos, vamos ver como corre", diz o Bruno. A loja II reabre no fim de semana..As queijadas de Sintra são outro ex-líbris da vila, as da fábrica Sapa têm sabor e tradição. Fundada em 1756, fica à entrada de Sintra, na Volta do Duche; por cima, têm a casa de chá. Teresa Coutinho pertence à família e gere o espaço, que também fechou no primeiro estado de emergência. Reabriu com novos horários . "Começámos com um ano simpático e, quando rebentou a pandemia, tivemos uma quebra entre 40% e 70% nas vendas, o que se agravou nesta última fase. São muito poucas as pessoas que circulam por Sintra e os custos fixos mantém-se", lamenta a gerente, para sublinhar: "Além de mais restrições - sempre que há restrições, há efeitos -, temos as obras municipais, tudo se agravou. Não havia turistas, mas havia alguns portugueses, nos últimos tempos nem esses." Espera alguma retoma com o desconfinamento, para o negócio voltar a ser sustentável em 2021..Falta movimento ao centro de Cascais, mais animado com a Roda Gigante em frente à Baía desde o dia 2 de dezembro. Tem maior procura ao fim do dia e aos fins de semana. Francisco Alverca, 52 anos, comprou o equipamento em Itália há quatro anos (custa cerca de 600 mil euros, aventurou-se num meio onde nasceu, nos parques de diversões. A roda esteve montada na Marina de Lagos entre 20 de julho e 15 de novembro. Veio para Cascais por ser "a cidade que mais gente mete no Natal"..Nesta quarta-feira, passam das 17.00 quando recebe o primeiro grupo de clientes, estudantes locais. Uma volta são cinco euros, quatro euros para as crianças. "O negócio não poderia estar a correr bem devido à pandemia, é um descalabro em relação ao ano passado", começa por dizer Francisco Alverca. Mas podia ser pior: "O pessoal de Cascais até aderiu, fico contente se der para sustentar a família. Sábado e domingo podemos funcionar até às 22.30 e estou à espera de trabalhar bem.".No Bar da Praia, o da Conceição, a sala também vai abrir neste fim de semana. Tem estado só com a cozinha a funcionar e apenas para entregas. Isso tem corrido bem, diz Filipe Kopanski, 35 anos, o segundo cozinheiro. É de São Paulo e, em Portugal, trocou o jornalismo pela cozinha. "Este é um espaço à beira-mar, as pessoas gostam de passar por aqui, vamos fazendo algum negócio. Mas o nosso maior fluxo eram turistas e houve grande quebra.".O Hotel da Baía, em frente ao mar, esteve fechado entre abril e maio, recuperou faturação nos meses de verão. Com 70% de clientes portugueses, quando antes da pandemia 80% eram estrangeiros. Chegou setembro e as reservas do hotel caíram para 20%..O restaurante tem vindo a recuperar mais rapidamente e já têm o almoço de Natal esgotado, um buffet por 25 euros por pessoa. "Tem tradição e é uma alegria ver que esgotámos as mesas 15 dias de antecedência", observa Camilo Guerreiro, 55 anos, chede de sala. Espera encher na Passagem de Ano, 120 euros por pessoa. A sala vai ter 87 pessoas em vez das 120 /130 de outros anos, divididas por mesas de seis cadeiras..Segundo dados da Câmara Municipal de Cascais (CMC), em abril encerraram 24 hotéis no concelho. Destes, quatro unidades hoteleiras mantêm-se encerradas. Quanto às taxas de ocupação, em junho foi de 35%, passou para 31% em julho, o mesmo que em agosto. Subiu para 33% em setembro, desceu 32% em outubro..Em 2019, receberam 400 mil visitantes, dos quais 45% estrangeiros. A quebra de visitantes desde a pandemia é de 85%. O concelho de Cascais tem 213 041 habitantes, é o quinto em número de habitantes na AML. Destes, 25 199 (12%) são estrangeiros, maioritariamente de Brasil (6909), Reino Unido (1472), Itália (1472), França (1178), Roménia (1150) e Espanha (1072)..A CML tem tido várias iniciativas no âmbito do combate à pandemia, nomeadamente a realização de rastreios da doença a toda a população e a oferta de máscaras de proteção. Carlos Carreiras, o presidente da autarquia, considera que a diminuição do número de infetados "permitiu que os munícipes pudessem recuperar um pouco de liberdade". Para o comércio e restauração, "é um incentivo forte". Sublinha: "Ganhar a liberdade, do ponto de vista económico e social, significa manter as empresas.".Nicky, 72 anos (escocesa), e Thomas (sueco), 73, fazem parte dos 11% dos estrangeiros que escolheram viver em Cascais. Residiam em Londres, onde ela trabalhou na área da comunicação de uma multinacional e ele na advocacia. São velejadores e decidiram viver ao lado do mar, com sol, bom vinho e boa vida, e para onde já tinham partido muitos amigos. Sentados num bar com uma amiga, o casal saboreia "todo um mundo novo que encontrou no vinho português", palavras de Thomas..Sentem-se bem e seguros em relação à crise sanitária e não poupam elogios às autoridades portuguesas. "A situação em Portugal é muito boa comparando com o Reino Unido. O Governo português tem trabalhado bem, em especial a Câmara de Cascais. O nível de comunicação é ótimo, a mensagem é clara e muito rápida. Sei do que falo, porque trabalhei na área da comunicação", defende Nicky..A saída da linha vermelha não significa que a autarquia de Cascais irá aligeirar as medidas, avisa Carlos Carreiras. "Acredito que iremos ter outros picos da pandemia, não serão tão agudos como o que estamos a passar mas, enquanto não houver uma vacina, teremos outros picos embora com menor intensidade. Os cidadãos têm de assumir cada vez mais as suas responsabilidades. Temos de ser todos a seguir as regras: distanciamento, máscara e higienização. Se estivermos separados, não vamos conseguir combater a pandemia.".David Lourenço, 36 anos, bem tem sentido no bolso os efeitos do SARS-CoV-2. É filho do proprietário da Honorato Lourenço, uma tabacaria no centro da vila que conta com 82 anos de atividade. Vende tabaco e muitas outras coisas mais, como carros e ambulâncias em miniatura, navalhas, etc. "Esta loja não é nada e tem um bocadinho de tudo", resume o David..É das lojas mais antigas de Cascais. Vendiam artigos tradicionais, deixaram este segmento quando os artigos deixaram de ter fabrico tradicional e se transformaram em lojas de recordações iguais a tantas outras, seja em Cascais, em Lisboa ou no Porto. "Esta é uma zona turística e tem sido péssimo a nível do turismo. Tivemos quebras da ordem dos 70% a 80%. É um negócio muito sazonal , temos muito mais movimento no verão e falta essa parte. Dependemos muito do turismo, 70% dos clientes eram estrangeiros e 30% nacionais, isso explica as quebras", diz David Lourenço..Ficam os 30% de clientes nacionais, maioritariamente residentes. Gente que conhece bem e que cumprimenta pelo nome à medida que passam na rua. E muitos estrangeiros que vê tantas vezes que acredita que já são cascalenses..E o desconfinamento pode ajudar: "Acredito que poderá haver mais movimento. Abrimos às 10.00 e podemos fechar às 19.00. As pessoas podem ir ao shopping de manhã, como fizeram nos outros fins de semana, e à tarde virem dar uma voltinha à vila."