A imprensa internacional e os políticos estrangeiros elogiam a "cooperação" em Portugal entre o governo e o maior partido da oposição - mas nesta semana, apesar das proclamações, o "bloco central" só existiu para chumbar leis. Para aprovar, a eficácia esteve pertíssimo do zero..Das centenas de votações que nesta semana decorreram no Parlamento - estavam em causa mais de cem iniciativas legislativas -, só numa única ocasião o PS e o PSD se entenderam para aprovar. No caso, uma proposta do governo para permitir às autarquias libertarem-se de limites ao endividamento em tudo o que seja despesa relacionada com o covid-19. Mas, nessa proposta, nem só socialistas e sociais-democratas votaram a favor. Na verdade, foi aprovada por unanimidade (e já promulgada pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa)..De resto, PS e PSD só se entenderam para rejeitar projetos dos outros partidos, nomeadamente dos que estão à esquerda do PS (a maior parte deles). O PSD, aliás, por discordar da "salganhada legislativa" representada na apresentação de dezenas de projetos pelos partidos, decidiu de antemão votar contra todos eles, conferindo assim ao PS uma responsabilidade central na sua viabilidade (ou não)..No que o "bloco central" falhou completamente foi num acordo para viabilizar em conjunto uma outra proposta do governo que conduzirá à libertação de cerca de dois mil reclusos, com recurso a perdões de pena e indultos presidenciais..O PSD opôs-se, apresentou várias propostas alternativas - e o PS, conjugado com a esquerda, chumbou-as todas, uma por uma. Foi a conjugação dos socialistas com os antigos parceiros da geringonça que permitiu a aprovação final do diploma - logo a seguir também promulgado pelo Presidente, embora este tenha referido "dúvidas" (mas sem as pormenorizar)..No dia seguinte, Rui Rio, entrevistado na SIC, assinalou este comportamento do PS mas fez questão de sublinhar que o via "sem estados de alma". Em nome do "interesse nacional", o PSD continuará a ser "colaboração" em vez de "oposição". E agora até admite ter uma "latitude muito maior" para viabilizar os próximos Orçamentos do Estado, começando já pelo orçamento suplementar deste ano..O Presidente não gostou. Na aprovação de uma lei que lhe dá poderes extraordinários de indulto, não teve o apoio dos dois partidos que são o centro da sua base eleitoral de apoio (o PSD, mas também o CDS). E, além disso, viu-se confrontado com uma espécie de antecipação da campanha presidencial caso decida recandidatar-se. Isto aconteceu quando o líder do Chega, que já disse que avançará para Belém, argumentou na Assembleia da República que a lei iria libertar violadores e pedófilos, ideia depois ampliada em manchete pelo Correio da Manhã..Ontem, Marcelo foi obrigado a esclarecer que nem homicidas, nem violadores, nem pedófilos serão beneficiados pela lei. Aliás, elencou toda a lista de crimes que não serão abrangidos pela lei: "Não se aplica a condenados por crime de homicídio, crime contra a liberdade pessoal ou liberdade sexual e autodeterminação sexual, incluindo violação e abuso sexual de crianças e adolescentes, violência doméstica e de maus-tratos, ofensa à integridade física grave ou qualificada, roubo com violência, crime contra a identidade cultural e integridade pessoal, crime de incêndio, nomeadamente incêndio florestal, tráfico de droga, associação criminosa, branqueamento de capitais, corrupção passiva ou ativa, crime enquanto titular de cargo político ou de alto cargo público, magistrado judicial ou do Ministério Público, ou enquanto membro das forças policiais e de segurança, das Forças Armadas ou funcionários e guardas dos serviços prisionais. Além disso, impõe tratar-se de pessoas idosas, em grave situação de saúde.".Depois, para retomar a iniciativa, aproveitou para anunciar, com quase duas semanas de antecedência, que no dia 17 voltará a prorrogar, pela segunda vez, o estado de emergência, por mais 15 dias, agora até 1 de maio. "Naturalmente que irei ouvir os especialistas, irei ouvir e atender ao contributo fundamental do governo e será a Assembleia da República a autorizar. Mas não podemos brincar em serviço, não podemos afrouxar, não podemos neste momento decisivo baixar a guarda.".Através do jornal Público, António Costa já fez saber que admite que o estado de emergência vá até meio de maio.