Percebendo o presente mais depressa se chega ao futuro. O mandato de Marcelo Rebelo de Sousa tem sido singular, tão diferente de qualquer um dos outros antecessores, mesmo do popular Mário Soares, que levou, já, a que se escrevessem várias teses e análises sobre ele. A dois anos de uma possível recandidatura - que tem admitido a conta-gotas - já é possível fazer o retrato do relacionamento do Presidente com o país, com o povo e com os poderes. E quem o tem acompanhado de perto não tem dúvidas sobre o que fará: "Marcelo, ao selar um pacto emocional com as pessoas, não tem margem para não se recandidatar. Ele deixaria órfãos os portugueses com os quais andou a selar este pacto há três anos", afirma Felisbela Lopes, uma das autoras do livro Marcelo, Presidente de Todos os Dias, lançado nesta semana..Outra das certezas da investigadora da Universidade do Minho, especialista em jornalismo, é que "Marcelo vai ter de se reinventar, porque o seu estilo de presidência comporta riscos, e o maior deles é a saturação". Para Felisbela Lopes, que escreveu o livro em parceria com a jornalista do Público Leonete Botelho, o estilo de presidência de Marcelo "foi muito eficaz para um tempo que já está a passar", em que foi preciso neutralizar a crispação na sociedade, em que existia descrença e o país estava afundado numa crise. Viviam-se os anos de grande impacto do plano de ajustamento da troika.."Tínhamos uma ideia de nós muito negativa e aparece um Presidente que desmonta tudo isto, com o primeiro-ministro, é certo." E como? "Foi dar afeto às pessoas, quando toda a gente nos dava lições de moral, que precisávamos de ser poupadinhos, e mesmo assim tudo era miserável, e sentíamo-nos como os coitadinhos da Europa", argumenta Felisbela Lopes. Mas este tempo passou, insiste. "Ganhámos o Euro 2016, a Eurovisão, temos um secretário-geral da ONU, um presidente do Eurogrupo e as finanças também deram a volta, já não se fala de crise e as pessoas acreditam que há possibilidade de melhores dias." É por isso que as bandeiras de Belém para os próximos anos, e até para o segundo mandato, têm de ser outras.."É preciso abrir a porta a outras questões sociais, porque as bandeiras dos sem-abrigo, dos refugiados, dos idosos, eram necessárias mas eram relativamente fáceis. É preciso agitar outras, um novo relacionamento com o Parlamento e com o governo. O atual estilo de presidência não é possível para mais cinco anos", vaticina Felisbela Lopes..Na sua previsível recandidatura, Marcelo vai ter em consideração três variáveis, defende a investigadora. A primeira é a da idade - Marcelo tem 70 anos - porque o seu estilo de presidência é muito desgastante: 365 dias por ano, quase sem folgas e muito presente. Depois, vai querer ser reeleito com o maior número de votos de sempre e para isso tem de ter o apoio da esquerda e do centro-esquerda. Por fim, há que ter em conta a conjuntura política que vai sair das eleições de outubro. "Este último fator não será muito determinante, porque num quadro de governo de maioria a direita vai entrar em crise e há necessidade de um presidente que reequilibre e trave excessos de poder; se o governo for minoritário, ele já tem um treino de quatro anos", diz ainda Felisbela Lopes..O PR das contradições... e dos afetos.De Marcelo tinham-se traçado perfis, como o do jornalista Vítor Matos, ou até analisado a sua prestação como comentador televisivo, como fez Rita Figueiras para a Fundação Francisco Manuel dos Santos no livro O Efeito de Marcelo. Mas uma análise aos três anos de mandato, de fio a pavio, só agora é possível através do olhar da investigadora e de uma jornalista que segue a Presidência da República. E uma das grandes questões a que quiseram responder é se Marcelo é genuíno nos seus afetos ou se tudo é muito construído. "A jornalista Natália Carvalho, da Antena 1, diz-nos que "Marcelo começa a planear o ano do último para o primeiro dia". O que é que isto quer dizer? Que nada é por acaso. Ele sabe que ser assim é eficaz, mas ele também é assim", explica a investigadora. Marcelo dá afeto às pessoas porque gosta delas, mas também porque precisa que gostem dele. "Ele foi a casa das pessoas nas más horas, mas também já lá tinha estado nos dias festivos. Rompeu algumas barreiras que a classe política tinha em relação ao povo.".Ele, que faz parte da elite, sublinha Felisbela Lopes, fala para o povo. E as aparentes contradições não ficam por aqui: é católico, mas preocupa-se com as outras religiões; é extremamente inteligente, mas precisa das emoções, aparentemente tudo o que diz é espontâneo, mas há muitas "movimentações no xadrez político". "Temos também um Presidente de direita que fala para o centro e para o centro-esquerda e até pouco para a direita", afirma a investigadora, que admite algumas pontes com Assunção Cristas, mas que virão mais da parte líder do CDS para Belém do que o contrário..Nestes três anos, Marcelo beneficiou do "perfil" do primeiro-ministro, que Felisbela Lopes descreve como "parecido". "Ambos são perspicazes, sabem que em política é preciso um grau de construção grande." A investigadora considera que "é um toma lá dá cá" no que respeita às relações entre Belém e São Bento. Marcelo terá feito muitas coisas que o governo não gostou - como as suas exigências no caso de Tancos e nos incêndios, que levaram à demissão da ministra da Administração Interna -, mas também terá sido obrigado a aceitar o que o governo quis no que diz respeito à substituição da procuradora-geral da República Joana Marques Vidal por Lucília Gago. Foram estes os momentos mais marcantes do seu mandato, a que se soma o dos sms trocados entre o ministro das Finanças, Mário Centeno, e António Domingues, antigo presidente da Caixa Geral de Depósitos..No livro são contados vários episódios que mostram como Marcelo ajuda a desconstruir as pessoas. "Tanto põe à vontade reis como o povo." E sabe como nenhum outro político, não tivesse sido jornalista, como lidar com os meios de comunicação social, até na coreografia do terreno. "Os jornalistas e operadores dizem que quando ele sai do carro não olha para a câmaras, mas sabe exatamente onde elas estão, até no modo como se movimenta. Obviamente que o relacionamento com os jornalistas tem muito que se lhe diga.".Na apresentação do livro Marcelo, Presidente de Todos os Dias, na passada quinta-feira, o social-democrata Pacheco Pereira lançou uma farpa: existe um "enorme défice de escrutínio" à atuação do Presidente da República, nomeadamente por parte da comunicação social.