É um dado simbólico, mas ilustrativo: entre 2015 e 2019, o PS quadruplicou o número de referências às alterações climáticas no programa eleitoral; o Bloco de Esquerda idem: quase quatro vezes mais; o CDS multiplicou por cinco as referências face ao programa anterior da coligação de direita, o PSD triplicou. No espaço de quatro anos, as alterações climáticas passaram de um item mais ou menos disperso no meio das promessas eleitorais a desígnio estratégico dos vários partidos, com PS, BE, PEV e PAN a iniciarem os programas exatamente por esta questão..Há quem lhe chame emergência, crise, quem queira um Ministério da Ação Climática e uma Lei do Clima. Promete-se a transferência dos impostos sobre o trabalho para a penalização da poluição, a abolição dos plásticos não renováveis. As respostas são diferentes, mas não há, entre os partidos com assento parlamentar, quem negue ou menorize as alterações climáticas (embora o CDS sublinhe que o compromisso ambiental deve ser "fundado na ciência")..O tema ocupa dezenas de páginas nos vários programas, e é dentro desta preocupação que surgem agora as linhas mestras de áreas tão relevantes como a energia, os transportes, as florestas ou a agricultura. A afirmação de que Portugal é particularmente suscetível às consequências das alterações climáticas e que tem de preparar-se para enfrentar essa realidade é um diagnóstico que atravessa os programas. As secas que vêm atingindo o país, os trágicos incêndios de 2017 ou os 13 quilómetros quadrados de território que desapareceram com a erosão costeira são alguns dos exemplos apontados. Uma ressalva para o PCP, que dedica menos espaço ao assunto, referindo-se uma única vez às alterações climáticas. Na CDU, as questões ambientais ficam por conta dos 12 compromissos assumidos pelo PEV..Portugal assumiu o objetivo de chegar a 2050 com neutralidade carbónica - ou seja, conseguindo dissipar o mesmo nível de dióxido de carbono que emite para a atmosfera. Há dois partidos que dizem querer rever esta meta. O PSD, que defende que se deveria antecipar este objetivo, e o PAN, que quer aprovar uma Lei do Clima (tal como BE e CDS), incluindo nela a "revisão das metas de descarbonização estipuladas até e para lá de 2050"..O caminho para a "descarbonização" também tem muitos pontos em comum, sobretudo em relação às grandes linhas de atuação - eletrificação da economia (um objetivo que vai das indústrias aos transportes), aposta nas energias renováveis, aposta na ferrovia, redução dos resíduos urbanos, combate à desertificação do território, agricultura mais sustentável. Longe de ser uma lista exaustiva, eis a resposta dos vários partidos a algumas das questões trazidas pela crise climática..Emergência climática, sim ou não?.Nos programas eleitorais há três partidos que não falam só em "alterações climáticas", falam em "emergência climática": o PSD, o BE e o PAN. Os sociais-democratas defendem que se deve "aceitar a declaração de emergência climática", já anunciada no Reino Unido e na Irlanda. No BE, a menção está logo no título: "Um programa para a emergência climática". O mesmo para o PAN, que escreve expressamente que o governo deve declarar o "estado de emergência climática nacional". Já há uma resolução da Assembleia da República nesse sentido, e o próprio Presidente da República já fez essa sugestão, que até agora não teve eco no executivo. O programa eleitoral do PS é omisso..Os transportes vão mudar?.É um dos setores mais poluentes - os transportes são responsáveis por 24% das emissões de gases com efeito estufa, um valor só ultrapassado pela produção e transformação de energia e que faz desta área um alvo preferencial do combate às alterações climáticas. Neste capítulo, há vários pontos consensuais entre os partidos: apostar nos transportes públicos, através de frotas não poluentes, promover a mobilidade elétrica, incentivar a mobilidade suave (sobretudo as bicicletas), apostar em força na ferrovia..O BE avança com a proposta mais radical de limitação da circulação automóvel , propondo a criação de zonas centrais vedadas a automóveis nas grandes cidades, "abrangendo cem hectares em Lisboa (Baixa, Chiado e Avenida da Liberdade) e 40 hectares no Porto (Ribeira, Sé e Aliados)". O PS deixa a sugestão, sem concretizar: "Apoiar o desenvolvimento de redes cicláveis e áreas livres de automóveis." Já o CDS, em dissonância com os restantes partidos, defende um "modelo de concessões de serviço público e abertura do mercado de transportes" aos privados, nomeadamente na ferrovia..A produção elétrica a carvão vai acabar?.O fim da produção elétrica a carvão, com o encerramento das centrais termoelétricas do Pego e de Sines, é uma promessa comum de PS, BE e PAN, que diferem no calendário. Os socialistas propõem o "encerramento ou a reconversão do Pego até 2023 e de Sines entre 2025 e 2030", os bloquistas querem fechar a primeira em 2021 e a segunda até 2023, que é também o ano-limite para o PAN. Mas há uma divergência mais expressiva: a possibilidade de a central do Pego ser reconvertida para a biomassa (resíduos florestais), um cenário já admitido pelo governo, que é contestado pelo BE e também merece dúvidas ao PAN. O PSD mostra-se favorável a novas centrais de biomassa, os restantes programas são omissos..Queremos explorar o lítio em Portugal?.As baterias de lítio são uma peça fundamental para a mobilidade elétrica. Mas a extração deste metal promete ser uma das questões mais polémicas do futuro. A Quercus já veio dizer que o aumento da exploração de lítio em Portugal poderá levar o país a falhar as metas de redução das emissões de dióxido de carbono. O PS é o único partido que responde a esta pergunta, e com um claro "sim", defendendo uma "exploração sustentável das reservas de lítio". Os socialistas querem promover "um cluster em torno deste recurso", indo para lá da mera extração e "investindo em atividades de maior valor acrescentado no âmbito da indústria de baterias"..O que fazer com os plásticos?.A limitação do plástico é uma preocupação praticamente unânime, tal como o fim dos plásticos de uso único. O PS quer abolir até ao final de 2020 os plásticos não reutilizáveis (como pratos, copos ou talheres). Os excessos na embalagem de produtos - que por vezes são embalados em plástico e depois em cartão, ou vice-versa - são outro alvo generalizado, com o PSD a sugerir a fiscalidade como uma arma de combate aos excessos. O PEV promete adotar "regras para reduzir em 20% o plástico utilizado nas embalagens de produtos". O CDS centra a questão na agricultura, prometendo incentivar a utilização de "plásticos compostáveis e biodegradáveis"..Como se poupa água?.Aumentar as reservas estratégicas de água, subterrâneas e superficiais e garantir uma gestão adequadas das bacias hidrográficas são duas propostas que se repetem nos programas eleitorais. Nesta matéria, o CDS propõe-se criar "um sistema nacional de eficiência hídrica", executando um quadro semelhante ao que já existe para a certificação energética dos edifícios, mas aplicado à eficiência hídrica. O PCP quer uma nova Lei da Água que impeça a mercantilização deste bem. Já o BE quer criar um Plano Nacional de Restauração Fluvial , para "diminuir a fragmentação dos cursos de água, removendo barragens e açudes". Destaque ainda para uma medida mais modesta (ou nem tanto) que atravessa vários programas eleitorais - a instalação de mais bebedouros públicos para evitar a compra de garrafas de água..Vai haver mais impostos ambientais?.Qualquer que seja a solução final que saia das eleições, esta é uma certeza para o futuro: a fiscalidade verde veio para ficar. O PSD aponta para uma "aplicação progressiva da fiscalidade verde", nomeadamente como instrumento de combate ao uso excessivo do plástico e à promoção de materiais ecológicos. Os socialistas avançam com uma formulação mais radical, propondo que os impostos incidam mais sobre a utilização de recursos, penalizando o impacto ambiental, e libertando dessa forma "a carga fiscal sobre o trabalho". O PAN quer todos os produtos que gerem resíduos a pagar ecovalor, o que já sucede com pilhas, pneus, embalagens de plástico ou cartão, mas "não é aplicado aos têxteis nem às cápsulas de café, por exemplo" - uma "clara desconsideração pelo princípio do poluidor-pagador".