António Filipe Pimentel: "O Museu Nacional de Arte Antiga quer ser autónomo, ponto final"
António Filipe Pimentel, 59 anos, festejou no dia 1 de março os seus oito anos à frente do Museu Nacional de Arte Antiga. O mesmo dia em que a Universidade de Coimbra fez 720 anos, e é o próprio aluno formado nesta instituição que o lembra.
O atual diretor do museu das Janelas Verdes formou-se em História, variante História da Arte, em 1986 e tem um mestrado em História Cultural e Política da Época Moderna. O Palácio de Mafra foi o tema da sua tese de dissertação. Recebeu, por ela, o Prémio Gulbenkian de História da Arte 1992-94. Foi professor e diretor do Instituto de História da Arte da Universidade de Coimbra. À frente do património cultural, elaborou a candidatura da universidade a Património Mundial da Unesco. Deu aulas.
Após uma passagem pelo Museu Grão Vasco, em Viseu, foi nomeado para o Museu Nacional de Arte Antiga, o segundo museu nacional mais visitado em 2017 depois do Museu dos Coches, segundo a Direção-Geral do Património Cultural. Recebeu 212 669 visitantes.
A conversa decorre no seu gabinete, no último piso do antigo palácio do conde de Alvor. É preciso atravessar o museu para lá chegar. Ao início da tarde quarta-feira estavam encerradas ao público as salas de mobiliário recentemente renovadas e a de artes decorativas francesas. Falta de vigilantes, um assunto que há muito critica.
Tinham passado três dias desde que o Museu Nacional do Brasil ficado reduzido a cinzas e o assunto é obrigatório na entrevista ao diretor do Museu Nacional de Arte Antiga.
Como se explica este acontecimento?
As condições estavam todas formadas para que acontecesse. O que é estranho, de um ponto de vista de segurança, é que não tenha acontecido há décadas atrás. Conheci o museu há muitos anos e era absolutamente visível o estado de decadência e subnutrição da instituição.
De que estamos a falar?
Das questões museográficas, que estavam paradas no tempo, às condições de conservação do imóvel - o que os visitantes não veem, mas que agora tem sido referido como as deficientes ligações elétricas. Também é preciso pensar que um edifício destes tem uma parte onde os visitantes circulam e outra parte onde não circulam. A negligência tende a instalar-se ainda mais nesse outro lado. É uma espécie de caricatura absurda do estado de negligência e subnutrição que atinge os museus quando não são no primeiro mundo. As responsabilidades são repartidas por todas igualmente. Pelo atual governo, mas também pelos anteriores, porque não se trata de uma calamidade originada nos curtos últimos anos, mas sim de algo que vem consolidado de muito antes. O último presidente a visitar o museu tinha sido o Juscelino Kubitschek. Estamos a falar nos anos 50 [1958]. Não fazia sequer parte do percurso protocolar de um presidente que se interessa pelas coisas da cultura. Depois ainda acresce outro aspeto, que nos afeta a nós diretamente, que é o facto de o museu estar integrado na Universidade do Rio de Janeiro e o património ser nas universidades historicamente a cauda do orçamento. As próprias universidades tendem a afetar-lhe o mínimo dos meios, porque são sempre escassos, quaisquer que eles sejam, mesmo opulentos e nutridos, porque o território da investigação em todas as áreas exige muitos recursos. Daí que nos países civilizados exista uma quota-parte de participação da sociedade civil na investigação cientifica. Existe sempre a tradição do envolvimento da sociedade civil. Basta irmos a Oxford e vermos o exemplo do Ashmolean Museum ou, por exemplo, de Kelmscott Manor [Londres], de onde veio a famosa vista de Lisboa da Rua Nova dos Mercadores. Esses países têm consciência da importância do património. É algo que está integrado na educação da cidadania.
E em Portugal?
Em Portugal é muito tímido. Basta pensar na campanha do Sequeira, esmagadoramente dominada pelo pequeno contribuinte e pela Fundação Aga Khan, que deu 200 mil euros, um terço do valor. Não foi nenhum patrocinador nacional. Estamos a falar de contributos entre os 10 mil e os 20 mil euros. Tudo o resto são milhares e milhares de pessoas, mais de 15 mil nomes, fora os anónimos. Foi um envolvimento total da sociedade civil. Existe ainda uma dificuldade muito grande de envolvimento da cidadania na coisa pública, fora da promoção do próprio nome. Fizemos a campanha do Sequeira e agora estamos a fazer a do Presépio de Belas com cem anos de atraso em relação à National Gallery, que a faz sistematicamente desde 1908 e comprou já um acervo enorme de obras. E há uma responsabilidade da cidadania na gestão das verbas universitárias. Como dizia alguém, dos milhões de pessoas que se comovem [com o incêndio do Museu Nacional do Brasil], a quantas passava pela cabeça ir visitar aquele museu? Temos de ser cidadãos pela positiva e não pela negativa.
O escritor Paulo Coelho escrevia no The Guardian que existe responsabilidade políticas, mas também dos cidadãos.
A culpa é transversal e por isso é que a perda é mundial no sentido em que nos afeta a nós portugueses, também, porque o Brasil é uma extensão nossa, com a relação histórica que temos e afetiva. Uma perda desta natureza nunca poderia deixar-nos insensíveis. São a nossa própria história e memória que ficam amputadas. Vivemos a protestar que as verbas para a cultura são escassas, mas são-no porque nós cidadãos o aceitamos assim. O facto de não ser eleitoralmente eficaz o investimento na cultura gera a sua subnutrição.
Estamos no período de pré-apresentação do Orçamento do Estado para o próximo ano. Qual é a sua expectativa?
A minha expectativa como cidadão e como diretor deste museu são diferentes. Como cidadão tenho ouvido dizer que vai haver um reforço para a cultura, o que me parece importante. Regozijo-me com isso, mas a cultura é muito lata. A propósito deste acontecimento no Brasil foram publicados os apoios do Ministério da Cultura a filmes e música, que sempre rendem eleitoralmente, em contraponto com a sucessiva subnutrição do Museu Nacional. A questão é: o que é que desse novo orçamento se vai refletir neste museu? E, honestamente, de acordo com o que tenho podido entender, não vai haver nenhum reflexo positivo. A situação vai manter-se inalterada.
A sala de mobiliário estava encerrada, como aconteceu no dia de reabertura ao público.
Como está encerrada a sala de artes decorativas francesas. Estiveram abertas de manhã, ao meio-dia já estavam fechadas.
Esta situação vai manter-se no próximo ano?
Nada me foi dito sobre perspetivas de alteração da situação. Isso obrigava a uma radical intervenção no sistema. Felizmente não corremos os riscos do Museu Nacional do Brasil, porque temos portas corta-fogo, extintores, câmaras de vigilância e os bombeiros da Avenida D. Carlos I, que em dois minutos aqui estão. Felizmente, estamos noutro mundo. O que não quer dizer que não nos ressintamos de problemas tão complicados, como há cinco anos não termos contratos de manutenção regulares de todas as estruturas - de ar condicionado, de eletricidade... Andamos sempre a pedir pelas alminhas e sempre no limite, o que é temerário para uma instituição desta natureza. Temos uma situação muito deficitária, temos menos de metade dos recursos que tínhamos em 1987, menos de metade dos vigilantes e muito mais área de museu aberta e a gestão de um melting pot de vigilantes que são uma manta de retalhos de vários setores, difícil de gerir, e de gerir com eficácia. Se pensar que temos vigilantes do quadro, a maior parte em idade de pré-reforma e formados em outro tempo, é difícil reciclá-los com normas de eficácia de situações de perigo. Depois temos os vigilantes que nos chegam dos centros de emprego, uma quota de 15 que nunca conseguimos preencher, e esses não vêm aos feriados. Estão seis meses e vão embora. Temos tarefeiros que são rececionistas que vão sendo contratados. Não se trata apenas de plantão de salas, mas de um conjunto de trabalhos muito diversificados, como portarias em que têm de falar várias línguas e movimentos financeiros na loja... A gestão é quase de hora a hora. Se alguém mete baixa, há uma linha de salas que têm de ser reorganizadas no momento. Abriu um concurso há dois anos, demorou um ano a ficar concluído, para três vigilantes, dos quais só entraram dois. Um já pediu por duas vezes mobilidade. Vamos ficar com um, de um concurso que foi laboriosamente feito com todos os procedimentos, meses de entrevistas. Os concursos são apenas para a função pública. Quem concorre fá-lo também para escolas, hospitais e uma série de outras coisas ao mesmo tempo. Nós estamos na cauda das preferências das pessoas por causa do ónus dos fins de semana e dos feriados.
Quantos vigilantes tem o Museu de Arte Antiga neste momento?
Uns 17, ou coisas que o valha.
De quantos precisariam?
De uns 50, para aguentar os turnos e mudanças. Estamos a um terço do que deveríamos ter e precisaríamos de uma estrutura moderna de vigilantes. Tem de ter um corpo de pessoas da casa, reduzido, capaz, que chefiam as equipas, preparado como deve ser, e, a partir daí, tem de haver um contrato com empresas de seguranças, o que dá, desde logo, responsabilidade civil. Além de que são gente que, por estarem formados para a segurança dos edifícios, sabe agir quando acontece alguma coisa. Já se tornou prática corrente o fecho de setores. O segundo piso, das artes da expansão, que nunca na vida tinha encerrado, já entrou na rotina de fechar às horas de almoço. Para cúmulo, é nos feriados e nos fins de semana, quando o museu tem mais gente, que os constrangimentos são maiores. Não tenho anúncio de reforço de nenhuma espécie. Não raro, há pressão excessiva em algumas salas. Foi o que aconteceu no episódio do [São Miguel] Arcanjo. O facto de ser um edifício antigo, com muitos cantos e recantos, exige outra visibilidade. É muito diferente estar no Museu dos Coches, onde tem uma nave aberta. Consegue com muito menos vigilantes ter uma perspetiva ampla do espaço. Só na galeria de pintura europeia são 20 salas em sequência, no terceiro piso são 16, todas elas com obstáculos e coisas que não dão visibilidade. Ter três vigilantes é manifestamente insuficiente. Que isto dê noites tranquilas a um diretor, a um que seja consciente, não dá. A alternativa era encerrar o museu. A tutela, até ao mais alto nível, tem conhecimento. A situação não pode ser mais transversalmente conhecida.
Quantas vezes abriu a sala de mobiliário desde a sua renovação?
Tenho-a visto aberta e fechada com a mesma regularidade, mas acredito que tenha estado encerrada mais dias do que os que abre. Isso é exasperante, porque se está a fazer um esforço na qualificação do equipamento que depois tem uma deficiente fruição.
Este assunto tem sido debatido com a tutela, o Ministério da Cultura.
O senhor ministro [Luís Filipe Castro Mendes] já me disse que não era possível admitir mais vigilantes. É evidente que o ministro da Cultura e a diretora-geral do Património Cultural [Paula Silva] são as pessoas que em primeiro lugar têm conhecimento dos problemas do museu.
Quantos visitantes a menos acha que o museu tem tido, no último ano, por causa dessa circunstância?
É difícil perceber, mas estamos com menos visitantes. Mais estrangeiros, mas, no global, menos visitantes do que o ano passado.
Atribui essa diminuição à falta de vigilantes?
É difícil ter uma noção exata das coisas. Agora, imagino que o facto de haver uma contínua informação de que há salas e partes do museu fechadas não seja estimulante para quem vem. O que, por outro lado, nos exige um esforço constante atualizando a informação no site, quando, também na comunicação, os recursos são praticamente inexistentes ou amadorísticos. Voltamos ao caso do Brasil: aquilo que o público vê é o que é feito para ele ver, por isso é que as pessoas têm esta ideia romântica de que eu tenho um trabalho maravilhoso envolto em obras de arte e não em dossiês e papéis como se vê aqui. Imaginam que passo o dia a flanar por aí, ai que bom que deve ser...
E não é?
É, porque eu gosto do meu trabalho e da capacidade de realizar coisas em vários domínios, a investigação e a produção de conhecimento. Sou um professor universitário, tenho esse vício. Tentamos esticar onde for possível as condições de autogoverno, nomeadamente as questões financeiras, com recurso a mecenato e à sociedade civil. Eu claudico exatamente no ponto em que não posso deixar de tropeçar que é o dos recursos humanos, porque é aí justamente que não há mecenato que me valha. Tem que ver com capacidade da administração e com o modelo de gestão deste museu e de todos os outros. A questão passa exatamente por aí.
Existia a promessa de um novo modelo de gestão em que o Museu de Arte Antiga seria o projeto-piloto? Como é que isso está?
Compete ao senhor ministro dar as explicações sobre essa matéria, mas não me parece que as coisas vão no sentido prometido, antes no oposto. Essa é que é exatamente a questão. Um museu exige capacidade. Rende muito à marca e à economia. Agora, evidentemente, é caro. Todos os países do primeiro mundo o sabem. Espero que em outubro consigamos publicar as atas do encontro que se fez em outubro do ano passado, em que se juntou um grupo de pessoas responsáveis por museu internacionais falando dos meios que têm e dos modelos de gestão adotados e dos casos que nos importam.
Que modelos de gestão estão a ser usados em museus como o Prado, o Louvre...
... O Rijksmuseum, o Reina Sofía, o Guggenheim, de Bilbao, que é um museu regional, ou o museu do Luxemburgo? São quadros autónomos. O museu é uma fundação.
Porque defende tanto esse modelo, autónomo. Talvez se fosse tão evidente já tivesse sido posto em prática.
Talvez porque para a maioria das pessoas não são evidentes as condições em que trabalhamos e as necessidades de trabalho que temos, mas pense num caso parecido, que é o de um teatro nacional, o D. Maria II ou o São Carlos. São estruturas com uma programação que faz mover a casa, e essa programação exige uma negociação internacional que os obriga a ter uma segurança de que terão capacidade financeira para contratar algo que acontecerá dali por três anos, portanto, um tempo longo de preparação. A questão é encontrar na coisa pública, um modus operandi para lhe dar segurança e agilidade. Nós estamos à espera do resultado de um concurso de lâmpadas desde o início do ano. Estamos a ficar numa situação dramática. Como já está obsoleto o sistema de iluminação, já não existem lâmpadas no mercado. Neste momento já não conseguimos substituir as lâmpadas e os famosos leds que hão de vir da direção-geral ainda não vieram nem se sabe quando virão. Houve um erro no concurso.
Como é que até aqui se resolvia a situação?
Com recurso à sociedade civil. O Grupo dos Amigos do Museu, o maior e o mais antigo grupo de amigos, com estatuto de utilidade pública, é o interface do mecenato. Se uma empresa quiser patrocinar alguma coisa no museu, patrocina o Grupo dos Amigos conseguindo fazer que o dinheiro venha para o fim a que se destina. Na administração isso não é possível, porque não é possível afetar uma receita a uma despesa. Vá perguntar à Fundação CCB se eles querem mudar o estatuto. Queixam-se dos cortes, como todos, mas a questão é de controlar e dominar o que lhe diz respeito. A autonomia tem que ver com isso, ser eficaz. Claro que tem um grande problema associado, uma carga de responsabilidade e trabalho muito maior, e é precisamente por isso que nos países que têm essa experiência nem todas as instituições querem ser autónomas, nem pouco mais ou menos. Por exemplo, em Espanha, o Museu Nacional de Escultura, em Valladolid, não quer. Para já, porque trabalha com um estrutura que sabe efetivamente o que os museus fazem e precisam. Não é bem o caso aqui, em que nós somos uma espécie de gente que teima em fazer coisas e que estamos sempre a chatear, se estivéssemos quietos éramos mais tranquilos e estimáveis. Pergunto-me é se é suposto estarmos quietos ou fazermos coisas... A questão é quando uma estrutura como esta, que tem problemas tão complicados como o envelhecimento crónico da equipa técnica... Porque esta casa é, antes de tudo, um centro de investigação. A casa produz e mobiliza conhecimento. Estamos sempre a produzir novo conhecimento na história da arte e na conservação e restauro. Ainda agora o restauro do Presépio de Belas, que vai dar um livro no final. Está a ser uma renovação total, nunca tinha sido feita a operação de desmontar tudo aquilo. É a partir da produção de conhecimento que se afirma a marca, que se comunica a marca, que se faz material de comunicação, que se faz exposições, que se estimula uma programação que é a forma de comunicar aos públicos. O que acontece é que em todas as operações não há uma que se faça que não exija procedimentos administrativos, desde a compra de livros à compra de papel, de toner, de produtos para conservação e restauro.
Quantos conservadores trabalham no museu?
Uns 17 ao todo. O último conservador, Miguel Soromenho, está aqui há quatro ou cinco anos, fui eu que o cooptei. O Joaquim Caetano também, a Margarida Veiga entrou há dois anos, a Ana Kol há uns três anos.
A última pessoa que entrou foi porque abriu um concurso.
No início dos anos 1990, acho eu. As últimas pessoas que entraram, a geração a que pertencem o Joaquim Caetano, o Anísio [franco], a Luísa Penalva, a Isabel Cordeiro... Entraram como inventariantes no tempo da Simonetta Luz Afonso, no final da década de 1980. Abriu concurso e eles entraram.
Agora tem inventariantes?
Não, agora tenho oito bolseiros que consegui cooptar, porque tenho uma relação histórica com a Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT). Como sou professor universitário, tenho uma relação com a FCT, que permitiu ter uma conversa estimulante e reunir uma pool de oito bolseiros que estão a fazer trabalho aqui. Conseguimos juntar uma coisa e a outra e criar aqui algum reforço de pessoal. Aqui acresce o trabalho de dois funcionários notáveis - um na investigação, o outro na conservação e restauro - que entraram como vigilantes e ganham como vigilantes, que têm mestrado. Acresce também que o grau de doutores está a generalizar-se entre os conservadores - o Joaquim Caetano, a Alexandra Markl, o Rui Trindade, e o José Alberto [Seabra de Carvalho] só não se doutorou porque o levei para a "má vida" [ser diretor adjunto do MNAA]. Está há oito anos para fazer o doutoramento. E as pessoas são doutoradas para quê, quando isso não tem qualquer impacto na sua carreira? Uma coisa evidente que esta casa tem de ter para proteger a carreira da investigação é um regime de paridade com a carreira universitária.
Mas por que motivo não se resolve?
A situação resolve-se por decisão política, não técnica. Não cabe ao museu tomá-la. Ao Museu do Prado foi dada a máxima autonomia que pode ser dada a uma instituição pública, que é a do Tribunal Constitucional, conseguido através de um ato político, entre todos os grupos parlamentares, entendendo que o Prado tem na marca Espanha um papel tal que tem de ter condições de trabalho proporcionais. Não estamos a falar de empresas que repartem lucros, estamos a falar de serviço público. Os meios que pretendemos é para melhor servir o interesse público, não é para nosso interesse.
Qual é o vosso orçamento anual?
Não temos orçamento anual. Somos um serviço dependente da direção-geral. Temos custos de manutenção que são absurdamente ridículos, que nem se pode contar num país do primeiro mundo. O museu custa dois milhões de euros, cerca de dois terços do Museu dos Coches. Mas, falando do orçamento de programação, neste ano tivemos um orçamento de 350 mil euros. O que acontece é que não se trata apenas de ter uma verba consignada, trata-se de ter a capacidade de a gastar. Ora, por causa das entropias da administração pública, a capacidade de gastar a verba vai-se erodindo, o que quer dizer que esta verba não chega nem de perto nem de longe para a programação do museu, mas seria uma importante ajuda para alavancar. A filosofia da máquina, que não é da direção-geral mas das Finanças, é a de não gastar, porque a perspetiva é financeira e não económica. Financeiramente existe uma perda de 350 mil euros de tesouraria, existe um dispêndio, mas este dispêndio gera emprego, conhecimento, marca, faz que se fale, gera notícias, mas isso é do ponto de vista da economia. Historicamente, isto também não foi inventado agora, vem do professor Salazar, quando o império das finanças se estendeu a tudo o resto. Criaram um mecanismo destinado a impedir o gasto. Daí as cativações, e por aí fora. Precisamente por isso, o que nos garante a agilidade é a afetação da receita à despesa, por obrigação contratual. Enquanto na administração pública é ilegal consignar uma receita a uma despesa, num apoio privado é ao contrário, é ilegal que o dinheiro que me dá para fazer uma exposição não seja gasto naquilo para que estou a dar. É isso que permite a agilidade. O Estado mantém refém uma instituição que não sustenta. O MNAA está refém de constrangimentos e limitações, quando na verdade o serviço público que aqui é prestado é financiado por outros meios, privados ou até a Fundação para a Ciência e para a Tecnologia.
Uma provocação: se o Museu Nacional de Arte Antiga se autonomizar deixa de ser solidário com museus que não têm tantos visitantes.
Se a solidariedade é a da subnutrição, vamos todos do Biafra para o fundo do mar. É o Estado, o país e o Orçamento do Estado que têm de ser solidários com os museus todos. Não só com este, mas com todos. Faz-me sempre lembrar aquela pergunta de Francisco: "Em que cláusula do testamento de Adão está escrito que metade do mundo é para os portugueses e a outra metade dos espanhóis? Onde é que se escreveu que os museus públicos podiam não ter um euro para programação ou aquisição de obras para valorização do seu acervo? Este absurdo entrou na doutrina de uma maneira qualquer, não existe em parte nenhuma do mundo civilizado, e por isso é que nem o Louvre deixou de continuar a adquirir obras em plena ocupação alemão nem os museus de Espanha, no pico da crise, deixaram de ter verbas para programação e aquisição. Tiveram menos, os tais cortes. Por isso quando me perguntava como estava com os cortes eu dizia "lindamente", não é possível fracionar zero. A solidariedade não é entre os pobrezinhos, é entre as instituições. A questão não é que o MNAA quer ser autónomo e não quer que os outros sejam. Não. O Museu Nacional de Arte Antiga quer ser autónomo, ponto final. Se se entender que os outros devem ser autónomos, pois excelente. Este museu trabalha com um espírito ético, de mostrar que uma instituição publica pode dar orgulho aos portugueses e que a lógica deve ser que as instituições privadas devem emular as instituições publicas que por natureza devem ser majestáticas em capacidade realizadora, em conhecimento instalado. Este museu precisa, para unir a atividade que tem, a programação, a produção de conhecimento. A todos os outros que precisem também deve ser concedido idêntica ou parcial apoio, mas apoio. Estimo imenso que haja apoios aos artistas contemporâneos - ao cinema, ao teatro, à música, a tudo - e estimo que exista um outro apoio a este museu, que a única coisa que pede, e pediu, foi que libertassem as receitas próprias que gera, que são 500 mil euros entre bilheteira e loja e de constrangimentos administrativos que não custam nada, são apenas jurídicos, e com isso melhoraria a eficácia procedimental. Gerindo as nossas receitas, não só teríamos a base de sustentação e garantia de manter uma programação com o reforço da marca e a capacidade de gerir a receita de bilheteira, e de a mudar, ia exponenciar esses 500 mil transformando-os em 750 mil e um milhão, um milhão e meio. Tem que ver com eficácia e com economia de recursos. O que aqui está a ser feito é um desperdício total, económico e financeiro. Porque o museu podia ser muito mais autossustentável e contribuir muito mais para a marca Portugal. O museu fez um exercício académico de demonstração de virtualidades. Ninguém acreditava neste museu há dez anos. Quantos portugueses iam ao MNAA? Mais ou menos os mesmos que iam à Torre do Tombo ou à Biblioteca Nacional. Hoje já existe a consciência de que o museu existe.
Já pôs de parte a ideia de ampliação?
Não, mas não sou eu quem decide, existe um plano de pormenor das Janelas Verdes, bloqueando toda a possibilidade de operação financeira na área de expansão do museu.
Qual é a área de expansão do museu?
É a área correspondente na Avenida 24 de Julho ao museu todo e até à escada da Rocha Conde de Óbidos. Foi feito por nós um masterplan de todas as necessidades que o museu tinha. O gabinete de Manuel Salgado [vereador do Urbanismo] e Vasco Melo fez o trabalho da volumetria das áreas, a organização do funcionamento do museu, onde deve estar o público e o privado, mostrando que o museu pode crescer e mostrando que com a quota que ganha em altura resolve os problemas de ligação do edifício velho ao novo. Todo o plano foi montado, uma operação do arco da velha, possível e viável, que era manter sempre o museu em funcionamento, e, com isso, não interrompíamos o processo de reforço da marca. Mas, de novo, isso pertence ao foro político. O museu pertence à administração central.