Este livro, Taprobana, nasceu de uma visita ao Sri Lanka, o antigo Ceilão, também a mítica Taprobana de que fala Camões? Nasceu antes. Eu fui ao Sri Lanka já com a ideia na cabeça. Ela nasceu quando eu estava a escrever o primeiro livro, que era sobre Malaca. A ligação entre Malaca e o Ceilão era bastante interessante e o percurso histórico também é mais ou menos parecido..Com a presença portuguesa nos dois sítios, estamos a falar do século XVI, início do século XVII? Sim, até meados do século XVII. Malaca foi portuguesa a partir de 1511 e ao Ceilão chegámos em 1506. Houve 150 anos quer num lado quer no outro. Eu comecei a reparar muito no Ceilão porque muitas das tropas que vinham de Goa em direção a Malaca e a outros sítios eram desviadas para o Ceilão por causa das guerras que aí aconteciam. A partir daí, comecei a investigar a história do Ceilão..E de repente começa a deparar com os Fonsekas, os Silvas, todos esses nomes portugueses no Sri Lanka... Sim. É uma das marcas, dos vestígios que nós lá deixámos. Mesmo pessoas com alguma influência no país têm apelidos portugueses. Mas não foram só os apelidos que nós lá deixámos, deixámos lá a religião, deixámos lá palavras, deixámos marcas também na culinária. A presença portuguesa ainda é bastante visível no Ceilão como em outras partes da Ásia..Este livro passa-se em duas épocas, na atualidade e há 400/500 anos. A personagem atual tem o nome Fonseka, que é um nome comum no Sri Lanka, até do famoso general que derrotou os separatistas Tigres Tâmiles. Sim, o apelido Fonseka é muito conhecido. A personagem principal é um cingalês, é uma pessoa do Sri Lanka que trabalha em Lisboa e que é assassinada logo no início. Portanto, a história no presente é, no fundo, a história da investigação desse homicídio que se passou em Lisboa. Depois, à medida que o leitor avança na história, vai percebendo que existe uma interligação com o passado. A história no passado decorre no final do século XVI e princípio do século XVII, que foi uma altura em que os portugueses tentaram conquistar a ilha por completo. Mesmo no interior, que foi diferente do que se fazia no resto do império, onde, normalmente, eram portos interligados com outros portos. Foi nesse período que os portugueses começaram a subir as montanhas, a entrar no interior e a conquistar a ilha toda..Portugal acaba por perder o Sri Lanka para os holandeses, o que me faz pensar no seu primeiro livro, que tem que ver com Malaca, que também perdemos para os holandeses. O tema desse livro é o naufrágio de um dos navios, o Flor do Mar, que se não foi o maior que Portugal teve, era o maior da época. O navio era um dos maiores da época e é considerado como o maior e mais valioso tesouro naufragado português devido ao que ia lá dentro, que era o saque da cidade de Malaca. Afonso de Albuquerque conquistou Malaca, que era um sultanato muito rico, e o que ele fez foi saquear a cidade toda e levar a carga a bordo..Essa nau tem uma história muito interessante, porque não só acaba mal como está envolvida na grande batalha naval portuguesa que foi a de Diu, também na conquista de Goa, ou seja, é um navio mítico na história de Portugal? Sim, é um navio mítico e passou a ser o navio-almirante de Afonso de Albuquerque, portanto, envolvido em todas as batalhas, mas depois tem um final triste porque naufraga à saída do estreito de Malaca, que hoje é a Indonésia..Nunca foi detetado onde está o navio? Nunca. Já houve várias notícias que deram o navio como encontrado, uma delas até foi há relativamente pouco tempo, há quatro ou cinco anos, mas o facto é que nunca foi encontrado e, até agora, não se sabe onde é que está esse tesouro..Pelo direito marítimo internacional, Portugal poderia reivindicar... Eu acho que é difícil..Será mais a Indonésia ou a Malásia? Sim. Já houve casos semelhantes, por exemplo o da Namíbia, em que Portugal não reivindicou..A ideia de O Segredo da Flor do Mar como é que nasceu? Nasceu quando estive na Malásia. Eu já conhecia mais ou menos a história de Malaca, mas quando lá estive achei que era uma história ainda muito mais interessante do que eu sabia à primeira vista. Portanto, investiguei bastante, li tudo o que tinha para ler em português e em inglês, e tentei ler em holandês..Sendo os seus livros romances históricos, podemos confiar na veracidade histórica do que lá está? Sim. Eu tenho uma bibliografia grande que é toda a investigação que fiz. Dentro do romance, da história de ficção que estou a contar, o enquadramento é todo real. No primeiro livro sobre Malaca, as várias batalhas que houve com os reinos locais, e mais tarde com os holandeses, são totalmente reais. Agora, no Taprobana, todas as batalhas com os holandeses e com os reinos locais também são reais..Como é que o analista financeiro se torna um romancista histórico, em paralelo com a atividade? Eu sempre gostei muito de História e sempre gostei de escrever. É difícil fazer o paralelismo, mas na minha atividade financeira sou obrigado a fazer muita investigação também; para descobrir se uma ação está barata ou cara, tenho de investigar bastante, e para escrever romances históricos também tenho de fazer essa investigação. Depois, há outro ponto que é semelhante, que é o facto de os mercados financeiros serem globais, e a história de Portugal também ser uma história global. É muito interessante ver que Portugal está espalhado pelo mundo, existem marcas portuguesas em vários países. Não sei se não foram os mercados financeiros que me levaram a ter esta perspetiva..Foi a primeira globalização, esta dos séculos XVI e XVII? Foi a primeira globalização em que os portugueses conseguiram trazer especiarias de um lado do mundo e vendê-las do outro lado do mundo; influenciaram várias colónias entre si, levaram influências brasileiras para a Ásia, e vice-versa, para a África, etc. Foi completamente global. A luta que os portugueses travaram com os holandeses também foi uma guerra mundial, porque foi na Ásia, foi em África e foi no Brasil, tudo ao mesmo tempo..Viajar foi importante para ganhar este gosto pela história e pela cultura, mas também viveu na África do Sul, onde o cabo da Boa Esperança acaba por ter aquele papel mítico na história de Portugal. As pessoas têm a noção deste papel de Portugal na história mundial? Têm. Os sul-africanos, em geral, conhecem a influência portuguesa, porque ainda hoje há muita influência portuguesa; por exemplo, o nome da província de Natal deve-se a um português. Eu diria que as marcas portuguesas são conhecidas na África do Sul, mas a nossa história é muito mais ampla e muito mais global do que isso. O cabo da Boa Esperança é, digamos, o ponto fulcral, pois foi a partir daí que se começou a globalização no seu expoente máximo, mas é muito mais ampla do que isso, e os portugueses muitas vezes não têm essa noção. Não têm a noção de que existem marcas portuguesas em países tão longínquos como o Vietname, Taiwan....Quando estava a investigar para estes dois livros, o que é que sentiu que era o sucesso de Portugal nessa altura, era o domínio da ciência, era a ferocidade dos combatentes, era a supremacia da tecnologia naval, era o quê? Senti que era sobretudo a tecnologia naval que permitia escolher as melhores rotas tendo em conta as correntes e os ventos. Essas rotas eram secretas e isso foi uma arma que permitiu a Portugal ter essa hegemonia durante mais de cem anos. Depois, chegados à Ásia, também foi a artilharia uma vantagem competitiva. Foi o facto de conseguirmos manter tudo isto secreto durante muito tempo, mas depois perdemos essa hegemonia e vieram outros europeus..Daquilo que leu sobre Portugal na Ásia - Portugal tinha pequenas possessões, Goa até era a mais significativa -, se tivesse sido conseguida a conquista do Sri Lanka, este podia ser um país lusófono atualmente na Ásia? É difícil saber isso porque não se sabe até que ponto os holandeses iam conseguir conquistar ou não, mas eu penso que o objetivo da conquista do Ceilão foi transformá-la numa ilha portuguesa, e numa nova Goa, de uma dimensão superior, no Sri Lanka..O objetivo foi mesmo ser uma ilha por ser mais fácil de controlar? Sim, mais defendida. Agora, é difícil saber se os holandeses e, mais tarde, os ingleses não iriam ter a capacidade de conquistar. É uma boa pergunta e é possível que a história tivesse sido diferente.