À hora em que o vice-presidente Mike Pence e a candidata rival Kamala Harris se encontrarem num palco socialmente distante para o único debate que farão nestas eleições, o presidente Donald Trump ainda deverá estar em isolamento, a recuperar da covid-19. O embate dos candidatos à vice-presidência não costuma atrair atenção excessiva, mas desta vez as coisas são diferentes. A fasquia está tão elevada que John Hudak, diretor do Centro para Gestão Pública Eficiente da Brookings Institution, escreveu que este será "o mais importante desde que os debates entre vice-presidentes começaram", há 40 anos..No auditório meio vazio da Universidade do Utah, em Salt Lake City, estarão os potenciais substitutos do presidente dos Estados Unidos. Com Trump infetado por covid-19 e Joe Biden quase a fazer 78 anos, o que o tornará no presidente mais velho de sempre se for eleito, a questão é mórbida mas necessária: qual destes dois candidatos a vice-presidente está mais bem apetrechado para ocupar o cargo máximo na Casa Branca, se for necessário?.É isso que a audiência será chamada a imaginar no frente- a-frente entre o incumbente Mike Pence e a sua desafiadora Kamala Harris, que estarão separados por acrílico e quase quatro metros de distância, como medida de precaução. A moderadora do debate, a jornalista Susan Page do USA Today, não divulgou os tópicos que serão discutidos. Mas não é difícil prever por onde a noite vai enveredar, devendo a omnipresente pandemia de covid-19 ser um tema central. Não só porque Donald Trump e a primeira-dama Melania Trump estão infetados, mas porque há cerca de uma dezena de responsáveis da administração e do partido com diagnósticos positivos. É o caso da conselheira do presidente, Kellyanne Conway, da porta-voz da Casa Branca, Kayleigh McEnany, da conselheira para a imprensa, Hope Hicks, e do diretor da campanha de reeleição, Bill Steipen. Outros políticos republicanos que contraíram a doença - segundo consta, durante um evento no Rose Garden da Casa Branca a 26 de setembro - são a presidente do Partido Republicano, Ronna McDaniel, os senadores Thom Tillis, Mike Lee e Ron Johnson, o presidente da Universidade de Notre Dame, John Jenkins, e o ex-governador de Nova Jérsia, que preparou Trump para o debate com Biden, Chris Christie..Mike Pence será, perspetiva-se, questionado sobre a task force que a administração Trump criou em março para lidar com a pandemia e que o vice-presidente liderou. Passaram sete meses desde que o surto em Wuhan se transformou numa crise mundial e os Estados Unidos tornaram-se o país do mundo mais afetado pela emergência sanitária, com 7,4 milhões de doentes e 210 mil mortos e uma recessão económica à vista..Kamala Harris deverá não apenas martelar na ideia de que a dupla Trump-Pence falhou na resposta à pandemia, mas também sublinhar que a administração está nos tribunais a tentar desmantelar o Affordable Care Act (ACA, mais conhecido como Obamacare), através do qual cerca de 20 milhões de pessoas nos Estados Unidos têm acesso a cuidados de saúde..Aqui, a composição do SupremoTribunal será um tópico relevante, porque Trump nomeou a conservadora Amy Coney Barrett para a vaga deixada por Ruth Bader Ginsburg e o coletivo de juízes vai decidir sobre o futuro do ACA logo após a eleição. Em causa a argumentação republicana de que a lei passada por Barack Obama é inconstitucional; Coney Barrett, no passado, expressou a sua posição de que o ACA fere a Constituição dos Estados Unidos..Se a juíza for confirmada e o tribunal passar a ter seis6 juízes conservadores, a possibilidade de ser alterado o direito ao aborto também estará em cima da mesa, sendo esta uma questão cara para o evangélico Mike Pence, que é contra o direito ao aborto, e para a progressista Kamala Harris, que é a favor..Por causa da situação de instabilidade que se vive em cidades como Portland, onde continuam protestos contra a violência policial e a injustiça, é de esperar que as tensões raciais façam parte do debate. Mike Pence deverá defender que a administração Trump é pela "lei e ordem" e poderá criticar o histórico de Kamala Harris como procuradora da cidade de São Francisco e depois do estado da Califórnia..Mas será a postura agressiva da ex-procuradora que poderá fazê-la destacar-se neste frente-a-frente, tal como aconteceu na ronda de debates que opôs os muitos candidatos à nomeação democrata em 2019. Foi aí que o perfil nacional de Kamala Harris se elevou e provavelmente decidiu a escolha para vice-presidente de Joe Biden, outrora um rival no partido democrata..Harris é uma oradora assertiva, que não se encolhe, e Pence é um orador eficaz, calmo, com um estilo diametralmente oposto ao de Donald Trump. O debate deverá, por isso, ser muito diferente da hora e meia de insultos e interrupções a que assistimos entre Trump e Biden no final de setembro. Será também a primeira vez que uma mulher multirracial (mãe indiana, pai jamaicano) entra no palco de debate como candidata a vice-presidente. O resultado, escreveu John Hudak numa opinião no Brookings Institute, será a oportunidade de ver debater os "adultos" na sala. Eles podem ser "os candidatos presidenciais que a América quer e de que precisa neste momento".