Amadora: inquéritos a violência policial reabertos e sem acusação

A ex-coordenadora do DIAP <strong>​</strong><strong>​​​​​​</strong>defende-se da inspeção do MP, segundo a qual houve inquéritos de suspeitas de violência policial que foram arquivados sem serem investigados.
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A ex-coordenadora do Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) da Amadora, Ana Teresa Leal, garante ao DN que mandou reabrir os inquéritos de denúncias de violência policial que foram alvo de uma inspeção do Ministério Público (MP) em 2014. Alguns processos naquela comarca tinham sido arquivados por uma procuradora ali destacada nesse ano, e sem investigação adequada, segundo o relatório de uma inspeção do MP, conforme noticiou o DN.

"Verificou-se a existência de um número significativo de inquéritos contra agentes da PSP pela prática de factos que, eventualmente, poderiam integrar crimes de abuso de poder. Globalmente, a investigação não teve a exigência que aquele tipo de crimes exigiria, nomeadamente num contexto social etnicamente diversificado", escreveu no seu relatório o procurador-geral adjunto Alípio Ribeiro, já jubilado e na altura inspetor do MP.

Ana Teresa Leal, atualmente docente do Centro de Estudos Judiciários, recorda-se da situação, relacionada com uma procuradora da sua equipa do DIAP. E avançou ao DN que por sua decisão "antes mesmo da inspeção que teve lugar" já tinha determinado "a reabertura dos inquéritos que tinham sido arquivados". A magistrada não se recorda, no entanto, qual foi depois o desfecho das novas investigações. Fonte judicial adiantou, no entanto, que não foram deduzidas acusações.

A reabertura dos casos de alegado abuso de poder que tinham sido arquivados na sua comarca "foi assinalada na inspeção do MP" a que ela própria também foi sujeita. "A minha decisão teve por base uma orientação genérica que existe no Ministério Público que determina que, nos casos que envolvem crimes mais sensíveis, como estes ou como, por exemplo, os abusos sexuais de crianças, os arquivamentos devem ser sempre comunicados aos superiores hierárquicos. Foi o que aconteceu quando detetei a situação e ordenei que esses inquéritos fossem reabertos", explica Ana Teresa Leal.

O DN pediu há uma semana esclarecimentos ao Conselho Superior do Ministério Público, órgão com competências disciplinares de que depende a Inspeção do MP, mas ainda não obteve resposta.

Conforme o DN noticiou, a inspeção em causa visou o trabalho de uma magistrada do DIAP da Amadora, com processos de 2012, 2013 e 2014. No seu relatório, Alípio Ribeiro destacou alguns casos que considerou flagrantes para as suas conclusões, todos com queixas de agressões. Um deles foi arquivado por "insuficiência de prova" quando o queixoso nem foi sujeito a um exame médico. As inquirições, é assinalado no relatório, "foram realizadas por uma técnica de justiça auxiliar".

Noutra denúncia de agressões, a PSP alegou que o queixoso tinha ameaçado o agente e o inquérito foi arquivado de imediato. Noutra situação, denunciada em fevereiro de 2013, as testemunhas foram inquiridas por um "funcionário" e apenas o queixoso "foi constituído e interrogado como arguido".

Num inquérito em que um homem se queixou de ter sido ameaçado com uma arma por um agente da PSP. Também foi ouvido por um "funcionário". O polícia participou contra o queixoso imputando-lhe "falsidade de declarações", tendo a magistrada do MP responsável solicitado à PSP "a inquirição da testemunha". Tal procedimento, é considerado na inspeção do MP, "face aos factos a investigar, afigura-se manifestamente desadequado". Uma "idêntica falta de envolvimento e sistematização na investigação foi também constatada" noutros inquéritos, elencados no relatório de inspeção.

A inspeção foi realizada em julho de 2014 - em fevereiro de 2015 aconteceu o caso da esquadra de Alfragide - numa altura em que já tinham vindo a público muitas denúncias sobre racismo e violência, incluindo por parte de organizações internacionais de direitos humanos.

Em 2012, por exemplo, uma avaliação das Nações Unidas, através do seu Grupo de Trabalho de Peritos sobre Pessoas de Ascendência Africana, escreveu num relatório que na Cova da Moura "a polícia toma por alvo imigrantes afrodescendentes e leva a cabo operações em larga escala nos bairros onde aqueles residem. Jovens de ascendência africana da comunidade foram vítimas frequentes de perfil racial por parte da polícia, que os manda parar nas ruas para os interrogar apenas devido à cor da sua pele".

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