China: diplomacia do Lobo Guerreiro na resposta aos ataques dos EUA

<em>Media</em> estatais e diplomatas chineses têm sido mais agressivos, recorrendo ao principal campo de batalha do presidente Donald Trump, o Twitter.
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As críticas à forma como a China lidou com a pandemia do coronavírus têm vindo a aumentar em todo o mundo, à boleia do presidente norte-americano, Donald Trump. Mas Pequim não está calada, deixando o contra-ataque nas mãos da sua nova diplomacia do Wolf Warrior (ou Lobo Guerreiro).

"Quem ofender a nação chinesa será punido, não importa o quão longe está" é uma das mais emblemáticas frases do filme Wolf Warrior II, a sequela de 2017 do patriótico filme de 2015. O filme mais visto de sempre na China conta a história de um soldado chinês (interpretado por Wu Jing, que é também o realizador), numa zona de guerra em África, que salva centenas de pessoas de uma chacina conduzida por mercenários ocidentais - o vilão Big Daddy é um norte-americano, interpretado por Frank Grillo.

Além da chamada "diplomacia da máscara", com a China a oferecer e vender bens para o combate à pandemia, Pequim apostou também na diplomacia do Lobo Guerreiro, levando o combate para o campo de batalha preferido de Trump: o Twitter.

Segundo o South China Morning Post, os media estatais e pelo menos 115 contas de Twitter que pertencem a diplomatas, embaixadas e consulados chineses têm sido particularmente agressivos, "amplificando os esforços de Pequim em conter a epidemia, a sua ajuda e apoio a outros países e criticando fortemente os EUA pela sua resposta à pandemia".

A mudança de tática terá sido, segundo a Reuters, empreendida após instruções diretas do presidente chinês, Xi Jinping, ainda no ano passado - em plena guerra comercial com os EUA e enfrentando os protestos em Hong Kong. Num memo, pediu aos diplomatas que mostrassem um maior "espírito combativo", ao qual os jovens diplomatas responderam positivamente, procurando ganhos para o regime a nível interno.

O principal rosto desta diplomacia é o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês, Zhao Lijian, que tem 609 mil seguidores no Twitter. No mês passado partilhou a teoria da conspiração de que tinham sido os próprios militares norte-americanos a levar o coronavírus para Wuhan (o berço da pandemia) e ainda há dias partilhou um vídeo humorístico a forma como os EUA têm reagido ao coronavírus, por oposição à China.

Em "Era uma vez um vírus", uma animação ao estilo Lego partilhada pela agência estatal Xinhua, um guerreiro de terracota de máscara vai avisando uma Estátua da Liberdade para o covid-19. Esta vai ignorando os avisos, ao estilo de Trump nas suas conferências de imprensa, à medida que vai ficando com sintomas. "Temos sempre razão, apesar de nos contradizermos", diz a estátua.

Mas a diplomacia do Lobo Guerreiro ameaça deixar marcas: em fevereiro, o governo francês convocou o embaixador chinês depois de um diplomata ter alegado que funcionários de lares franceses estavam a abandonar os seus postos e deixar os idosos a morrer à fome.

E o embaixador chinês no Brasil, Yang Wanming, acabou por apagar uma mensagem que tinha partilhado que apelidava de "grande veneno" a família do presidente Jair Bolsonaro e dizia que o seu filho, Eduardo Bolsonaro, tinha contraído "um vírus mental". Isto depois de ele ter dito que a culpa do coronavírus era da "ditadura chinesa".

Últimos ataques dos EUA

O presidente norte-americano alega ter provas de que o vírus teve origem num laboratório de Wuhan e ameaça voltar à guerra comercial (os dois países assinaram já este ano um miniacordo), reinstaurando as tarifas com a China, para que Pequim "pague" pelo coronavírus.

E o secretário de Estado, Mike Pompeo, falou este fim de semana em "provas enormes" que corroboram essa acusação. "Lembrem-se, a China tem uma história de infetar o mundo e eles têm uma história de ter laboratórios abaixo dos padrões", disse numa entrevista à ABC News.

Mas os EUA não são os únicos a questionar a China. O primeiro-ministro australiano, Scott Morrison, defendeu uma investigação ao papel da China, recebendo ameaças de cortes comerciais, enquanto países europeus como França ou Reino Unido também pedem maior transparência da parte de Pequim.

O governo chinês não respondeu oficialmente a Pompeo, mas basta entrar no site do Global Times, o tabloide em inglês do China Daily do Partido Comunista Chinês, para perceber que a China não está calada. "Pompeo trai o cristianismo com mentiras", era o título do editorial desta terça-feira.

No texto lê-se que as mentiras destinam-se a satisfazer interesses. "Pompeo quer matar dois coelhos com uma cajadada ao espalhar falsidades. Primeiro, espera ajudar Trump a ganhar a reeleição em novembro, o que influencia os seus interesses. Culpar a China pode reduzir a raiva norte-americana em relação à resposta pobre de Trump à epidemia. Segundo, Pompoe odeia a China socialista e, especialmente, não pode aceitar a ascensão da China. Logo lançou uma campanha de propaganda para arruinar a imagem da China"

Noutros artigos, mostrava-se que medidas está Pequim a empreender enquanto continuam as denúncias vindas dos EUA de que o coronavírus teria tido origem num laboratório em Wuhan; "China realiza exercícios navais no Mar do Sul da China, prepara-se para as provocações pós-pandemia dos militares dos EUA", dizia um artigo. "A China pode impedir os ataques virais de Trump ao deixar na prateleira as negociações sobre a fase dois [do acordo de comércio]", lia-se noutro.

O coronavírus e os ataques à China ameaçam ser um tema da campanha nos EUA, com Trump a alegar que os chineses querem que ele perca a reeleição. Mas não é só Trump que vai a votos: todos os 435 lugares da Câmara dos Representantes também estão em jogo, assim como 35 dos 100 do Senado. E há 13 estados que elegem os seus governadores.

A retórica de Trump parece estar a resultar, com uma sondagem do PewResearch Center a mostrar que 66% dos inquiridos têm uma visão negativa da China - o valor mais alto de sempre, com a questão a ser colocada desde 2005. E apesar de os republicanos serem mais desconfiados da China do que os democratas (72% contra 62%), está a aumentar em ambos os partidos, pelo que os democratas não podem ser vistos como estado a defender Pequim.

Resposta da OMS

Na segunda-feira, a Organização Mundial de Saúde (OMS) disse não ter recebido dos EUA qualquer "informação ou prova específica" em relação "à alegada origem do vírus", com o diretor de emergências, Michael Ryan, a acrescentar que as denúncias continuam a ser "especulação".

Numa conferência de imprensa online, o mesmo responsável lembrou que se os EUA têm essas provas então é importante que as partilhem, alegando que é difícil a OMS operar num "vácuo de informação" em relação a isso.

O epidemiologista Anthony Fauci, principal autoridade médica nos EUA no que diz respeito ao coronavírus, corrobora as informações da OMS de que o vírus saltou dos animais para os humanos. "Se olharmos para a evolução do vírus nos morcegos e o que está lá fora, [as provas científicas] apontam muito, muito fortemente para que isto não possa ter sido manipulado artificial ou deliberadamente", disse à National Geographic.

"Tudo sobre a evolução gradual ao longo do tempo indica fortemente que o vírus evoluiu na natureza e saltou as espécies", acrescentou Fauci.

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