O número de alunos do ensino superior que conciliam a vida académica com um trabalho voltou a crescer, depois de anos em queda. Desde 2014 que não se registavam tantos trabalhadores-estudantes nas instituições de ensino superior (IES) portuguesas, segundo dados do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES). O presidente da Federação Académica do Porto (FAP) considera que a situação económica do país, "ou pelo menos a sua perceção", "poderá ser a explicação para o fenómeno". Além do "aumento do número de estudantes" a entrar no superior, acrescenta Marcos Alves Teixeira..Passaram-se anos em sentido cadente. Contabilizados todos os ciclos de estudos, o número de estudantes com este estatuto sofreu um decréscimo de mais de 11 mil entre 2012-2013 e 2016-2017, passando de 40 586 para 29 053. Nos anos em que o número rondava os 40 mil, o país caminhava de mãos dadas com "um clima desfavorável para a economia e para as famílias", lembra o presidente da FAP. A turbulência abalou o sistema de ensino superior, que sofreu "muitos cortes, colocando as IES em situação quase de apenas manutenção, sem capacidade de reinvenção"..A aliança entre as dificuldades sentidas pelos alunos, pelas suas famílias e pelas universidades e politécnicos criou "a perceção social de que era muito mais importante trabalhar para assegurar um rendimento ao final do mês, fosse ele maior ou menor, e que os estudos teriam de ser algo para mais tarde"..Estatuto de trabalhador estudante Infogram.O tempo passou e deu lugar a um clima de "bem-estar económico" e "o voltar a estudar começa a ser uma opção, mesmo para aqueles que tenham de conciliar essa atividade com uma atividade profissional", explica Marco Alves Teixeira. O que justifica a tendência decrescente do número de trabalhadores-estudantes, pelo menos a partir de 2012-2013 (primeiro ano letivo sobre o qual a tutela revela dados) e até 2016-2017..No entanto, o cenário volta a inverter-se a partir do ano letivo 2017-2018, altura em que se regista um aumento. Se em 2016-2017 havia 29 053 alunos a usufruir deste estatuto, em 2018-2019 eram já 31 913, segundo dados enviados ao DN pelo governo. O número atingiu valores antigos, registados pela última vez em 2014, o que se poderá explicar pelo "aumento do número de estudantes" no ensino superior, adianta o presidente da FAP. A linha de evolução do número de colocados nas IES não tem sido linear e neste ano cresceu para 44 500, sendo que 27 280 correspondem ao ensino universitário e 17 220 ao politécnico. Ainda assim, uma subida pouco significativa de 508 estudantes, face ao ano anterior (43 992), mas expectável, relativamente ao reforço de quase mais dois mil candidatos que se apresentaram..Também os Cursos Técnicos Superiores Profissionais (CTeSP) podem ter contribuído para este aumento, reunindo uma percentagem significativa de trabalhadores-estudantes, devido aos moldes em que funciona..Sem estatuto, "tornava-se impossível".Um trabalhador-estudante é aquele aluno que, tendo requisitado oficialmente este estatuto previsto no Código do Trabalho, trabalha para uma determinada entidade e frequenta simultaneamente um qualquer nível de educação escolar, curso de formação profissional ou programa de ocupação temporária de jovens - desde que com uma duração igual ou superior a seis meses. Assim que requerem este estatuto junto da instituição de ensino e da entidade profissional, este é válido durante todo o ano letivo, ainda que esteja dependente do aproveitamento escolar do aluno..A lei prevê uma série de benesses face ao horário do estudante, para que possa compatibilizar a vida académica e a profissional. Por exemplo, o direito à dispensa de um determinado conjunto de horas semanais (estipuladas de acordo com o horário laboral), bem como a faltar ao trabalho em dia de avaliação académica e no anterior..Contudo, nem sempre o estatuto parece ser a solução. "Continua a haver momentos em que é impossível estar a fazer as duas coisas ao mesmo tempo", conta ao DN um estudante de Engenharia Informática no Porto..Hugo detém estatuto de trabalhador-estudante desde que ingressou no curso, em 2016. Para o jovem de 24 anos, o trabalho chegou antes dos estudos, "para garantir que conseguia pagar o quarto e as propinas", sendo natural de Vila Real e, por isso, aluno deslocado. Mesmo com estatuto, confessa pensar várias vezes "em desistir". "Porque tenho uma avaliação e um dia importante no trabalho" ao mesmo tempo, "ou porque tenho uma apresentação, mas tenho outro momento profissional que não me permite", explica. "No entanto, sem ele [estatuto], tornava-se praticamente impossível", admite..CTeSP com mais trabalhadores-estudantes do que licenciaturas.Para alguns, ingressar numa licenciatura "estava fora de questão" devido às exigências académicas que acarreta - várias horas dentro de uma sala de aula, inúmeros exames e aulas teóricas com presença obrigatória. Quando os Cursos Técnicos Superiores Profissionais (CTeSP) surgem no panorama académico de várias instituições de ensino superior, no ano letivo 2015-2016, muitos jovens viram aqui a oportunidade que procuravam para aprender mais, talvez ganhar um diploma, sem abdicar da sua vida profissional. Representam pelo menos 9,6% do total de alunos a frequentar estas formações, que permitem acesso a uma licenciatura..Só a oportunidade de frequentar um curso nestes moldes levaria Mónica de Oliveira Martins, de 23 anos, ao ensino superior. Depois de um secundário feito através do ensino profissional, a pressa de entrar no mercado de trabalho ditou o desinteresse para continuar os estudos. E uma licenciatura, diz, estava fora de questão. "Não me poderia candidatar diretamente sem os exames nacionais do 12.º ano ou sem esperar mais um ano para me candidatar como maior de 23 [anos]", conta. Também "devido às temáticas" e ao facto de serem "cursos mais demorados", permitindo pouca manobra no campo profissional, uma licenciatura ficaria naturalmente fora dos planos desta algarvia..Entretanto, a vontade de voltar a estudar renasce. Quanto tomou conhecimento dos CTeSP na Universidade do Algarve, a instituição de ensino superior mais próxima da sua área de residência, viu ali uma oportunidade para concretizar esta vontade. Aproveitou o momento para mudar a área profissional na qual tinha ingressado após a conclusão do ensino secundário: "o que me interessou mais foi o [curso] de Secretariado Executivo, pois senti que era algo em que gostaria de trabalhar e, espero eu, com melhores condições do que na restauração", diz..Sempre sem deixar o trabalho fora da rota diária. Quando entrou no ensino superior, procedeu imediatamente ao requerimento do estatuto de trabalhador-estudante, que foi aprovado. Deixar de trabalhar nunca esteve na equação "por várias razões, principalmente para não gastar o dinheiro que tinha poupado e para não perder dois anos de descontos para a Segurança Social"..De acordo com o atual presidente da Federação Académica do Porto (FAP), este tipo de cursos veio "assumir um papel relevante no que é o alargamento da base social do ensino superior, aumentando o número de formações superiores intermédias, como acontece já em muitos países europeus". A "índole profissionalizante" dos CTeSP têm atraído novos públicos, nomeadamente aqueles que "tenham interesse em manter um contacto laboral, previamente existente e para estudantes que procurem formações mais curtas", explica Marcos Alves Teixeira..Em termos percentuais, estes cursos reúnem uma maior quantidade de alunos a usufruir de estatuto de trabalhador-estudante (9,6%) do que as licenciaturas (9,2%). Tudo somado, 1479 dos 15 421 encontram-se nesta situação, embora possa haver outros alunos que, sendo trabalhadores, não requisitaram o estatuto oficialmente..Contudo, Marcos Alves Teixeira alerta: "Na altura da introdução dos CTeSP e do desaparecimento do CET [Curso de Especialização Tecnológica], a legislação deveria ter sido revista no sentido de enquadrar o CTeSP no Quadro Nacional de Qualificações, algo que nunca chegou a ser feito." O que "poderá representar uma ameaça a este tipo de cursos, a longo prazo, nomeadamente em termos de reconhecimento de qualificações no âmbito do Quadro Europeu de Qualificações", frisa o presidente da FAP..Os CTeSP têm dois anos de duração, são sobretudo ministrados pelos politécnicos. Foram criados principalmente para alunos que, no ensino secundário, escolheram a via profissionalizante. A formação não confere grau académico, embora permita o acesso a licenciaturas.