Mais alunos do superior em dificuldades financeiras por causa da pandemia

Desde março, a Associação Académica de Lisboa já recebeu mais de meia centena de pedidos de ajuda de alunos que perderam rendimentos. No Porto, 11% admite vir a abandonar os estudos. O fenómeno ainda não está a ser registado nas instituições, mas já faz soar os alarmes.
Publicado a
Atualizado a

"Os estudantes tiveram muitos deveres durante estes últimos meses, mas alguns direitos ficaram para trás." Quem o diz é Bernardo Rodrigues, presidente da Associação Académica de Lisboa, lembrando o peso da permanência de despesas, como as propinas, para famílias que viram os seus empregos afetados pela pandemia. A consequência, diz, passa por "muitos casos de abandono e congelamento de matrículas no ensino superior". Desde o início da pandemia, em março, a associação recebeu mais de meia centena de pedidos de auxílio de alunos. E o problema parece estender-se pelo território nacional: um em cada cinco dos estudantes inquiridos pela Federação Académica do Porto (FAP) que sofreram perda de rendimentos admite abandonar o ensino superior.

Os últimos anos mostram estatísticas favoráveis para as instituições, com uma descida do número de desistências. Aliás, os mais recentes dados da tutela, divulgados em julho, mostram que não só o número de estudantes que ingressam no ensino superior tem aumentado, de forma geral, ao longo dos anos, como são cada vez menos aqueles que desistem dos seus cursos.

Além disso, também os reingressos estão a aumentar. O governo esperava que, neste ano letivo que passou, regressassem às instituições pelo menos 3700 antigos alunos. Uma tendência que o ministro do Ensino Superior, Manuel Heitor, diz dever-se, em parte, ao investimento na ação social, que tem atribuído mais bolsas de estudo aos universitários.

Mas "com os desafios colocados sobre as famílias" devido à crise financeira que se segue à crise sanitária, com grande parte da economia obrigada a suspender a sua atividade no início do ano, teme-se que "os apoios sociais possam não ser suficientes", diz o presidente da FAP, Marcos Alves Teixeira.

Para medir o impacto da pandemia no próximo ano letivo, a federação lançou um inquérito a estudantes das várias instituições de ensino superior do Porto, públicas e privadas. O documento que resultou desta iniciativa, designado Impacto da pandemia de covid-19 nos estudantes da Academia do Porto, mostra que, num total de 2217 resposta validadas, 53% declararam perda de rendimentos devido à pandemia, 18% admitiram dificuldade em suportar as despesas relativas à sua formação e 11% disseram mesmo estar a ponderar desistir dos estudos.

O dirigente do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas, António Fontainhas Fernandes, confirma a preocupação sobre a crise no alojamento estudantil, que até "pode aliviar" com o enfraquecimento do turismo nas cidades, mas ainda é uma incerteza. Com uma crise financeira no seio de várias famílias, "a questão é saber se têm dinheiro para poderem suportar o deslocamento dos filhos". Mas admite que ainda é cedo para ilações.

O DN contactou algumas universidades públicas e privadas para perceber se já era possível estimar este impacto no número de alunos inscritos. As universidades Lusófona e Católica garantem não ter registado qualquer variação nem na procura nem nas matrículas. A primeira instituição diz, aliás, ter sido "notório pelo contrário um crescimento da procura".

A Universidade Portucalense, por exemplo, afirmou não ter "registado alterações significativas do número de desistências e congelamento de matrículas" quando comparado com o período homólogo. O que mudou, escreve o gabinete de comunicação desta instituição, foi "alguma tendência ao recurso às condições especiais que proporcionamos aos nossos alunos no âmbito da responsabilidade social da universidade, nomeadamente ao seguro que cobre situações de desemprego e de baixa por motivos de doença, bem como às facilidades de pagamento de propinas, através de planos de pagamento acordados".

Residências universitárias podem perder camas

Está declarado um ano complexo para o ensino superior. Com restrições no contacto e na convivência devido à pandemia de covid-19, a alternativa nas residências universitárias poderá passar por reduzir as camas disponíveis, para que, num único quarto, não resida mais do que um aluno.

"Que tem de haver cuidados é óbvio e são regras que terão de estar nas tais orientações que esperamos que sigam da DGS. Mas também há muitas residências que irão já optar por eliminar quartos duplos ou partilhados, para quartos individuais", disse o presidente da FAP, em entrevista ao DN. Mas, com esta solução, abrem-se portas para novos problemas. Segundo Marcos Alves Teixeira, o que mais o "preocupa quanto a isto é o que vai acontecer às pessoas que ficam sem espaço na residência".

No caso da Universidade do Porto - excluindo as residências ao serviço do Instituto Politécnico do Porto -, a redução seria de 145 camas, "mais ou menos 10% face às cerca de 1300 camas disponíveis". Um corte sobreposto sobre uma ferida já aberta na cidade, alerta o representante estudantil, devido aos vários estudantes que ficam anualmente sem acesso às residências.

Em Lisboa, as residências podem perder até "um terço" da sua lotação máxima, avança o presidente da Associação Académica de Lisboa. Bernardo Rodrigues lembra que Porto e Lisboa sentam-se lado a lado na crise do alojamento estudantil, sendo que, em Lisboa, para sete institutos politécnicos há apenas uma residência, a do Instituto Superior de Engenharia de Lisboa. A Unidade Residencial Maria Beatriz, como assim é designada, contabiliza, ao todo, 200 camas, em quartos duplos e individuais, para milhares de estudantes.

É de olho nas consequências acrescidas para esta crise que o representante de estudantes da AAL assume não concordar com a redução do número de camas nas residências. "Se já é pouco, ainda pior será retirando camas. Não é preciso estar no mesmo quarto do meu colega, basta estarmos no mesmo café ou no mesmo grupo de estudo, que haverá sempre focos de contágio e não será por aqui que temos de agir", reitera.

Já o dirigente do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas diz que "tudo o que seja normas e regras devem ser as autoridades de saúde a decidir e nós só temos de cumprir". "A questão, depois, é como vamos resolver a falta de camas. Mas, primeiro, temos de ver as normas cá fora, para depois encontrar a solução, talvez no setor privado ou com apoios públicos, vamos ver", sublinha António Fontainhas Fernandes.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt