Residências universitárias podem perder camas no novo ano letivo
Com restrições no contacto e na convivência devido à pandemia de covid-19, abrir o novo ano letivo com o mesmo número de camas nas residências, onde estudantes partilham quartos com outros, pode ser um risco. Por isso, a alternativa passa por reduzir as camas disponíveis, para que, num único quarto, não resida mais do que um aluno. As federações e associações académicas de Lisboa e do Porto dizem que esta possibilidade foi colocada em cima da mesa durante a auscultação destes organismos pelo secretário de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, há duas semanas. A tutela avança apenas que "o tema está ser alvo de reuniões técnicas entre a DGES [Direção-Geral de Ensino Superior] e DGS [Direção-Geral da Saúde] e será incluído nas orientações a publicar, em breve, pela DGS sobre o arranque do novo ano letivo".
"Que tem de haver cuidados é óbvio e são regras que terão de estar nas tais orientações que esperamos que sigam da DGS. Mas também há muitas residências que irão já optar por eliminar quartos duplos ou partilhados, para quartos individuais", diz o presidente da Federação Académica do Porto (FAP). Mas, com esta solução, abrem-se portas para novos problemas. Segundo Marcos Alves Teixeira, o que mais o "preocupa quanto a isto é o que vai acontecer às pessoas que ficam sem espaço na residência".
No caso da Universidade do Porto - excluindo as residências ao serviço do Instituto Politécnico do Porto -, a redução seria de 145 camas, "mais ou menos 10% face às cerca de 1300 camas disponíveis". Um corte sobreposto sobre uma ferida já aberta na cidade, alerta o representante estudantil, devido aos vários estudantes que ficam anualmente sem acesso às residências.
Em Lisboa, as residências podem perder até "um terço" da sua lotação máxima, avança o presidente da Associação Académica de Lisboa (AAL). Bernardo Rodrigues lembra que Porto e Lisboa sentam-se lado a lado na crise do alojamento estudantil, sendo que, em Lisboa, para sete institutos politécnicos há apenas uma residência, a do Instituto Superior de Engenharia de Lisboa. A Unidade Residencial Maria Beatriz, como assim é designada, contabiliza, ao todo, 200 camas, em quartos duplos e individuais, para milhares de estudantes.
É de olho nas consequências acrescidas para esta crise que o representante de estudantes da AAL assume não concordar com a redução do número de camas nas residências. "Se já é pouco, ainda pior será retirando camas. Não é preciso estar no mesmo quarto do meu colega, basta estarmos no mesmo café ou no mesmo grupo de estudo, que haverá sempre focos de contágio e não será por aqui que temos de agir", reitera.
Já o dirigente do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP), António Fontainhas Fernandes, diz que "tudo o que seja normas e regras devem ser as autoridades de saúde a decidir e nós só temos de cumprir". "A questão, depois, é como vamos resolver a falta de camas. Mas, primeiro, temos de ver as normas cá fora, para depois encontrar a solução, talvez no setor privado ou com apoios públicos, vamos ver", sublinha.
O também reitor da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro confirma a preocupação sobre a crise no alojamento estudantil, que "pode aliviar" com o enfraquecimento do turismo nas cidades, mas ainda é uma incerteza. Com uma crise financeira no seio de várias famílias, cujos empregos e negócios foram afetados pela pandemia, "a questão é saber se têm dinheiro para poderem suportar o deslocamento dos filhos".
Para Bernardo Rodrigues, da AAL, a solução deve passar por aplicar "regras básicas de higiene nas residências", preocupado "principalmente com a questão das residências com casas de banho partilhadas". Na reunião com a tutela, diz, "alertamos para a necessidade de um reforço de recursos humanos para a limpeza e higienização das casas de banho, mas também para estar à entrada a medir a temperatura, por exemplo".
Uma proposta reiterada pelo representante da FAP, que fala em "regras especiais de desinfeção" nas casas de banho deste alojamento. Contudo, Marcos Alves Teixeira frisa que a preocupação está sobretudo nas medidas de apoio aos estudantes que poderão ficar de fora das residências com a redução de camas. Lembra que desde o início deste ano que está previsto, para o novo ano letivo, um aumento do complemento ao alojamento, endereçado a bolseiros que não conseguem colocação nas residências, passando, no mínimo, para 50% do Indexante dos Apoios Sociais (IAS). Quem fica na residência também recebe este apoio, mas no valor exato da renda do quarto que está a ocupar.
No caso do Porto está até prevista "uma majoração face ao aumento que já vai existir desde complemento", embora a discussão não esteja fechada, diz o presidente da FAP. Tal está previsto acontecer, além de no Porto, também no Algarve e na Madeira.
No entanto, Marcos Alves Teixeira receia que este apoio "não seja suficiente". "Se não estivéssemos já no meio e uma crise de alojamento estudantil, eu não estaria tão preocupado, mas como estamos, acho que precisamos de mais do que uma solução que se espera que resulte, precisamos de uma solução mais musculada. Porque, neste momento, o que têm para nos dar é uma coisa que já estava prevista desde o início de 2020", lembra.
Uma das opções a explorar, avança, poderá passar pela distribuição de estudantes por alojamento privado. O representante estudantil diz que "não deve haver qualquer tipo de estigma sobre quem pode ajudar a resolver o problema", se o setor público ou privado.
Na ótica de Fontainhas Fernandes, presidente do CRUP, o debate não deverá interferir com a vontade de novos alunos candidatarem-se este ano ao ensino superior, visto que as famílias estão conscientes de que é "uma forma mais fácil de penetrar no mercado de trabalho". "Uma vez inscritos, temos de encontrar soluções para que não abandonem o ensino superior" e, garante "este é um assunto que vai estar em cima da mesa em setembro".