O novo coronavírus é "o grande equalizador", garantia Andrew Cuomo há dias em mais uma das suas conferências de imprensa diárias. O governador de Nova Iorque acabava de anunciar que o irmão Chris, pivô da CNN, está infetado com covid-19 e admitia: "Quando ele me disse fiquei assustado. Porquê? Porque ainda não sabemos. Lido com muitas coisas e já vi muita coisa... Porquê? Porque estamos a falar do meu irmão. É o meu melhor amigo. Falo com ele várias vezes ao dia, passei toda a vida com ele. É assustador a um nível fundamental... porque não há nada que eu possa fazer. E a situação é igual para todos." Foram momentos como este que tornaram as conferências de imprensa de Cuomo, governador do estado mais afetado até agora pelo coronavírus nos EUA, um momento a não perder para muitos americanos - e não só. Muitas vezes envergando um simples polo de manga curta branco, ou um casaco como os das equipas de socorro, Cuomo tornou-se uma figura tranquilizadora. Talvez seja a voz calma, ou os gráficos com números que antes tanto irritavam os nova-iorquinos mas que agora trazem clareza em tempos incertos, mas a verdade é que o governador não só ganhou aura de estrela, como há quem veja nele o líder de que o Partido Democrata precisa..Sentado diante do seu PowerPoint, Andrew Cuomo não hesita em admitir que não sabe, em passar a pergunta a algum dos seus colaboradores, mas também não deixa de assumir a responsabilidade. "Se alguém estiver descontente, culpem-me a mim." E a pedir ajuda, como quando percebeu que o seu estado não teria capacidade para responder à avalanche de casos de covid-19 e apelou a que os outros governadores mandassem o pessoal médico e os ventiladores de que naquele momento ainda não precisavam..Mas é sobretudo a empatia que chama a atenção nas intervenções de Cuomo. O homem que ganhou a alcunha de bulldozer humano, por afastar do caminho sem dó nem piedade quem o tentasse demover do seu objetivo, conseguiu tocar no coração dos americanos com as suas histórias de Nova Iorque, com a preocupação com a mãe, Matilda, que aos 88 anos o governador garante não ser "dispensável. Como a vossa mãe também não é dispensável". E depois, claro, há as conversas com o irmão..Chris Cuomo é uma das caras mais conhecidas da CNN. Aos 49 anos, o mais novo dos cinco filhos de Mario Cuomo (governador de Nova Iorque nos anos 1980 e 90) começou por entrevistar o irmão para o programa Cuomo Prime Time. Mas depressa os dois deixaram a relação pessoal interferir. Um facto que talvez noutra altura lhes tivesse valido críticas e tivesse irritado o espectador, mas que em tempos de pandemia se tornou uma espécie de "prazer culpado" para muitos americanos. E não só, mais uma vez. Por entre perguntas sérias sobre as medidas que o governador está a tomar para proteger os nova-iorquinos do covid-19, surgiam umas farpas sobre qual dos dois era o preferido do pai ou da mãe, sobre a teimosia de ambos, pelos vistos herdada do progenitor, ou os alertas de Andrew ao mano mais novo para não ir visitar a mãe, cuja idade avançada a coloca no grupo de risco..Até que Chris foi infetado. E o Cuomo Prime Time se mudou para a cave do jornalista em Manhattan, onde este se encontra de quarentena, isolado do resto da família - a mulher Cristina e os três filhos. Dali, as interações entre os dois irmãos tornaram-se ainda mais pessoais. Numa intervenção em direto durante a conferência de imprensa do governador, Chris contou os sintomas que sente: febre, suores frios e sonhos estranhos, como aquele que em que o irmão lhe apareceu a dançar vestido com um tutu de bailarina. "Estavas a dançar no sonho, e tinhas uma varinha mágica na mão e dizias, "gostava de agitar a minha varinha e fazer isto tudo ir embora". E depois rodopiaste e foste embora", afirma Chris, de boné de basebol na cabeça. Na outra metade da imagem, Andrew contém o riso a custo e, aparentemente aliviado por o irmão não ter dito nada pior, agradece: "Há muita realidade metafórica nesse sonho. Obrigado por partilhares. Foi muito simpático.".A troca de galhardetes entre os irmãos já chegou há algum tempo aos jornais americanos, com o The Washington Post ou o The New York Times a dedicarem artigos à química dos Cuomo, mas também atravessou o Atlântico, com o britânico The Guardian a escrever: "Alguns podem interrogar-se porque é que os dois não se sentem envergonhados de estar a brincar um com o outro em público. Mas talvez seja exatamente do que precisamos agora." Até porque "as piadas dos irmãos Cuomo lembram-nos que as pessoas que nos lideram nesta pandemia são humanas - pessoas que têm famílias que amam. Talvez até pessoas com sentido de humor"..A verdade é que Andrew Cuomo tem intercalado estes episódios de bom humor fraterno com críticas duras a Donald Trump e à forma como este tem gerido a crise do coronavírus. O presidente chegou a sugerir que os EUA deviam estar totalmente abertos para a Páscoa, antes de recuar e impor medidas mais duras de confinamento..Um comportamento errático que contrasta com a calma e a confiança que Cuomo transmite - dando a quem o ouve a "sensação de estar sentado à mesa de uma família italiana", como escrevia Maureen Dowd num artigo de opinião no The New York Times. Velhos conhecidos, ambos nascidos no bairro nova-iorquino de Queens, Cuomo e Trump têm, no entanto, procurado manter uma cordialidade aparente, com o governador a agradecer toda a ajuda que o governo federal tem enviado para Nova Iorque, inclusive o navio-hospital USNS Comfort, que atracou esta semana em Manhattan e vai receber doentes que não tenham covid-19..Ambição presidencial?.Com as presidenciais à porta - se o coronavírus o deixar, os americanos escolhem o novo presidente a 3 de novembro -, esta crise tornou-se também política. A corrida à nomeação democrata está estranhamente parada, com os dois candidatos que restam, o senador Bernie Sanders e o ex-vice-presidente Joe Biden, com as campanhas reduzidas a uma presença virtual. Afinal, ambos estão já bem perto dos 80 anos - Sanders tem 78, Biden 77 - estando portanto no grupo de risco..Isto veio abrir espaço para surgir uma figura como Cuomo. Há muito que se fala nas ambições presidenciais do homem que governa Nova Iorque desde 2011. Mas o seu tom patriarcal, as suspeitas de que terá desmantelado abruptamente uma comissão que ele próprio criou para investigar a corrupção no seu estado ou as críticas à sua gestão financeira que deixou Nova Iorque com um défice de 6,1 mil milhões de dólares e com as maiores desigualdades entre ricos e pobres das últimas décadas sempre travaram o homem que ocupa um cargo que já foi de quatro futuros presidentes, entre eles os dois Roosevelt, Theodore e Franklin..Ora estes tempos de pandemia parecem ter feito os americanos relativizar todas estas críticas a Cuomo. Pelo menos os mais liberais, felizes por ouvirem o governador citar precisamente Franklin Roosevelt, o homem que liderou os EUA durante a Segunda Guerra Mundial para garantir: "As notícias vão ficar cada vez piores antes de ficarem cada vez melhores, e o povo americano merece ouvi-lo sem rodeios." As sondagens refletem o fascínio, com a última do Siena College a dar a Cuomo a taxa de aprovação mais alta em sete anos: 44%..Além dos passos do pai?.Aos 62 anos, nada garante que Andrew Cuomo esteja mesmo a pensar avançar para a Casa Branca - seja já neste ano seja em 2024 ou mais além. Até porque, para já, o governador tem mais em que pensar, com a crise do coronavírus a não dar descanso, com mais de cem mil infetados e mais de 2900 mortos no estado de Nova Iorque..Mas caso decida mesmo avançar, Cuomo estaria a ir mais longe do que alguma vez o pai foi. A troca de piadas entre os irmãos Chris e Andrew ganhou também dimensão pelo facto de os pais, cujo amor ambos disputam em direto na televisão, serem o ex-governador e a ex-primeira-dama de Nova Iorque. Mario e Matilda Cuomo, ambos filhos de imigrantes que trocaram o sul de Itália pelos EUA, foram figuras incontornáveis de Nova Iorque..Nascido em Queens, Mario Cuomo começou por se destacar no basebol, tendo usado um bónus que ganhou ao serviço dos Pittsburgh Pirates para comprar o anel de noivado para Matilda. Uma lesão acabaria por o afastar do desporto. Formado em Direito, como advogado chegou a representar Fred Trump, o pai de Donald Trump, nos seus negócios do imobiliário. Mas a política cedo o interessou, tendo sido secretário de Estado de Nova Iorque, vice-governador e, finalmente, governador a partir de 1983 e durante 11 anos. O seu momento alto aconteceu na convenção democrata de 1984, quando num discurso inflamado criticou as políticas do presidente Ronald Reagan..Apesar de ter sido apontado às primárias democratas de 1988 e 1992, Mario Cuomo nunca chegou a avançar. "A verdade é que ele não gostava da gestão do dia-a-dia, o tédio e o absurdo da burocracia deixavam-no entorpecido. No fundo, ele era um filósofo e um poeta, um advogado e um cruzado", dizia há tempos Andrew Cuomo sobre o pai. O filho não podia ser mais diferente. Adora a gestão corrente, não se importa com o tédio da burocracia se trouxer resultados e orgulha-se de ser um fazedor. Se isso o pode levar um dia à Casa Branca ou se a paixão dos americanos pelo governador é tão passageira como todos queremos que seja a atual pandemia, isso só o tempo dirá.