A segunda greve cirúrgica dos enfermeiros dura há três dias e as posições estão cada vez mais extremadas. Se de um lado o governo admite usar todos os meios legais para travar esta paralisação, referindo-se à requisição civil, com o primeiro-ministro, António Costa, a apelidar as greves cirúrgicas de "selvagens" e "ilegais", já do lado dos enfermeiros admite-se a possibilidade de prolongar o protesto até às eleições legislativas de outubro..Esta é, pelo menos, uma possibilidade que está a ser equacionada pela Associação Sindical Portuguesa dos Enfermeiros (ASPE), uma das estruturas sindicais que convocaram a greve às cirurgias programadas. "Está a ser apreciado em reunião da direção da ASPE e, seja qual for a decisão que for tomada, não vai ser pública até o momento em que se se concretize. É verdade que o assunto está em cima da mesa", admite ao DN Lúcia Leite, presidente da ASPE..Para a dirigente sindical o objetivo é, e sempre foi, negociar com o governo, e quanto mais cedo isso acontecer, mais cedo acaba a paralisação. "Se a greve tem como objetivo obrigar o governo a negociar com os enfermeiros, o que estamos a prever é que ao fim destes dias de greve sejam precisos mais para que o governo se decida a negociar", explica. Na passada quarta-feira, sindicatos e o Ministério da Saúde não chegaram a acordo. Faltou consenso sobre o aumento do salário- -base, de 1200 para 1613,42 euros em início de carreira, a antecipação da idade de reforma para os 57 anos com 35 de serviço e o descongelamento das progressões para todos os enfermeiros. Partiu-se, então, para a segunda greve nos blocos operatórios, suspensa devido às negociações, que abrange o Centro Hospitalar São João (Porto), Centro Hospitalar e Universitário do Porto, Entre o Douro e Vouga, Gaia/Espinho, Tondela/Viseu e os hospitais Garcia de Orta (Almada) e Braga..Acusações de Costa "lamentáveis".O Sindicato Democrático dos Enfermeiros de Portugal (Sindepor), que a par com a ASPE convocou as greves cirúrgicas, não admite a hipótese de levar o protesto até às eleições legislativas , mas está "disposto a continuar a luta". "A greve vai prolongar-se até 28 de fevereiro, depois voltaremos a avaliar a situação e tudo vai depender da disponibilidade do ministério para dialogar e negociar de uma forma justa", afirma Carlos Ramalho, presidente do Sindepor. "Se se chegou a este ponto foi porque houve um acumular de muitos anos de injustiças de incerteza e até mesmo de falta de diálogo. Só chegamos a este ponto porque os sucessivos governos, e nomeadamente este, nunca mostraram abertura para dialogar a sério", lamenta..As vozes contra a luta destes profissionais de saúde e a sua duração não se fizeram esperar, atingindo o ponto máximo com as declarações do chefe do governo. "Não podemos confundir aquilo que é o exercício da atividade sindical, o exercício legítimo do direito à greve com práticas que não são de greves cirúrgicas, mas são greves selvagens, que visam simplesmente atentar contra a dignidade dos doentes e contra as funções do Serviço Nacional de Saúde, que são absolutamente ilegais e em relação às quais as instituições não podem ficar impassíveis", acusou António Costa..Declarações "absolutamente lamentáveis", reage o presidente do Sindepor. "Afirmações injustas e injustificadas", adianta ainda Carlos Ramalho garantindo, tal como a presidente da ASPE, que os serviços mínimos estão a ser garantidos. "Esta greve é em tudo semelhante à anterior, que nem era ilegal nem foi selvagem", afirma, referindo-se à paralisação que decorreu de 22 de novembro até ao final de dezembro do ano passado, tendo sido adiadas mais de 7500 cirurgias..Para este novo protesto, o primeiro-ministro admitiu que o governo irá recorrer a todos os meios legais para travar a greve, e avançou ser necessária uma clarificação sobre a forma de financiamento das greves, referindo-se ao movimento de enfermeiros, denominado Greve Cirúrgica, que criou uma plataforma de crowdfunding. Angariou 360 mil euros para a primeira para a primeira greve e mais de 420 mil euros para a que está a decorrer..Juristas dizem que greve é "ilícita".Carlos Ramalho diz que os sindicatos nada têm que ver com esta recolha de fundos e que se trata de "uma resposta solidária dos enfermeiros". "Nunca se pagaram greves", sublinha. Certo é que a ministra da Saúde, Marta Temido, já tinha admitido a hipótese de recorrer a meios jurídicos para combater esta nova greve, que "convoca para uma reflexão sobre questões éticas, deontológicas e sobre o exercício do direito à greve", observou em entrevista à RTP..Contactados pelo DN, vários juristas consideram que o governo pode declarar ilícita a greve, e com isso recorrer da decisão dos serviços mínimos. Jorge Reis Novais, constitucionalista e professor na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, afirma que a greve "é ilícita" e aponta duas razões: "Os serviços mínimos não garantem necessidades sociais de satisfação impreterível, e por outro lado é uma greve self-service, o que é uma fraude à lei." Também Maria do Rosário Ramalho, do Instituto do Direito do Trabalho, considera que esta greve suscita "um problema de licitude". Considerando que os serviços mínimos são "o recurso que a lei prevê para combater o direito à greve", Rosário Ramalho alerta para o facto de serem outros os meios de recurso quando a greve é ilícita, dando lugar a "procedimentos disciplinares"..No meio deste braço-de-ferro, e mesmo sem comentar em concreto a greve cirúrgica, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, fez ontem um apelo aos enfermeiros: para que se pese o custo social das paralisações. Falou "genericamente" para quem exerce "o seu legítimo direito de greve", considerando que "devem pensar, sobretudo quando se trata de processos muito longos no tempo, a vantagem que retiram do ponto de vista da defesa dos seus direitos e a desvantagem que se traduz na reação dos portugueses que são mais diretamente atingidos nesses processos"..Serviços mínimos.O Tribunal Arbitral decretou serviços mínimos para salvaguardar os doentes com situações urgentes. Estes são alguns dos casos:.Urgências Os serviços mínimos incluem "situações de urgência imediata e de urgência diferida", bem como todas as "situações das quais possa resultar dano irreparável/irreversí- vel ou de difícil reparação"..Oncologia As "intervenções cirúrgicas ou o início de tratamento não cirúrgico (radioterapia ou quimioterapia), em doenças oncológicas", "classificadas como de nível de prioridade 4", estão abrangidas, bem como as "intervenções cirúrgicas em doenças oncológicas, classificadas como de nível de prioridade 3", segundo "critério legal aplicável, quando exista determinação médica no sentido da realização dessa cirurgia"..Blocos operatórios As intervenções cirúrgicas nos blocos operatórios "dos serviços de urgência, de oncologia, obstetrícia, cirurgia cardiotorácica, neurocirurgia, oftalmologia e cirurgia de ambulatório, bem como de outras especialidades, de forma que todos os doentes com cirurgias marcadas ou a marcar não vejam os atos cirúrgicos diferidas, de forma a não ultrapassarem os limites estabelecidos pela legislação"..Transplantes "O serviço de recolha de órgãos e transplantes em regime de prevenção" também está abrangido.